Pedro Seabra: o mental coach de Florentino, Trincão e Chiquinho
Chegou a jogar na Liga pelo Leixões, passou pelos divisões inferiores até terminar a carreira com 23 anos nos distritais. Viveu uma depressão e interessou-se pelo desenvolvimento mental dos futebolistas. «Os jogadores de futebol vivem com medo».
Em dez anos, Pedro Seabra deixou o futebol, completou o curso de engenharia e tornou-se mental coach. Aos 32 anos, o mental coach criou a Sports Mind Academy, composta por psicólogos, hipnoterapeutas, coaches desportivos e professores de yoga e meditação, e trabalha com craques como Trincão, Florentino e Chiquinho. Uma história de quem foi do céu ao inferno e conseguiu dar a volta para ajudar e evitar que outros passem pelo mesmo.
«Joguei federado dos seis aos 18 anos. Tive alguns desafios a nível de lesões e deixei de jogar durante um ano. Acabei por voltar e fiz algo que talvez seja difícil de explicar: em cinco anos joguei em cinco divisões diferentes. Joguei na terceira divisão pela Padroense, sai para o Leixões que estava na I Liga. Desci para a II Liga, no ano seguinte fui emprestado ao Padroense e joguei na segunda divisão B. Ainda passei pelas distritais», começa por contar ao Maisfutebol. As lesões não deram tréguas e o ex-médio acabou por sacrificar a maior paixão: o futebol.
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«Tive várias pubalgias. Eram consequência de um desequilíbrio de nascença que tinha na anca e que se refletiu mais tarde. Impediu-me de jogar futebol ao mais alto nível. É engraçado porque psicologicamente fui ao meu limite e admiti que não tinha mais condições físicas para jogar. Passei por vários processos depois de ter deixado o futebol, inclusive por uma depressão», lembra. «Passei de não jogar futebol de todo a jogar em frente a 50 mil pessoas na Luz, Dragão ou Avalade. Foi tudo muito rápido. Apercebi-me dos problemas dos jogadores. O jogador de futebol vive com medo e a maioria das pessoas não tem noção disso. Tem medo de errar, da crítica, de não ser capaz e da pressão enorme que lhe é colocada em cima. Por vezes, também não sabe gerir bem a carreira a nível financeiro. Mete-se em coisas quando está bem e depois joga sob pressão para conseguir continuar a pagar tudo. É um ciclo de medo», acrescenta.
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Embora tenha completado o curso de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores na FEUP, na Universidade do Porto, a experiência vivida após encerrar a carreira ajudou Pedro Seabra a debruçar-se sobre a mente e a perceber melhor quem agora procura a sua ajuda. «Assim que deixei de jogar, voltei à faculdade. Faltava-me parte do quarto e o quinto ano. Terminei o curso, exerci durante dois anos, mas sempre soube que o meu caminho não era por ali. A experiência que vivi abriu-me portas para conhecer a mente humana e o desenvolvimento pessoal. Tinha a possibilidade de ajudar muitos atletas a passarem pelo que passei, mas de forma mais tranquila. Comecei a apostar nesta área. De forma não profissional comecei há oito anos. O processo envolveu muita formação na área de coaching, de coaching avançado, de inteligência emocional, entre outros. Há quatro anos que faço isto a tempo inteiro», explica. Afinal, o que é o mental coaching? «O coaching é a base do desenvolvimento pessoal. Tentamos entender o que está a acontecer o atleta e para onde ele quer ir. É o processo base para começarmos a trabalhar. Acham que coaching é para trabalhar a parte mental, mas divido em quatro áreas: física, mental, emocional e espiritual. Está tudo muito ligado. Um pensamento repetido no tempo vai gerar uma determinada emoção. Essa emoção repetida ao longo do tempo vai gerar um determinado estado físico. O trabalho feito com os atletas é muito amplo», esclarece. Pedro Seabra alerta-nos para um trabalho exaustivo. «Para termos noção do trabalho de coaching, chegamos a analisar os amigos dos atletas. Qual deve ser o seu grupo de influência? Ele precisa de conhecer esta pessoa e abandonar aquela? Existem milhões de variáveis que nos ajudam ou prejudicam. Resumidamente: perceber onde está o atleta e para onde quer ir. O que o impede de seguir esse caminho? Por que razão não está a conseguir? A partir daí entramos em vários níveis. Trabalhamos a identidade do atleta, quem é que ele é e o que precisa de ser para chegar onde quer. Este é um nível profundo, por exemplo», frisa. O coaching aborda outros pontos dos atletas como os valores pelos quais estes se guiam. «Quais os valores que têm de estar satisfeitos durante esse processo? É muito importante. Mais à frente, analisamos o contexto onde eles estão inseridos. Há jogadores que ao fim de dez anos parecem ainda não ter entendido o contexto onde estão inseridos. O presidente gere o clube como uma empresa e o treinador é escolhido para dar sustentabilidade a essa empresa. Perceber o contexto, por mais básico que pareça, e quais são as regras, é muito importante. Imagine um jogador com valor de justiça. Se ele se sentir injustiçado várias vezes em dois ou três anos, há um conflito físico, emocional, hormonal que pode destruir-lhe a carreira caso não tenha apoio», relata. «Conheço o contexto, sei quais são os valores e vou para o nível intermédio que é o fazer. Escolho os melhores planos estratégicos e comportamentais, que mudam consoante o contexto. Começa a haver uma estrutura que antes não existia. O jogador começa a focar-se no que controla e ganha um poder pessoal que não havia. Trata-se tudo sobre dar ao jogador poder pessoal para encontrar dentro dele as melhores soluções para o que quer», diz, concluindo o raciocínio.
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Fora do jogo é uma rubrica do Maisfutebol que dá voz a agentes desportivos sem participação direta no jogo. Relatos de quem vive por dentro o dia a dia dos clubes e faz o trabalho invisível longe do espaço mediático. Críticas e sugestões para smpires@mediacapital.pt ou vem.externo@medcap.pt.
Artigo original: 25/02; 23h49