Jogou no Sporting e encontrou a estabilidade na Zara
Gonçalo Costa foi formado na Academia de Alcochete, antes de jogar no Belenenses, U. Leiria, enfim. Aos 23 anos aceitou deixar os sonhos para trabalhar na Zara. Hoje diz que foi o passo certo e que devia haver algum cuidado na formação de jovens jogadores.
Depois do Adeus é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt
artigo atualizado: hora original 23:52, 17-05-2018
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Gonçalo Costa atende o telefonema com extrema simpatia e vontade de contar a história dele: uma história que pode até servir de lição para os mais jovens.
«Deixei o futebol aos 23 anos. No momento inicial foi uma dor. Custa mesmo muito. Construímos a ideia de ser jogadores desde muito cedo. Por isso custa-me ver rubricas como o Depois do Adeus, que o Maisfutebol faz, ou o Reportv», começa por dizer.
«Os miúdos constroem uma ideia desde muito novos, constroem sonhos e não vivem para mais nada: treinos todos os dias, o círculo de amigos são jogadores, enfim, toda a vida está orientada num sentido. Quando saímos do futebol a dor é imensa. Tudo em nós foi pensado para aquilo.»
Gonçalo Costa diz que só uns meses mais tarde é que percebeu que tinha tomado a decisão certa quando resolveu mudar de vida. Hoje lamenta sobretudo que a formação de jogadores não tenha o cuidado de pensar no ser humano que há por detrás do jovem: no adulto que ele pode ser.
«Joguei no Sporting com William, com o Cedric, com o Renato Santos, com o Nuno Reis, tínhamos uma geração de ouro, mas só quatro ou cinco é que estão num nível alto. É difícil chegar lá. Muito, muito difícil. Só uma ínfima parte é que consegue», conta.
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«Hoje sinto falta do desafio, do stress, daquela coisa de semana após semana termos um objetivo e construirmos o espírito de luta. É uma ferida que fica para sempre. Ainda sigo o futebol, e sigo o meu clube, o Sporting, mas muito menos do que fazia. Mantenho algum contacto com os meus colegas, particularmente com o William, mas a minha prioridade já não é ver e viver futebol.»
A prioridade dele é a carreira que começou a construir fora das quatro linhas: nos relvados da vida.
Antes de chegarmos a essa parte, porém, convém recuar um pouco mais para perceber como Gonçalo Costa sentiu que o melhor era deixar os relvados.
Gonçalo Costa, convém dizê-lo, nasceu em 1991, pelo que tem 27 anos.
Chegou à Academia de Alcochete depois de ter sido chamado à seleção de Lisboa e de ter brilhado num torneio Lopes da Silva. Tinha 14 anos.
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Saiu duas temporadas depois para o Belenenses, onde completou a formação e chegou a integrar o plantel principal. Até que depois disso a carreira não evoluiu.
«Fiz o primeiro ano de sénior no Mafra, com o treinador Jorge Paixão, ao lado do Joãozinho, que está no Tondela, e com o João Afonso, que foi comigo para o Belenenses. Nessa altura senti que podia chegar a uma II Liga, mas esse convite não chegou e surgiu a possibilidade de ir para o Chipre. Com 19 anos fui experimentar», refere.
«Depois tive uma hipótese de regressar ao Belenenses com o Marco Paulo, mas ele acabou por sair, veio o Van der Gaag e essa hipótese caiu. Acabo por ir para a U. Leiria, enfrento algumas dificuldades com muitos salários em atraso, muitas notícias nos jornais, greves, enfim, um ano complicado. Depois vou para o Torreense, onde encontro um bom grupo mas muitas limitações financeiras, e então sigo para o Loures, com a intenção de ficar em Lisboa e organizar a vida para voltar a estudar.»
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Básica e reduzidamente foi assim que Gonçalo Costa chegou à conclusão que tinha de parar e fazer um ponto da situação. Precisava de perceber como podia ter estabilidade.
«Não dava para fazer vida, eram ordenados muito baixos: valores a rondar o ordenado mínimo. Dizer que se é profissional de futebol e ganhar 400, 500 ou 600 euros não faz sentido. Não podemos treinar de manhã e ganhar isso. Ninguém consegue estruturar a vida com 500 euros», refere.
«Chegámos aos 23 ou 24 anos, queremos avançar para o nosso carro, para a nossa casa, construir família e percebemos que o futebol não nos dá estabilidade para isso. São os ordenados muito baixos, contratos a dez meses, no final da época nunca sabemos para que onde vamos, enfim, tudo isso faz-nos pensar e obriga-nos a abdicar desse sonho que alimentámos desde os 4 ou 5 anos.»
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Foi nessa altura que surgiu a Zara na vida de Gonçalo.
«Nós queremos sempre arrastar a carreira mais um ano e mais outro, mas depois nunca surge aquele salto que nos faz sonhar. Acaba por ser pela paixão que nos mantemos. Tinha feito uma formação boa e tinha ambições, mas percebi que era um risco muito grande continuar no futebol.»
Ora por isso, quando um amigo que trabalhava na Zara lhe disse que podia ganhar o mesmo que ganhava no Loures, mas em part-time, Gonçalo sentiu que era altura de dar um passo ao lado. Até porque ficava com tempo para voltar a estudar, como queria fazer.
«Gostava de moda, fui a uma entrevista e a diretora da Zara que me entrevistou disse que tinha grandes ambições para mim. Por acaso nunca me esqueci, ela disse-me mesmo que tinha o objetivo de me fazer desistir do futebol. A verdade é que três meses depois de começar a trabalhar fui promovido e seis meses depois cheguei a um cargo de chefia. Nessa altura consegui um contrato mais sério, com um bom ordenado e responsabilidades. Decidi deixar o futebol.»
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Começou como lojista no Vasco da Gama, na secção de roupa feminina, na qual gostou de trabalhar pelo desafio. Ao fim de seis meses, e depois de uma entrevista com o diretor da marca em Portugal, foi proposto para gestor de produto no Cascais Shopping.
Hoje até já deixou a roupa, para se dedicar à aviação.
«Entretanto surgiu a possibilidade de ir para a TAP. Fiz o meu curso em setembro, entrei na empresa em dezembro e estou lá desde essa altura», conta.
«Sou comissário de bordo. Faço voos de médio curso, para toda a Europa e para África. Outro dia até me aconteceu uma situação curiosa. Eu trabalhei dois anos com Rui Jorge, nos juniores do Belenenses, e calhou-me levar a seleção sub-21 para Zurique. Estive meia hora a falar com ele e a trocar umas impressões com a melhor equipa técnica que tive.»
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O futebol, hoje em dia, é isso para Gonçalo Costa: passado. E como passado que é, está depositado no canto do cérebro onde se guardam as memórias.
Por falar em memórias, o rapaz de 27 anos tem muitas. Não esquece, por exemplo, o dia em que o Sporting foi jogar a Sintra.
«Fomos defrontar o Mira Sintra, onde jogava o William Carvalho. Ele fez um jogão, marcou dois golos. No dia seguinte, quando nos estávamos a preparar para treinar, apareceu o William também para treinar. Foi curioso e mostra como o Sporting era forte a segurar os melhores», recorda.
«Houve outro momento, numa época de juniores do Belenenses, em que estávamos a disputar o primeiro lugar com Sporting e Benfica. No balneário, antes de entrarmos para um jogo, a equipa técnica mostrou-nos um vídeo com os nossos melhores momentos. Lembro-me de ver na cara dos colegas uma união e uma força incríveis. O Rui Jorge é impressionante em termos de liderança.»
Gonçalo Costa sorri: o futebol traz-lhe gratas memórias.
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A vida, essa, é que não pára.
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