Hugo Vieira: inspirador
Box-to-box
O futebol vive de duas coisas: de heróis e de feitos. Tudo o resto passa. Uma finta, uma combinação, um fora de jogo é conversa de café. Perde-se na espuma dos dias. O que fica no fim, o que a história guarda com o carinho que é tão dela, são as histórias de um homem ou de um momento. Os heróis e os feitos, lá está. Pode ser um jogador, pode ser um treinador, pode ser um resultado ou pode ser até um golo. Só há uma exigência: tem de ter um argumento. Uma finta, uma combinação, um fora de jogo ou até uma tática não têm argumento: não têm enredo nem aquilo a que os brasileiros chamam de roteiro. São apenas sumários de uma cisma que alimenta conversas de circuntância. Ninguém idolatra um fora de jogo ou uma tática. Por isso perdem-se no movimento do tempo: são factos no dia a seguir, são um bocadinho menos dois dias depois, são ainda um bocadinho menos três dias depois. Até deixarem de o ser de todo no fim de semana a seguir. Nessa altura perderam o prazo de validade e são substituídos por um novo fora de jogo, por uma nova tática. Os heróis e os feitos não: são eternos. A literatura, por exemplo, adora os heróis do futebol. Ídolos de carne e osso mimados e adorados, submetidos a pressões tão desumanas quanto brutais. Este texto é sobre um desses heróis: Hugo Vieira. O jogador do Torpedo embateu de frente no final do mês de janeiro com a experiência mais cruel que um ser humano pode enfrentar: a morte de uma pessoa querida. Nada neste mundo pode ser sequer comparável a essa dor: nenhuma crueza, nenhuma tortura, nenhuma brutalidade é tão selvagem, tão atroz, tão desumana quanto a morte. A morte é a coisa mais estúpida que existe nesta vida. Por muito que a tentem desmistificar, embelezar ou ornamentar, com poemas e orações, pensos e caldos de galinha, a morte é estúpida e completamente inaceitável. Como é que se fica quando alguém parte? Só há uma maneira, destruído. Hugo Vieira ficou destruído e mostrou-o através das redes sociais. Lembrou que tinha perdido a razão de viver e que grande parte da vida dele tinha terminado. Despediu-se com um até já. Aquela era uma mensagem de um homem arruinado, como é óbvio. Quem esteve nas cerimónias fúnebres, aliás, garante que foi horroso. Cruel, cruel, cruel. Miguel Esteves Cardoso escreveu há tempos que só há uma maneira de encaixar a dor de alguém que partiu: devagar. É preciso aguentar e dar tempo ao sofrimento. Por isso, confesso, fiquei surpreendido e até comovido quando vi esta foto outro dia no facebook. Nela pode ver-se Hugo Vieira no regresso aos treinos do Torpedo.
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Inspirador.
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias