O formal e o irreverente, o perfecionista e o brincalhão
O Maisfutebol compara Paulo Fonseca e Leonardo Jardim pela análise de dois jogadores que foram treinados por ambos. Sabia que o sportinguista chegava a dar notas aos jogadores?
Paulo Fonseca e Leonardo Jardim aproximam-se no conteúdo, mas são muito diferentes na forma: em todas as formas, aliás. No fundo querem o mesmo, de maneiras diferentes.
Mas por partes.
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Os treinadores vão defrontar-se pela primeira vez em jogos oficiais: o histórico dá conta apenas de um jogo de pré-época quando Jardim orientava o Sp.Braga e Fonseca o Desp. Aves.
Venceu o primeiro, é verdade, por 2-0, mas num amigável que contava pouco.
Dois anos depois encaram-se pela primeira vez num jogo a doer, e que de maneira: um clássico que vale a liderança do campeonato. O Maisfutebol foi por isso compará-los. Perceber o que os separa e o que os aproxima. Fê-lo junto de fontes insuspeitas: dois jogadores orientados por ambos.
«O que destaco mais no Leonardo Jardim é ser um treinador muito metódico, muito organizado», começa por dizer Ericson. «O Paulo Fonseca é mais irreverente, tem um espírito mais dinâmico.»
«O Leonardo Jardim está sempre a dizer que o sucesso depende da seriedade no trabalho diário. Preparava muito bem os treinos, trabalhava bem diariamente, sempre forte, sempre exigente, e era muito bom na análise aos adversários: sabíamos tudo sobre a equipa que íamos defrontar», conta.
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«O Fonseca era um jovem ambicioso, mais descontraído, mais amigo. Passava essa ambição aos jogadores através de um discurso forte e que nos fazia sentir que ele estava muito próximo de nós.»
Os outros jogadores que trabalharam com os dois treinadores são o central Romaric, do Aves, e o extremo Dally, do Tondela: ambos estiveram com Jardim no Chaves e Fonseca no Aves.
Ora Romaric, precisamente, assina por baixo o que Ericson referiu.
«Leonardo Jardim é muito tática, tática, tática. É muito exigente, todos os dias temos de treinar ao máximo: transições rápidas defensivas, transições rápidas ofensivas, posicionamentos e muitas bolas paradas: fartávamo-nos de ensaiar bolas paradas», diz.
Romaric conta até uma curiosidade engraçada relativamente a Leonardo Jardim.
«No final dos jogos ele dizia tudo aos jogadores. Um a um, ia para cima de todos. E dava nota, de zero a dez, a cada um. Dizia tu fizeste isto mal, isto mal, isto mal, isto bem, isto bem, tens nota x.»
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E as notas serviam para alguma coisa? «Serviam de referência. No jogo a seguir cada um tinha de fazer melhor. O Jardim é muito exigente, quer sempre mais, sempre melhor. É um perfecionista. Ele é muito direto, muito honesto e isso é bom. Os jogadores gostam dele.»
Ericson concluiu que Paulo Fonseca «envolvia-se mais com os jogadores», enquanto Leonardo Jardim «tinha uma postura mais cordial, mais profissional».
Mas nunca tira a máscara de seriedade?, pergunta-se.
Romaric ri-se. «Às vezes tira», começa. «Lembro-me quando fomos campeões no Desp. Chaves, estávamos a festejar e um jogador resolveu brincar com ele. Disse-lhe que tinha a cabeça grande. Ele sorriu e respondeu que era para guardar tanta inteligência.»
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Ericson lembra-se de outro episódio vivido com Jardim. «Estreei-me num jogo da Taça de Portugal, pelo Chaves, em que fui expulso. Era o meu primeiro jogo em Portugal», conta o cabo-verdiano.
«No fim ele vem falar comigo. Fartou-se de me dar nas orelhas e acabou a dizer: agora vou tirar-te parte do salário. Eu não acreditei. Está a brincar, mister?» Ouviu um redondo não. « Comigo os vermelhos custam dinheiro. Nem queria acreditar, em Cabo Verde não havia nada disso.»
A própria filosofia de jogo, dizem os dois, era diferente. «O Paulo Fonseca era mais atrevido. Tinha um futebol mais ofensivo, mais aguerrido, gostava de dominar os jogos e atacar. O Jardim era mais calculista, preferia um futebol cauteloso e queria ter sempre tudo controlado.»
Paulo Fonseca e Leonardo Jardim têm de resto muito a separá-los, já se viu, mas também muito a uni-los: começaram nas divisões inferiores (III e II, respetivamente) e treparam um degrau de cada vez. Ambos passaram pela II Divisão, Liga de Honra e um clube pequeno, antes de chegarem a um grande.
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Ericson e Romaric descobrem mais semelhanças. Por exemplo o conceito de grupo.
«Para ambos não há nada mais importante do que o grupo. Privilegiam o grupo sobre todas as coisas, não aceitam interferências externas e não deixam ninguém colocar em causa a qualidade do grupo de trabalho. Aquilo tem de ser uma família e são muito disciplinadores nesse aspeto.»
Ericson fala ainda de outra semelhança óbvia.
«A ambição», diz. «É curioso mas ambos diziam no balneário que um dia iriam chegar à Liga.»
No domingo há o primeiro confronto oficial entre eles: só pode valer muito a pena.