João Lucas (1979-2015): o sorriso viverá no «E Depois do Adeus?»
José Viterbo, Wender e Rémulo Marques são testemunhos emocionados do caráter de uma vida curta. «Merecia viver mil anos». Preparava carreira na música e uma biografia
«A morte é um nojo. Morrer é uma autêntica vergonha» Miguel Esteves Cardoso
O rapaz que «merecia viver até aos mil anos» desapareceu sem avisar ninguém. E deixou um rasto de revolta, angústia e impotência em todos os que o conheceram.
Lucas, João Lucas, tocou os corações de muitos. Em casa, no futebol, na vida. O Maisfutebol presta-lhe uma homenagem simples, no dia em que partiu. Ficam as memórias, tantas e tão boas, e o sorriso contagiante, lembrado por aqueles que falaram connosco.
José Viterbo conheceu-o em 1995, nos juniores da Académica. É ele que nos diz, em lágrimas, que a forma de estar de Lucas justificava a vida eterna.
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Wender, desesperado, lembra-nos que esteve no último jogo da carreira profissional do malogrado médio. A 19 de dezembro de 2007, o Sp. Braga venceu o Estrela Vermelha por 2-0 e o brasileiro fez um dos golos. «Dizia-me a brincar que lhe estraguei a despedida».
Na temporada 2013/14, Wender e Lucas foram colegas de equipa no Pasteleira. O diretor desportivo do histórico clube da cidade do Porto é Rémulo Marques, um dos melhores amigos de João Lucas e autor de uma biografia que estava a ser preparada há dois anos. Em segredo.
«Falou comigo e avançámos. Ele queria narrar tudo o que lhe aconteceu em 2008. Chegou ao apogeu e teve de parar devido aos problemas cardíacos. Tenho as gravações das nossas conversas, só nós e a família é que sabíamos», conta Rémulo Marques.
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Amigo muito chegado, Rémulo sublinha a «a boa disposição constante» de Lucas, abalada apenas por episódios muito concretos.
«Sempre que via um futebolista a falecer por problemas cardíacos ele ficava arrasado. Viu o Feher, o Puerta, o Foé a morrer e ele conseguiu identificar o problema dele a tempo. E agora aconteceu-lhe isto…»
«Sentiu-se mal duas vezes e parou completamente de jogar»
Nos últimos tempos, nada no comportamento de Lucas indiciava o agravar da doença. Fazia uma vida normal, apenas limitada nos esforços físicos. De qualquer forma, Rémulo recorda que a paixão falou maior do que o juízo na altura em que aceitou ajudar o Pasteleira.
«Jogou em algumas partidas, mas sentiu-se mal duas vezes e parou. Ele jogava com um aparelho que monitorizava o batimento cardíaco e geria o esforço. Sei que também chegou a jogar nos veteranos do Boavista. Custava-lhe muito estar de fora».
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Wender ficou chocado ao tomar conhecimento do falecimento de Lucas.
«Fomos adversários, vivemos grandes duelos, ele a lateral e eu a extremo. Curiosamente acabámos por ser colegas no Pasteleira. Era um rapaz alegre, estivemos juntos há uma semana no Estádio Axa. Ele estava ótimo, agendámos um jantar e tudo».
Soluçante, Wender despede-se da forma possível. «Viveu 35 anos de forma intensa. Tinha um mundo colorido, cheio de alegria. Vai deixar muita saudade».
Nos últimos tempos, Lucas dedicava o tempo ao Sindicato de Jogadores, à família, à cadela Lua - «a melhor amiga dele, inseparáveis» - e à música. Outra surpresa para quem não o conhecia tão bem.
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Lucas tinha planos, muitos planos. O livro, a música, a beneficência. Tinha urgência em ser feliz e, aparentemente, saúde suficiente para isso.
«Falámos ontem e confirmou-me a presença em dois jogos de solidariedade, a 6 e 20 de junho. Estava impecável, muito positivo. Ninguém pensava num final destes, tão brutal».
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José Viterbo, atual técnico principal da Briosa, recorda «o miúdo hiperativo», «incapaz de estar sossegado no treino», «sempre sério e competitivo».
«Fez um trajeto ótimo na Académica, tornou-se capitão com naturalidade. Ainda foi emprestado ao Anadia e ao Sp. Pombal, mas toda a gente no clube o adorava. Voltou e tornou-se indiscutível. Ainda me lembro de brincar com ele e dizer-lhe: ‘és a menina dos olhos do João Alves’ (risos)».
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Viterbo já tem «muitas saudades» de Lucas. E desabafa durante longos minutos.
« Isto é uma estupidez. Há três semanas estivemos juntos num jogo de juniores. Brincámos com o peso excessivo de ambos, abraçámo-nos e prometemos estar mais vezes juntos. Era um homem de sorriso fácil, simples, tudo o que conseguiu no futebol foi à custa dele. Era um trabalhador nato, por prazer».
José Viterbo é amigo da família de Lucas, conhece bem os pais e as irmãs. Ainda não teve capacidade para falar com nenhum deles.
«Perdi a vontade de treinar e trabalhar nos próximos dias. Isto mexeu comigo. O Luquinhas merecia viver até aos mil anos. Isto é uma estupidez».
O funeral de João Lucas realiza-se quarta-feira, às 18 horas, no Mosteiro de Alcobaça. Obrigado pelo sorriso, Lucas.
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Nascido a 25 de outubro de 1979, nas Caldas da Rainha.
1989-1995: Ginásio de Alcobaça 1995-2004: Académica de Coimbra (emprestado 1998/1999 ao Sporting Pombal) (emprestado 1999/2000 ao Anadia) 2004-2007: Boavista 2007/2008: Estrela Vermelha (Sérvia) 2013/2014: Pasteleira