Cinquenta minutos a olhar para Ronaldo e a ficar com saudades do que vivemos
Naquele que foi seguramente o último jogo num Mundial, Cristiano portou-se como um capitão: foi a todas as bolas, pressionou adversários, puxou pelos colegas e tentou dar o exemplo. Nunca reclamou com os companheiros e não teve um gesto de desagrado. Assistiu para a melhor ocasião de golo da Seleção, rematou para uma boa oportunidade e no fim saiu de campo em lágrimas. Portugal, esse, ficou de coração apertado.
Só um coração de pedra conseguirá ficar indiferente à imagem de Cristiano Ronaldo a sair de campo lavado em lágrimas. Sobretudo se for um coração português.
Aquela caminhada até aos balneários, com a cara escondida entre as mãos e o choro a cair-lhe pelo rosto, até pode não ser um ponto final, ainda não se sabe exatamente, mas encerra em si mesma muitas das maiores alegrias que a Seleção Nacional já nos deu.
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Com Ronaldo fomos campeões europeus. Com Ronaldo nunca falhámos uma grande competição. Com Ronaldo tivemos noites verdadeiramente memoráveis: aquele play-off na Suécia, por exemplo, ou o jogo de abertura do Mundial 2018 frente à Espanha.
Com Ronaldo, enfim, alimentámos os maiores sonhos, conscientes de que tínhamos um fora-de-série entre nós. E a partir daí tudo podia acontecer. Se calhar nem sempre tivemos essa noção, mas a maior herança que o capitão nos deixa é provavelmente essa: a capacidade de sonharmos os maiores sonhos, a ambição de sermos tão grandes quanto os maiores.
Quem tem mais de quarenta anos sabe como isso foi uma conquista tremenda.
Este sábado Cristiano Ronaldo chorou, provavelmente por saber que o futebol já não lhe vai devolver o muito que ele lhe deu: o supremo orgulho de ser campeão do mundo.
Chorou porque se despediu dos Campeonatos do Mundo com uma derrota muito dura, frente a um adversário claramente inferior, sem conseguir sequer colocar Portugal entre as quatro melhores seleções do mundo. Para quem sempre andou no topo, deve ser mais difícil.
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Curiosamente, o capitão até fez tudo para que fosse diferente.
Começou o jogo no banco, entre em campo aos 51 minutos e portou-se com um verdadeiro líder. Portou-se enfim como aquele Ronaldo que nos orgulha tremendamente.
Numa altura em que as capacidades físicas já não lhe permitem enlouquecer-nos como fez durante quase duas décadas, ele respondeu com uma atitude louvável em todos os momentos.
A primeira imagem que a transmissão nos mostrou, aliás, é de Ronaldo a gritar incentivos a Cancelo. Depois correu para dentro do relvado, bateu palmas e incentivou os restantes colegas.
O capitão entrou totalmente focado em ser parte da solução e disposto a dar tudo por isso.
Aos 52 minutos, por exemplo, fez um sprint a fugir para a esquerda, recebeu de João Félix e cruzou, mas muito chegado ao guarda-redes. Aos 54 minutos surgiu com espaço para rematar, numa posição mais recuada, Dalot preferiu tentar servir Gonçalo Ramos à boca da baliza.
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Pouco depois recebeu na área de Otávio, tentou ganhar espaço para rematar e perdeu a bola, logo a seguir procurou o segundo poste para finalizar, mas Dalot tentou a finta e a bola não saiu, uns instantes depois desceu para apoiar a construção, recebeu de Otávio e abriu de primeira em Bruno Fernandes, para um cruzamento perigoso.
Em dez minutos, Ronaldo entrou cinco vezes em jogo.
O avançado estava sempre em movimento, desceu para pressionar adversários, tentou ser um exemplo para os companheiros num momento em que só podia pensar-se no bem comum.
Portugal estava nesta altura na melhor fase, aliás, em cima do adversário, a tentar por todos os lados chegar à baliza de Bounou. Ronaldo caiu na esquerda para combinar com Félix e ganhou um lançamento. A seguir recebeu uma bola difícil, dominou, tentou progredir e sofreu falta.
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Aos 68 minutos Bruno Fernandes assistiu de trivela, Ronaldo tentou e não conseguiu chegar. Pouco depois recebeu um passe difícil de Vitinha, não dominou e fez um sprint a pressionar o guarda-redes.
Em nenhum momento, aliás, reclamou com um colega ou fez um gesto de desagrado.
Aos 72 minutos, por exemplo, o cruzamento de Dalot saiu muito longo e Ronaldo incentivou o colega com o polegar levantado.
Exemplar.
Metido entre os centrais, o capitão foi a quase todas as bolas, batalhou sempre pela posse, nunca virou a cara à luta. Aos 76 minutos João Cancelo cruzou, Ronaldo lutou entre os centrais e a bola quase sobrou para Félix. Aos 81 minutos recebeu na área de Ricardo Horta e amorteceu para um remate de Félix que obrigou Bono a enorme defesa.
A melhor oportunidade de Portugal em todo o jogo.
Cristiano Ronaldo continuou a trabalhar, a querer mais, a incentivar os colegas. Aos 90 minutos teve a oportunidade dele: o momento para ser Ronaldo. Fez uma diagonal a pedir a bola, Bruno Fernandes meteu a bola no espaço certo com grande talento, o capitão fugiu entre os dois centrais adversários e rematou cruzado para grande defesa de Bono.
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Até que aos 97 minutos, quando Pepe falhou a última oportunidade, fechou os olhos e virou a cabeça para o céu. Logo a seguir o árbitro acabou o jogo e Ronaldo dirigiu-se para os balneários. Sempre com os olhos no relvado. No meio do caminho começou a chorar.
No túnel desabou em lágrimas e Portugal ficou de coração apertado. Mesmo que não seja o ponto final, é seguramente o fim de um parágrafo que não se repete.
Obrigado por tudo, Cristiano. Obrigado por tanto.