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Espanha  |  

Barcelona-Real Madrid: mais que um jogo, de novo

El Clásico chega num contexto especial, perante a tensão na Catalunha, e junta as duas equipas no caminho para o estádio. Um envolvimento político em torno do grande duelo, que teve sempre esse pano de fundo também a alimentar a rivalidade

Barcelona e Real Madrid vão sair juntos, do mesmo hotel, a caminho do Camp Nou, o que só por si diz muito sobre o contexto em que se joga o clássico de Espanha nesta quarta-feira. As duas equipas a colaborar para tentar lidar com a pressão em torno de um duelo que chega num momento político particularmente delicado em Espanha. Aquele que faz gala de ser o duelo mais global do futebol mundial, entre dois eternos rivais que jogam aqui a liderança e boa parte da luta pelo título e, de caminho, o desempate num incrível equilíbrio histórico, já tem tudo para centrar atenções do ponto de vista essencialmente desportivo. Agora juntam-se circunstâncias especiais, mas este foi sempre mais que um jogo.

A sentença que no início de outubro condenou a prisão os responsáveis políticos pelo referendo independentista de 2017 na Catalunha levou ao adiamento da data original do clássico da primeira volta da Liga espanhola, que devia ter-se realizado a 26 de outubro. Menos de dois meses depois, se as ruas de Barcelona estão mais calmas, a tensão permanece. Há uma manifestação marcada para o dia do jogo e um enorme dispositivo de segurança montado para tentar que o clássico decorra sem problemas.

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A ideia de juntar as duas equipas no mesmo local nas horas anteriores ao jogo pretende precisamente minimizar potenciais focos de conflito. O Real Madrid viaja para Barcelona no próprio dia do jogo e vai para o hotel Sofia, que fica a menos de um quilómetro de distância do estádio. O Barcelona acedeu a mudar a rotina dos dias de jogos em casa e, em vez de os jogadores chegarem ao estádio pelos próprios meios, vai concentrar-se também ao fim da manhã, no mesmo hotel. Onde ficará igualmente aliás a equipa de arbitragem. O Clásico começa umas horas mais cedo, portanto.

Há muito em jogo no campo, há muito em jogo fora dele. O Clásico cresceu sempre nessa dupla dimensão, desportiva e sociológica, entre dois clubes de identidades muito diferentes. Por muito simplistas que sejam as generalizações, têm imagens claras associadas. «O Madrid será sempre o paradigma do centralismo e o Barça do nacionalismo», como resumiu o professor universitário espanhol Eduardo González Calleja, que estudou a relação histórica entre os dois clubes.

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A rivalidade foi-se construindo. No início, nem era entre ambos que estava centrada a hegemonia do futebol espanhol. Aliás, durante muito tempo o «Clásico» de Espanha foi o duelo entre o Real Madrid e o At. Bilbao, que só recentemente foi ultrapassado pelo Barça-Real em número de jogos disputados.

A história da Espanha no século XX, com a guerra civil a que se seguiu a ditadura de Franco, moldou a rivalidade. Feita de muitas histórias e também muitos mitos em torno da colagem do Real ao «status quo» ou da perseguição ao Barcelona, mas que assenta na forma como o regime apanhou boleia do sucesso internacional do Real Madrid nos anos 50, por um lado, e na repressão maciça na Catalunha, por outro, que se estendeu inclusivamente à proibição do uso do catalão em termos institucionais e se estendeu ao Barcelona: durante o franquismo o clube foi obrigado a entrar num processo de «castelhanização», a mudar de nome, para Club de Fútbol Barcelona, e de símbolo, reduzindo as listas amarelas e vermelhas e a associação à Senyera, a bandeira da Catalunha. Os jogos do Barcelona eram dos poucos espaços onde as pessoas podiam juntar-se e de alguma forma expressar-se, e o clube tornou-se no grande símbolo da identidade catalã. O lema «Mais que um clube» vem desses tempos.

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O «escândalo de Chamartin»

A guerra civil, entre 1936 e 1942, afetou logo no início o Real Madrid. Com a cidade de Madrid cercada pelas tropas de Franco, o clube – que também mudou de nome neste período republicano, perdendo o Real e recuperando-o com a chegada de Franco ao poder - procurou alternativas e surgiu mesmo a ideia de jogar no Campeonato da Catalunha, que continuava a disputar-se. Mas não houve acordo para que isso acontecesse e, ainda que muitos o atribuam à recusa do Barcelona, ainda hoje não é totalmente claro o que se passou.

O grande episódio desportivo que alimenta e consolida a rivalidade política entre os dois clubes aconteceu depois da guerra, em 1943. Jogava-se a meia final da Taça, então Copa do Generalísimo desde a chegada de Franco ao poder, e o Barcelona ganhou a primeira mão em casa por 3-0. Mas começaram a sair notícias na imprensa madrilena a acusar o público catalão de ter passado o jogo a insultar o adversário, que levaram a uma multa ao Barcelona e a um ambiente muito hostil na segunda mão. Há relatos de que houve representantes do regime no balneário do Barça, a intimidar a equipa dizendo que não podiam garantir-lhes condições de segurança. E o Real Madrid venceu por 11-1, o resultado mais desnivelado de sempre num clássico.

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Di Stéfano, uma louca história no centro da rivalidade

O «Escândalo de Chamartin» acentuou de vez o antagonismo, mas o que fez de facto a diferença em campo aconteceu uma década depois. Alfredo Di Stéfano. O craque nascido argentino foi protagonista da transferência mais disputada da história. Em 1952, quando participou em Espanha com os colombianos do Millonarios num torneio organizado pelo Real Madrid, já estava debaixo de olho do Barcelona, que o negociou com o River Plate, dono do seu passe. Mas o Real intrometeu-se no negócio e Santiago Bernabéu, presidente merengue, negociou-o com o Millonarios.

Depois de muitos avanços e recuos, a Federação espanhola decidiu… dividir Di Stéfano. Jogaria duas épocas no Real, outras duas no Barça. Mas o acordo foi mal visto na Catalunha, levou à demissão do presidente do Barcelona e o clube acabou por abdicar da sua parte no acordo, cedendo a sua parte dos direitos de Di Stéfano ao Real Madrid.

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O resto é história do futebol. Com Di Stéfano, o Real assumiu de vez a supremacia que vinha construindo, alinhou cinco vitórias consecutivas na Taça dos Campeões Europeus entre 1955 e 1960, foi oito vezes campeão de Espanha em dez anos e ganhou estatuto global. O Barcelona, apesar de algumas conquistas na década de 50, iniciou uma travessia no deserto que só o fim da ditadura e a chegada de um tal Johan Cruyff começariam a inverter.

Figo, aquele regresso a Camp Nou

Barcelona e Real Madrid cresceram, em ciclos alternados, dois gigantes com uma relação que alternou momentos mais tranquilos e outros mais tensos. Os velhos ódios voltariam a vir à tona já na viragem do século, em novo momento marcante com origem numa transferência, a de Luís Figo. Não foi única, anos antes Michael Laudrup também tinha trocado o Barcelona pelo Real Madrid e Luis Enrique fizera o caminho inverso. Mas a saída de Figo, naquela que foi na altura uma transferência recorde, foi um duro golpe para os adeptos do Barça e voltou a acicatar a inimizade. Para a história ficou a receção hostil do Camp Nou a Figo, a 23 de novembro de 2002. Aos gritos de «Pesetero» nas bancadas juntou-se o arremesso de todo o tipo de objetos quando o português se preparou para bater um canto. Incluindo uma cabeça de leitão.

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A rivalidade continuou a alimentar-se a cada jogo e ganhou novo fôlego com a chegada de Cristiano Ronaldo a Madrid em 2009. Os Barcelona-Real Madrid passaram também a ser os duelos entre dois jogadores únicos, Lionel Messi e Cristiano Ronaldo.

O Clásico já era uma marca global, mas ganhou ainda maior dimensão, enquanto ambos os clubes e a Liga espanhola aproveitam para o utilizar como navio-almirante no projeto de expansão do futebol espanhol para novos mercados: há dois anos, por exemplo, jogou-se à hora de almoço, de olho no mercado asiático. São também os responsáveis espanhóis quem diz que este é o evento desportivo único mais visto em todo o mundo, embora haja pouca informação fidedigna a sustentar dados globais de audiência. Mas a grandeza dos dois gigantes, os dois clubes do mundo mais seguidos nas redes sociais, não é questionável.

Em campo, o Barcelona foi ganhando ascendente nos duelos diretos nos últimos anos: venceu 11 dos 19 confrontos para a Liga na última década, contra apenas quatro vitórias do Real Madrid, que não ganha no Camp Nou para o campeonato desde 2016.

Mas esta é uma supremacia que se discute jogo a jogo, agora mais literalmente do que nunca. Eles estão totalmente empatados em termos de confronto direto histórico: são 72 vitórias para cada um no campeonato, contra 34 empates. E estão iguais na frente do campeonato nesta temporada. Terão pela frente, na essência, um grande jogo. E ambos os treinadores fizeram questão de dizer na antevisão da partida que esse é o seu único foco. Ainda que mais uma vez sejam apanhados no meio da História.

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