O jornalismo, o futebol português e o beco
Como lidar com o poder crescente dos grandes clubes em Portugal?
Nós, os jornalistas, conversamos pouco sobre jornalismo com os leitores. Conversamos também pouco sobre jornalismo entre nós e ainda um pouco menos do que isso sobre a situação em que está o jornalismo. Este artigo não resolve a coisa, claro. É uma gota. Fala de jornalismo e de clubes de futebol, em Portugal, hoje.
No entanto, começo por uma pequena história, com mais de 20 anos.
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No dia seguinte, «A Bola» trazia uma página com Ademir, na primeira pessoa. Não vou parecer velho e dizer que nesse tempo era mais fácil.
Esta história passou-se bem antes do dial-up e obviamente seria impossível hoje, no tempo dos centros de estágio, dos diretores de comunicação e dos canais próprios de TV. Naquele tempo, por estranho que pareça, também havia todos os anos um campeão. E um segundo classificado e um clube grande que entrava em crise. Acreditava-se é que a origem do bem e do mal não era detida pelo assessor de imprensa ou pelo analista que se mantém online.
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Nas últimas duas décadas, os grandes clubes montaram os seus próprios meios de comunicação social. Do outro lado, mantiveram-se três jornais desportivos, apareceu este que publica o texto que está a ler, além de duas televisões de desporto. E os canais generalistas lançaram televisões por cabo, de informação, em que o desporto é tema quase sempre presente. E com boas audiências.
A situação atual é, pois, peculiar. Por um lado nunca se falou tanto sobre desporto, especialmente futebol, especialmente os três clubes maiores. Por outro, o acesso direto às fontes decresce a cada ano. O afastamento entre meios e protagonistas torna mais delicada a construção, e comercialização, de produtos informativos. Empobrece-os.
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Tudo isto se complicou desde o tal dia em que o jornalista chegou à Luz e fez uma página com quem por ali andava. Os jornais desportivos passaram a diário. As redações, numa primeira fase, cresceram, mas o tempo diminuiu. Histórias que antes podiam ser trabalhadas e refletidas passavam a ter maior urgência. O número de páginas aumentou. O que em outros dias não valeria mais do que uma breve, transformou-se em abertura de página. Não é crítica. Eu estava lá e participei nisto.
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Em 1997, por exemplo, o jornal «Record» tinha como circulação diária 90 mil exemplares. «O Jogo» 36 mil. «A Bola» sempre reservou para si os números, mas por essa altura ainda estava à frente do «Record».
Do meu ponto de vista, isto sucede por três razões:
1. Afunilamento do conteúdo. Este foi pecado maior. Os três jornais foram incapazes de abrir os horizontes dos leitores. Viciaram-se no noticiário de Benfica, Sporting e FC Porto. E assim ficaram. Os outros clubes não interessam (culpa deles, também), os outros desportos só chegam às primeiras páginas quando há medalhas ou pancadaria. Não é uma crítica, é um facto.
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Em Portugal, até por causa da crise dos últimos anos, o desporto tem hoje escassa expressão. A qualidade também baixou. Isso não sucede em Espanha, Itália ou França. E seguramente não é a realidade em Inglaterra ou na Alemanha.
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Por cá, um clube da I Liga tem mais espaço e atenção do que um canoísta, uma seleção de qualquer modalidade ou um atleta, seja de que modalidade individual for. E, estupidamente, os clubes médios e pequenos da Liga nem têm sabido aproveitar a asfixia imposta pelos grandes. Pelo contrário, de uma forma geral copiam as regras dos maiores, desperdiçando o espaço oferecido, diariamente, nos jornais desportivos. Quase sempre sem imaginação, sem rasgo, fechados sobre hábitos antigos e medos. Neste ponto, valia a pena olharem em detalhe para o que está a ser feito na Federação Portuguesa de Futebol. E não apenas na seleção principal.
Mas, como sabem todos os que trabalham online, existe público que deseja consumir informação sobre outros temas, não apenas Benfica, Sporting e FC Porto. Uma audiência talvez até mais qualificada e informada, que assiste e discute futebol internacional. E outras modalidades. Pessoas que se interessam por Cristiano Ronaldo e José Mourinho. Que lêem uma boa história sobre André Villas-Boas, que vêem um programa onde esteja Vítor Pereira. Que seguem um ciclista como Rui Costa e vibram com os jogos de João Sousa e querem saber mais sobre José Fonte. É curto? Provavelmente, mas sempre será mais do que o atual beco onde quase não entra a luz.
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Fenómenos como a final de Lisboa, entre Real Madrid e Atlético de Madrid devem fazer-nos refletir. A audiência deseja aquele conteúdo, vive aquele conteúdo. Os números revelados são esmagadores. Na TVI, por exemplo, o jogo foi visto, em média, por cerca de três milhões de pessoas. E na TVI24 a audiência do dia foi superior à que a SIC Notícias conseguiu com o Benfica na Liga Europa. Claro que passar o interesse da televisão e da Web para o papel é um desafio duro. Mas talvez ainda seja possível.
O tempo em que um jornalista, aquele do início do texto ou outro, chegava a um clube grande e acedia a quem desejava não voltará. O adepto que está a ler este texto dirá «ainda bem, menos problemas». O leitor, sobretudo o mais velho, sabe o muito que se perdeu. Por este caminho, um dia haverá menos gente a escrever, menos estórias, menos e pior reportagem, nenhuma investigação e até escassa opinião livre, forte e qualificada sobre futebol. Ou seja, menor aproximação à verdade, mais especulação. Mais construção, menos realidade. Duvido que isto seja bom para os clubes. Seguramente será mau para si, caro leitor/adepto.
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