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Depois do Adeus  |  

O ex-capitão do Benfica que trabalha numa ONG e faz voluntariado

Eduardo Simões esteve 16 anos no clube encarnado, foi capitão em vários escalões jovens e chegou a estrear-se pela equipa principal. Aos 28 anos deixou o futebol porque estava saturado e acha que só vale a pena estar numa coisa se ela fizer sentido.

Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt

O encontro dá-se na Quinta do Bom Pastor, na Buraca, onde funciona a Organização Não Governamental para a qual trabalha. Chove muito, mas Eduardo Simões não foge da água.

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Chega cedo e vestido de forma clássica: nada de gangas rotas, blusões de estilista ou sapatilhas de marca. Pelo contrário. Uma camisa, um pulôver e um sobretudo. Tudo muito sóbrio e discreto. Nota-se que não há ali qualquer vestígio do típico jogador de futebol.

«Mudar de vida foi uma coisa muita tranquila e natural. Quando cheguei aos 28 anos comecei a ficar saturado do futebol, sobretudo por ver que a minha carreira não andava para a frente. Tinha de ir para o estrangeiro e isso eu não queria, porque tinha uma filha pequena», conta.

«Por isso comecei a pensar que o meu caminho não seria por ali. Ao contrário do que as pessoas pensam, nem todos jogadores ganham os milhões que dois ou três por cento ganham.»

Hoje é gestor na FEC – Fundação Fé e Cooperação – uma ONG para o desenvolvimento, que trabalha com países africanos: Guiné-Bissau, Moçambique, Angola, entre outros.

Basicamente dão formação para habilitar os locais a executar melhor o que fazem.

«Por exemplo, há parteiras em vários pontos de África que nunca tiveram formação. Tudo o que sabem sobre realizar um parto foi aprendido pela experiência. E quem diz parteiras podem dizer professores, enfermeiros, enfim, há muita coisa para fazer em África.»

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Para trás ficou, por isso, uma carreira que chegou a prometer muito no futebol.

Eduardo Simões, recorde-se, foi capitão do Benfica nos vários escalões de formação e foi um dos mais auspiciosos projetos de jogador do país. Entrou no clube da Luz com 8 anos e só saiu de lá com 24. Foram, portanto, 15 épocas no Benfica, que lhe valeram a presença em todas as equipas: das escolinhas à formação principal. Passando por juvenis, juniores, equipa B, enfim. Todas elas.

Pelo meio foi mais de trinta vezes internacional: dos sub-15 aos sub-21. Foi até o primeiro jogador da III Divisão, quando o Benfica B desceu de divisão, a ser chamado à seleção de esperanças.

«Se ainda penso no futebol? Não, estou resolvido. Tenho a consciência que podia ter ido mais longe, se calhar até merecia ter ido mais longe, mas não dependia só de mim», sublinha.

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«Infelizmente o mundo do futebol é assim. Mas nesse aspeto estou resolvido. Não fico a pensar no que podia ter sido. Aliás, não foi difícil deixar o futebol. Foi difícil, sim, reencontrar o meu rumo.»

Para além de trabalhar numa ONG, Eduardo Simões faz também voluntariado: juntou-se ao CASA – Centro de Apoio aos Sem Abrigo -, distribuindo comida e roupa por quem vive na rua.

«Eu tenho a minhas próprias crenças e acho que para recebermos temos de que dar, e nós só damos verdadeiramente quando a pessoa a quem damos não tiver nada para nos dar. Caso contrário ficamos à espera de receber e isso é uma troca. Portanto é uma coisa que não me custa nada e que para mim é obrigatório: sábado, de quinze em quinze dias, estou lá», revela.

«Era uma coisa que queria fazer. Por isso enquanto fizer sentido para mim, vou continuar. A partir do momento em que deixe de fazer sentido, deixo de participar. Mas ajudar o próximo será sempre um argumento forte para mim, fazendo voluntariado numa instituição ou a título particular.»

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Eduardo Simões é assim: um homem de convicções fortes e de princípios nobres. Fala com enorme maturidade, num discurso com vocabulário rico e ideias firmes.

Nota-se que tem personalidade forte e ideias bem vincadas.

«Na altura em que estava no Mafra, tinha 28 anos, tomei uma decisão: vou trabalhar e jogo futebol ao final do dia. Fui para o Real Massamá, que era semi-profissional, só treinava à noite, e arranjei trabalho nos correios do aeroporto, a carregar malas.»

Foi assim no fundo, de uma forma tão determinada e rápida, que colocou um ponto final na carreira. Para trás deixou exatamente uma vida de vinte anos a jogar futebol.

«O meu sonho sempre foi ser jogador do Benfica. Nunca quis jogar no estrangeiro, nada. Era o Benfica, ponto. As coisas não correram totalmente mal, porque fui dos poucos que nunca saiu do clube, fiz lá todo o meu trajeto, e cheguei à equipa principal. Mas depois não tive continuidade.»

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Pelo caminho foi chamado à equipa principal por quatro treinadores: José Mourinho, Jesualdo Ferreira, Toni e Trapattoni. Treinou praticamente toda a época com o treinador italiano, aliás.

«A primeira vez que fui chamado à equipa principal foi pelo Mourinho. Foi um sonho, tinha 17 anos e era tudo o que sempre desejei. Alguém me ligou, penso que o Shéu, a dizer que no dia a seguir ia treinar com a equipa principal. Dormi bem, tranquilo, e no seguinte lá fui», recorda.

«Acabei por não trabalhar muito com o Mourinho porque ele duas semanas depois foi embora. Mas deu para perceber que tinha um relacionamento muito forte com os jogadores. Lembro-me que no final do segundo treino que fiz, ele foi ao balneário, cumprimentou-me e disse-me para estar preparado porque iria voltar. Foi uma coisa que nenhum outro treinador fez.»

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Tudo parecia correr bem, mas a verdade é que a vida nem sempre é uma linha reta.

No primeiro ano de equipa B fez apenas seis jogos, no segundo ano é obrigado a jogar na III Divisão, no terceiro ano os responsáveis decidem que o melhor é ser emprestado.

«Falam-me de uma equipa da Liga ou II Liga, mas a verdade é que acabo no Amora. Fui para lá quase obrigado, acabei com quatro meses de salários em atraso, enfim. No ano seguir dizem-me que iria ser outra vez emprestado e eu aviso logo que era melhor esquecerem. Nem pensar», refere.

«Saí e fui para o Moscavide, também não joguei muito, depois fui para o Mafra e depois o treinador Rui Dias, que me tinha orientado no Moscavide, pergunta-me se quero ir para a Bulgária. Vou para a Bulgária, regresso depois para o Mafra e um ano depois decido acabar.»

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Nessa altura, Eduardo Simões toma a decisão de trabalhar durante o dia e jogar apenas à noite. Como amador ainda passou pelo Real Massamá, pelo Alta de Lisboa e pelo Pêro Pinheiro.

«Jogava só por amizade às pessoas que estavam nesses clubes. Em dezembro deixei em definitivo o futebol. A minha filha quis vir morar comigo e preciso de tempo para estar com ela em casa.»

Foi nessa altura, quando jogava à noite e carregava malas de dia, que decidiu voltar a estudar.

«Um dia, no final de um treino, um colega meu disse que ia fazer o exame para maiores de 23 para entrar na faculdade a um sábado. Comecei a gozar com ele. Ao sábado?! Lembrei-me logo de um outro colega que uma vez faltou a um treino com a desculpa que tinha ido fazer uma escritura: não há escrituras ao sábado. Por isso comecei a gozar no mesmo sentido. Ó Tigas, ao sábado? Não brinques connosco», conta.

«Passado umas semanas ele diz-me que entrou. Ó Tigas, outra vez essa conversa? Deixa-te disso. Até que ele me mostra o papel a dizer que entrou e então eu pergunto-lhe como aquilo funciona. Ele explicou-me, eu fui inscrever-me e lá entrei. Depois fazia as três coisas: trabalhava, estudava e jogava. Fiz a licenciatura em Gestão. Mas quando terminei o curso, numa altura em que já não era profissional, jogava até na distrital, recebi um convite do Recreativo de Libolo.»

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Foi para África, onde ainda jogou durante seis meses. Diz que o fez apenas pelo dinheiro, porque era realmente um excelente contrato. Ao fim desses seis meses, o clube tentou renovar por mais uma época, mas Eduardo Simões recusou e regressou a Portugal.

«Os meses passavam um atrás do outro, já tinha mais de 30 anos e queria entrar no mercado de trabalho. Não podia perder mais tempo. Mas a verdade é que não foi fácil e fiquei um ano inteiro sem emprego. O dinheiro que tinha ganhado em Angola, gastei-o todo nesse ano.»

Até que apareceu a ONG onde já está há três anos. O futebol ficou definitivamente para trás.

«Fiquei saturado de ouvir as pessoas dizer-me que não podia estar ali, tinha de jogar num nível mais acima. Mas as oportunidades não apareciam. Fui ficando, fui ficando, fui ficando, até que percebi que o dinheiro que ganhava ali não me ia dar estabilidade nenhuma. Estava só a adiar uma coisa que era inevitável», refere.

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«A verdade é que financeiramente o que tenho hoje não é diferente do que era quando jogava à bola. Claro que no futebol trabalhas duas ou três horas por dia, fazes o que gostas, tens uma vida fácil. Mas a maior parte dos clubes paga dez meses, sendo que no Campeonato de Portugal os jogadores mais bem pagos ganham mil e poucos euros. Vezes dez meses, dá o quê? Dá nada.»

Referindo que nem sempre fez as melhores opções - podia por exemplo ter ido para o P. Ferreira quando José Gomes o quis levar, mas ele não aceitou rescindir com o Benfica -, Eduardo Simões reconhece que não lamenta nada: afinal faz tudo parte do caminho e mais importante do que o que se faz, é o que se é.

«Acima de tudo tenho as minhas crenças e tenho de ser fiel a elas. Quando mexem com os meus valores, só tenho um caminho: saltar fora. Eu gosto de dormir descansado.»

artigo atualizado: hora original 23:51 10-01-2018

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