Quando García Márquez foi ao estádio para ver Di Stéfano
Escritor morreu aos 87 anos e deixou uma obra ímpar. Antes de ser escritor foi jornalista e um dia decidiu ir ver a bola
O génio literário de García Márquez abandonou a vida terrena esta quinta-feira. O escritor colombiano morreu aos 87 anos, deixando órfãos todos aqueles que admiravam a sua criação escrita. Jornalista de coração, foi na rua que procurou as primeiras inspirações e nunca perdeu essa intuição, vertidas para livros a partir de 1955.
Um pouco antes, em 1950, quando escrevia no jornal da sua terra (o «Heraldo»), Gabo descobriu as maravilhas do futebol e arriscou ir ver a bola num domingo à tarde. O Estádio Municipal de Barranquilla estava cheio para ver o escaldante Junior conta os Millonarios de Alfredo Di Stéfano, quando o avançado ainda não tinha viajado para Espanha, onde viria a representar o Barcelona e o Real Madrid.
PUB
A crónica «O juramento» terá sido a única vez que García Márquez escreveu sobre futebol e usou a sua mestria para fazer jogos com as palavras e mostrar que o jogo é belo e pode ser inesquecível. Trata-se de uma pequena reflexão sobre o dia em que aceitou converter-se em adepto, enredando o leitor no seu estilo de escrita narrativa.
Foi neste dia que percebeu os comportamentos de pessoas tão serenas fora das bancadas e que lá dentro, de cachecol ao pescoço, perdem qualquer sentido de ridículo e transformam-se em seres irrazoáveis, fanáticos e muitas vezes inconvenientes, «como se aquelas cores transformassem a personalidade».
Efabula sobre a possibilidade de os jogadores do «Júnior» não serem futebolistas, mas escritores, como poderiam transformar a arte que têm nos pés em literatura excecional, adicionando vantagens em estilos particulares. Deixa um precioso apontamento, explicando que só ia escrever sobre a equipa da casa, porque já se sabia que do outro lado estava «o grande Di Stéfano», todo ele uma retórica.
PUB
Exultante com a experiência, o colombiano agradece a oportunidade de conhecer esta realidade e deixa um aviso a todos os que preferem menorizar o futebol: «Não creio ter perdido nada com este irrevogável ingresso que hoje faço, publicamente, na santa irmandade dos adeptos».
Obrigado, Gabo.
«El Juramento», por Gabriel Garcia Márquez
PUB
Es que con ese solo gesto, quedan automáticamente convertidos en otras personas, como si la gorrita no fuera sino el uniforme de una nueva personalidad. No sé si mi matrícula de hincha esté todavía demasiado fresca para permitirme ciertas observaciones personales acerca del partido de ayer, pero como ya hemos quedado de acuerdo en que una de las condiciones esenciales del hinchaje es la pérdida absoluta y aceptada del sentido del ridículo, voy a decir lo que vi –o lo que creí ver ayer tarde– para darme el lujo de empezar bien temprano a meter esas patas deportivas que bien guardadas me tenía. En primer término, me pareció que el Junior dominó a Millonarios desde el primer momento. Si la línea blanca que divide la cancha en dos mitades significa algo, mi afirmación anterior es cierta, puesto que muy pocas veces pudo estar la bola, en el primer tiempo, dentro de la mitad correspondiente a la portería del Junior. (¿Qué tal va mi debut como comentarista de fútbol?).
PUB
Y esto por no entrar con los Millonarios, cuyo gran Di Stéfano, si de algo sabe, es de retórica.
No creo haber perdido nada con este irrevocable ingreso que hoy hago –públicamente– a la santa hermandad de los hinchas. Lo único que deseo, ahora, es convertir a alguien. Y creo que va a ser a mi distinguido amigo, el doctor Adalberto Reyes, a quien voy a convidar a las graderías del Municipal en el primer partido de la segunda vuelta, con el propósito de que no siga siendo –desde el punto de vista deportivo– la oveja descarriada.
Junio de 1950