Índios saem da floresta e fazem história no futebol brasileiro
Primeiro ponto para o surpreendente Gavião Kyikatejê FC
O Gavião Kyikatejê Futebol Clube conquistou o seu primeiro ponto no escalão principal do futebol paraense. A equipa de origem indígena escreve mais uma página histórica, regressando alegremente à sua aldeia situada no meio da floresta.
A 20 de agosto de 1986, o governo brasileiro homologou a demarcação da Terra Indígena Mãe Maria, localizada junto a Bom Jesus do Tocantins (Estado do Pará).
PUB
Ao quilómetro 34 da Estrada Nacional BR-222, a única que atravessa aquela enorme mancha verde, encontra-se a aldeia da tribo Kyikatejê-gavião. São cerca de trezentas pessoas com sangue índio, mantendo várias tradições como a pintura dos corpos e a corrida de toras.
Aru entrou em campo com o corpo pintado e um cocar na cabeça. Antes do embate com o Paysandu, o público de Belém ficou a conhecer as tradições indígenas. Houve tempo para o hino nacional cantado na língua Jê.
PUB
Hoje em dia, o Gavião Kyikatejê deixou de ser um clube formado apenas por índios. Restam cinco representantes. Para chegar onde chegou, teve de abrir espaço para jogadores ‘brancos’. Os reforços moram na aldeia e cumprem um plano de preparação original.
«Os jogadores ‘brancos’ ficam na aldeia com os restantes. Temos um bom campo de treinos mas os jogos em casa são disputados em Marabá, que fica relativamente perto. Quanto à preparação, o presidente Zeca Gavião fez questão que continuasse a incluir as corridas de toras. Em termos físicos, o Gavião tem um nível impressionante», explica Pedro Corrêa, o diretor de futebol.
As corridas de toras são estafetas que consistem no transporte em ombros de troncos de buriti.
PUB
Após o primeiro jogo, os responsáveis do Gavião Kyikatejê FC receberam inúmeros pedidos de entrevistas. Um verdadeiro fenómeno de popularidade. «Curiosamente, vocês são os primeiros que ligam de Portugal. A divulgação tem sido ótima, há muito interesse em conhecer mais sobre o clube e o povo. Infelizmente, isso ainda não se traduziu em patrocínios, em interesse de empresas para ajudar a suportar as despesas.»
«Este é um projeto que ultrapassa a questão desportiva. Tem essa vertente mas também um âmbito social. Queremos divulgar a imagem da comunidade, apresentar um pouco mais da cultura indígena», esclarece o diretor de futebol.
«Vai jogar a tua flecha, vai andar no mato»
Um dos objetivos passa pela consciencialização. Pedro Corrêa garante que a equipa não tem sentido discriminação dos ‘brancos’. «Até agora, devo dizer que não sentimos qualquer tipo de preconceito. Aliás, no primeiro jogo, os adeptos do Paysandu aplaudiram os adeptos do Gavião.»
PUB
Porém, o avançado Aru Sompre admitiu num documentário que a realidade dentro de campo é ligeiramente diferente. «Já sofri vários tipos de preconceitos. Tenho adversários que me dizem ‘vai jogar a tua flecha, vai andar no mato, isto aqui não é para ti’»
Aru respondeu no último fim-de-semana. Marcou frente ao Paysandu e festejou com exuberância junto dos seus. Foi um momento de afirmação do povo indígena. «Dediquei o golo a essa nação que sofre e que veio apoiar a equipa», explicou no final.
Após uma derrota (2-1) na jornada inaugural, o Gavião Kyikatejê conquistou o seu primeiro ponto. Na noite de quarta-feira, perante o seu público, empatou a um golo frente ao São Francisco de Santarém. A equipa visitante anulou a desvantagem no período de compensação, com um remate feliz do meio-campo.
PUB