A lenda que precede Senna desapareceu há 46 anos
Piloto escocês faleceu em Hockenheim: Hamilton só agora lhe bate recordes
«Estava em Espanha a fazer uma inspeção de segurança para a associação de pilotos. Estava a caminhar pela pista, sozinho. Surgiu um espanhol e disse que houve um grande acidente em Hockenheim. Eu não fui a essa corrida porque o Ken Tyrell não quis. Se calhar, para ele, não havia dinheiro suficiente envolvido. O tipo contou-me que o Jim Clark estava envolvido no acidente. Disse-lhe para ele ir saber mais. Vinte minutos depois, voltou. Tudo o que me disse foi: "Clark morreu." Meti-me no carro e fui para o aeroporto. Parei pelo caminho. A Helen ainda estava em casa. Telefonei-lhe, mas nenhum de nós conseguiu falar.»
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A 7 de abril de 1968 a Fórmula 1 perdeu uma lenda. Sir Jackie Stewart um amigo. Mais até, o melhor amigo. Jim Clark morreu há 46 anos. Deixou um legado tão impressionante que só nesta temporada [no GP da Malásia] um britânico conseguiu, por fim, igualar-lhe o recorde de pole positions. Lewis Hamilton chegou às 33 do escocês, mas a lenda de Clark só é comparável com a de outro piloto na história: Ayrton Senna da Silva.
Jackie Stewart, o único britânico com três títulos de campeão do mundo, acrescenta estas, àquelas primeiras palavras : «Ele era tão suave a conduzir, sem erros, dirigia com grande requinte. Nunca castigou um carro de corrida, era como se o acariciasse, para o carro fazer as coisas que ele queria.»
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Jim Clark foi um dos mais de cem pilotos de corrida que morreram entre 1958 e 1968. Mas a morte do quinto filho [único homem] de uma família agricultores escoceses não foi apenas mais uma. «Se lhe aconteceu a ele, que hipóteses tem o resto de nós? Isto atingiu-nos a todos. Foi como perder o nosso líder», disse Chris Amon, piloto neozelandês, na altura. A aptidão de Clark era vista como «um dom natural». Mecânicos, pilotos, imprensa eram unânimes. A 4 de março de 1936, em Fife, um homem nasceu com um objetivo: conduzir depressa.
#Onthisday In 1936, Jim Clark was born. #F1pic.twitter.com/wX26RxERjk
— Red Bull Motorsports (@redbullmotors) March 4, 2014
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No ano seguinte, Jim Clark esteve envolvido num dos piores acidentes de sempre da Fórmula 1, Na segunda volta do Grande Prémio de Monza, Itália: «Estávamos a cem metros do início da curva, Wolfgang von Trips estava do lado de dentro, eu seguia-o de perto, mais por fora. A dada altura, ele mudou de lado e as minhas rodas da frente bateram nas rodas traseiras dele. Foi o momento fatal.» O carro do alemão entrou num voo. Von Trips foi catapultado para fora do veículo, que atingiu os espectadores e matou 15.
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Dois anos depois, o homem começava a tornar-se lenda. Em 1963, Jim Clark e o seu Lotus bateram recordes. Em dez Grandes Prémios, Clark venceu sete! Um recorde que perdurou até 1988, batido então por…Ayrton Senna: oito vitórias em 16 corridas.
No primeiro Grande Prémio de 1963, no Mónaco, o escocês não tinha pontuado, mas no segundo…
…No dia da corrida, chovia e a pista estava molhada. Jim Clark partia da oitava posição. Passou todos os que lhe estavam à frente e, à medida que a chuva caía, começou a dar voltas de avanço à concorrência. No final, a exceção foi o segundo classificado, o australiano Bruce McLaren, num Cooper, a quase cinco minutos do Lotus 25 do escocês.
Em 1965, Jackie Stewart chegou à F1. «Terminei três corridas em segundo nesse ano, atrás do Jim Clark. Éramos assim como o Batman e o Robin. Embora toda a gente soubesse quem era o Batman.» Aquele foi o grande ano de Clark. Não só conseguiu o segundo título mundial como se tornou no primeiro estrangeiro desde 1916 a ir aos Estados Unidos vencer as famosas 500 milhas de Indianápolis.
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A vitória no circuito de Indiana valeu-lhe o maior prémio monetário do desporto automóvel da altura. E ainda um carro de mil libras de valor, abastecimento de carne para um ano inteiro, duas televisões…e uma caixa de ferramentas. Para além disso, os States acabaram por torná-lo numa celebridade mundial. O homem tímido que tinha crescido numa quinta na Escócia continuava a sê-lo. Mas agora tinha o mundo a olhar para ele.Happy Birthday Jimmy!! Jim Clark would have been 78 today. pic.twitter.com/mplpZkef81
— Dario Franchitti (@dariofranchitti) March 4, 2014
E sobretudo as senhoras…
«Vou revelar outra coisa em que o Jimmy era bom: miúdas. Cada uma das miúdas que ele teve pensava que era a tal. Ele tinha um grande lote. Era mágico. Eu chegava ao apartamento e o Jim dizia: “Oi, esta é a Susie.” Eu chegava na noite seguinte e já era a Cynthia.» - Jackie Stewart a contar os tempos em que dividiu casa com o compatriota.
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Ora, se a vitória em Indianápolis lhe deu estatuto de celebridade, o Grande Prémio de Monza em 1967 tornou-o lendário. Onde anos antes tinha morrido Von Trips, Jim Clark fez uma corrida memorável.
Ganhou a pole position e liderava quando furou um pneu, na 12ª volta. O Lotus entrou na box. 15 pilotos [começaram 18] deram-lhe uma volta de avanço. Nas 48 seguintes, Clark começou a ultrapassá-los. Um por um, até chegar ao primeiro lugar. Perto da meta, porém, ficou sem combustível. Acabou em terceiro. Enquanto John Surtees celebrava a última vitória na Fórmula 1, Jim Clark era engolido por uma multidão em êxtase com o que tinha visto.
Seguiram-se vitórias nos EUA e México, antes de a temporada de 1967 fechar.
A 1 de janeiro de 1968, no Grande Prémio da África do Sul, Jim Clark alcançou a 25ª vitória da carreira na Fórmula 1. Algo que ninguém conseguira até então. Ao fim de oito anos, o escocês tinha não só o recorde de triunfos, de pole positions como também de oito incríveis e ainda por atingir Grand Slams: ou seja, fazer pole, vitória, volta mais rápida e liderança em todas as voltas do mesmo Grande Prémio (neste último, fê-lo por 13 vezes e é segundo de sempre atrás de Senna, com 19).Jim Clark in his Lotus 49 on his way to victory at the final round of the 1967 season, the Mexican GP. Photo: Sutton pic.twitter.com/VqbYE3QyoT
— Racing History Pics (@classicracepics) December 29, 2013
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Depois, a 7 de abril de 1968, aconteceu o que só um comissário de pista alemão viu. Numa corrida de Fórmula 2 [habitual na época], Clark saiu numa curva, o carro voou e chocou contra uma das árvores da floresta de Hockenheim, onde ainda hoje se realizam tributos ao escocês.
O próprio Ayrton Senna, em 1991, visitou o Jim Clark Room, um pequeno museu em Duns, Escócia, para lhe prestar homenagem. As mortes de Clark e Senna estão separadas por 26 anos, mas as lendas de ambos estão muito para além dos recordes, como aquele que Hamilton bateu agora, em 2014.