Portugal é o que nos une entre aquilo que nos separa
Entre Linhas - Opinião de Vítor Hugo Alvarenga
«Antes de mais, estamos lá. As pessoas às vezes esquecem-se disso. Eu ainda me lembro de, em 1994, ir para a Foz festejar a vitória dos brasileiros porque era o que restava, não havia Portugal no Mundial.»
Pedro Oliveira, jogador do Créteil-Lusitanos, fez-me recuar no tempo. Recordar o Mundial de 1994, há vinte anos, sem a Seleção Nacional.
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Terá sido o Campeonato do Mundo mais entusiasmante – naquela que é a essência do Mundial, a palete de cores e de personagens – e Portugal não estava lá.
Como, de resto, não esteve no Europeu de 88, no Mundial de 90 e no Europeu de 92.
A Seleção regressaria aos grandes palcos uma década após a última presença. Imagina tal cenário hoje em dia?
É a memória mais intensa que tenho como adepto, um Portugal-República da Irlanda na noite em que São Pedro mandou abrir a torneira por cima do Estádio da Luz.
Curiosamente, a Irlanda disputara esse Mundial de 94 – chegou aos oitavos-de-final - e nada tinha a ver com este adversário que apresentou o derradeiro teste para as cores nacionais em solo norte-americano.
15 de novembro de 1995, 21 horas. Choveu até dizer chega. E depois choveu mais um pouco.
Portugal precisava de um empate para selar o apuramento. Era a fase adulta da Geração de Ouro e o 3-0 final não conta a história de um duelo intenso numa Luz cheia como um ovo.
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Tinha 14 anos e entrei num autocarro ali pela Praça da Batalha, no Porto, rumo à capital. Não esqueço o hino nacional, a união tremenda de um povo que enviara anónimos representantes para aquele palco.
A festa começou com uma hora de jogo, primeiro nos pés de Rui Costa e do seu chapéu de chuva – desculpem a insistência, mas sinto o corpo encharcado desde 1995 -, depois na violenta testa de Hélder Cristóvão, por fim na rotação instintiva de Jorge Cadete.
Dez mil irlandeses, naquele estilo incomparável, aplaudiam os seus e os nossos a partir do terceiro anel do Estádio da Luz. Um deles avançou de forma voluntária para a troca de cachecóis. Ficou com um dos Ultras Portugal para recordar a derrota, eu com a doce memória do apuramento para o Campeonato da Europa de 1996.
Fomos ao Euro96, falhámos o Mundial98 mas não passou de um acidente de percurso. 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010, 2012 e 2014. Oito presenças consecutivas. Um registo invejado por várias seleções com estatuto.
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Pedro Oliveira tem razão. Devemos recordar o tempo em que não estávamos lá. Essa ausência, acima de tudo, implicava uma série de oportunidades perdidas para ser tocado o hino nacional.
Na última madrugada, mudei de canal a tempo de ouvir A Portuguesa no Estádio MetLife, em Nova Jérsia. Aquelas trinta mil vozes de fundo, a enaltecerem o orgulho nacional, inquietam qualquer um.
A seleção representa isso: o que nos une entre aquilo que nos separa. Os portugueses discutem clubes, credos e ideologias. Formas de estar e comportamentos. Opções de vida, rumos, gestos. Mas ouvem o hino em uníssono e convergência. No nosso país, nos Estados Unidos ou no Brasil, porque as fronteiras são mera formalidade para um povo como o nosso.
Um jogo de Portugal não começa com o primeiro toque na bola. O grande momento surge minutos antes, com os «heróis do mar, nobre povo, nação valente e imortal».
Depois, são onze rapazes e o futebol. Podiam ser outros rapazes e outro futebol, mas essa é outra história. A história de quem contesta legitimamente opções do selecionador – sou um deles – ou de quem garante não gostar da seleção nacional – não percebo, sinceramente.
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Provavelmente, a seleção não vai ganhar o Mundial. Terá as mesmas hipóteses que Pedro Álvares Cabral em 1500.
De qualquer forma, aquilo que nos une não se limita a resultados ou conquistas. É a essência, o ser português. Somos trinta mil emigrantes em Nova Jérsia a cantar o hino nacional e a festejar os golos de um tipo com bigode – ah, que imagem deliciosa – sentindo naqueles momentos que podemos conquistar o Mundo.
Continuaremos a ser pequenos e partiremos em inferioridade numérica, como é o nosso fado. Seremos 10 milhões de portugueses contra 308 milhões de norte-americanos, 81 milhões de alemães e 25 milhões de ganeses.
Este levantamento não pretende ser mais que isso: uma curiosidade. Se a quantidade fosse argumento, estaríamos no 26º lugar entre os finalistas do Mundial. Mas esqueçam os números: o nosso hino irá levantar bancadas no Brasil.
Estados Unidos: 308 milhões de habitantes; Brasil: 201; Nigéria: 174; Rússia: 142; Japão: 127; México: 118; Alemanha: 81; Irão: 75; França: 65; Itália: 60; Inglaterra: 53; Coreia do Sul: 48; Colômbia: 46; Espanha: 46; Argentina: 41; Argélia: 32; Gana: 25; Austrália: 23; Costa do Marfim: 20; Chile: 18; Camarões: 18; Holanda: 18; Equador: 15; Grécia: 11; Bélgica: 11; Portugal: 10 milhões; Honduras: 8; Suíça: 8; Costa Rica: 4,5; Croácia: 4,2; Bósnia: 3,8; Uruguai: 3,5.
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