Bósnia: continuar a sonhar, apesar das limitações
A estreia no Mundial já é uma proeza, mas o país sonha com algo mais
A 'World Cup Experts Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos do planeta para lhe apresentar a melhor informação sobre as 32 seleções que vão disputar o Campeonato do Mundo. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:
Autor dos textos: Sasa IbruljParceiro oficial na Bósnia: Sport.ba Revisão: Berta Rodrigues
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A Bósnia-Herzegovina surpreendeu o mundo do futebol com a sua abordagem ofensiva na qualificação. Safet Susic compôs a equipa com jogadores criativos e deu-lhes muita liberdade para tomar decisões. Isto resultou numa seleção bósnia a mostrar-se forte frente a equipas mais fracas, ou mesmo frente à extremamente defensiva Grécia, impondo o seu próprio estilo e dominando a maioria dos jogos.
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E que jogador pode ser uma desilusão?Tem de ser Edin Dzeko. É simples, se as coisas correrem mal, é sempre ao melhor jogador que se aponta o dedo primeiro. Dzeko foi quem levou a equipa às costas na qualificação, com 10 golos a que somou três assistências. Tornou-se o melhor marcador desde a independência e é o grande herói da Bósnia-Herzegovina. Mas o caminho de herói a vilão é mais curto nos Balcãs do que em qualquer outro lado. O facto é que a Bósnia depende de Dzeko e dos seus golos, e se ele falhar nisso as críticas serão inevitáveis. No entanto, chega ao Brasil com uma medalha de campeão da Premier League ao pescoço e em boa forma. Quando assim é, tem demonstrado ser imparável.
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Qual é a expectativa realista para a seleção no Mundial?
Realismo não é palavra usada com frequência na Bósnia. Se assim fosse, se fossemos realistas, teríamos de admitir que com uma equipa tão limitada nas escolhas o facto de termos chegado ao Mundial já era uma grande proeza. Mas todo o país ainda está agitado com as vibrações positivas das exibições da equipa na qualificação e a maioria vê este grupo como ultrapassável. Isso significa, e mesmo Susic e a Federação definiram esse objetivo – que a Bósnia espera passar o grupo. O primeiro jogo é o mais difícil do ponto de vista psicológico, mas um bom resultado frente à Argentina, clara favorita do grupo, a Argentina, pode ser um enorme incentivo, na mesma medida em que uma derrota pesada pode causar problemas. Como em relação a todas as outras equipas dos Balcãs, muito vai depender do ambiente geral e da forma como os bósnios se prepararem para o seu primeiro Mundial.
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Curiosidades e segredos da seleção
Asmir BegovicAtualmente considerado um dos guarda-redes de topo da Premier League, Asmir Begovic deu os primeiros passos na carreira sob orientação do pai, Amir. Como aconteceu com um terço da população, a família de Begovic deixou o país em 1992 para fugir à guerra, e passou anos no exílio na Alemanha e no Canadá. O pai, antigo guarda-redes do Leotar Trebinje na II Divisão da Jugoslávia, nunca deixou de trabalhar com o filho, tendo sido o seu treinador pessoal até Asmir se mudar para Inglaterra. Begovic salienta muitas vezes que o pai foi um excelente professor. Asmir é também grande adepto de outros desportos, incluindo hóquei no gelo, basquetebol e basebol. A sua mulher, Nicole, que é cavaleira, conseguiu recentemente a nacionalidade bósnia e espera representar o país nos Jogos Olímpicos de 2016.
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Izet HajrovicEm novembro de 2012, quando a Bósnia já tinha começado a campanha para o Brasil, o médio do Galatasaray, então com 20 anos, estava na Tunísia, a estrear-se pela Suíça. Enquanto Ottmar Hitzfeld o elogiava, na terra natal dos seus pais tornava-se impopular. Mas, quando Hitzfeld o deixou fora da equipa para os jogos de qualificação, Hajrovic mudou de repente de ideias. Menos de um ano depois estava a vestir a camisola bósnia. No entanto, a sua chamada foi polémica. Edin Dzeko, que o tinha criticado quando escolheu a Suíça, não escondeu a irritação, tendo sido seguido por um par de outros jogadores experientes. Mas, quando Hajrovic marcou um soberbo golo na Eslováquia para dar a volta ao resultado no jogo mais importante da qualificação, todas as querelas acabaram e foram esquecidas.
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Edin DzekoO avançado do Manchester City é o melhor marcador da história da Bósnia e a sua grande estrela, mas o início da sua carreira foi completamente diferente. Apesar de ter assinado contrato profissional com o seu clube, o Zeljeznicar Sarajevo, e de se ter estreado na primeira equipa aos 17 anos com estatuto de promessa, era gozado pelos seus próprios adeptos, que lhe chamavam «Kloc» - o termo local de calão para um poste de luz. Viu-se forçado a mudar, primeiro para o campeonato checo e depois para a Alemanha, onde evoluiu sob a orientação de Felix Magath, no Wolfsburgo. Tinha reputação de ser muito mulherengo, mas agora está numa relação com a modelo Amra Silajdzic, o que é o assunto favorito dos tablóides bósnios.
Tino-Sven SusićO médio de 22 anos, que joga agora no Hadjuk Split, na Croácia, teve a sua estreia internacional em março e o facto de o seu nome ter aparecido nos convocados para o Mundial abriu um ninho de vespas. Tino-Sven é sobrinho de Safet Susic e a sua chamada levantou desde logo questões sobre nepotismo na equipa. O selecionador não ajudou, recusando explicar as razões da convocação de um jogador que não joga regularmente num clube da medíocre liga croata e cuja posição está coberta por nomes como Miralem Pjanic e Zvjezdan Misimovic.
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Elvir Baljic (treinador-adjunto, antigo internacional)Em 1999 o braço-direito de Safet Susic foi notícia depois de John Toshack ter decidido pagar 20 milhões de libras (24,6 milhões de euros) ao Fenerbahçe pela sua transferência para o Real Madrid. Uma série de lesões impediram-no de se afirmar no Bernabéu. Cino anos mais tarde, quando ainda jogava na Turquia, gravou o seu primeiro álbum de música folk. Sempre disse que o fazia por amor à música, recusando-se a gravar videoclips e a promover o álbum. No entanto, ainda há umas semanas lançou um novo single...
Perfil de uma figura da seleção: Miralem Pjanic
Faruk Hadzibegic baixou os olhos e caminhou para o centro do relvado do estádio Artemio Franchi em Florença. Era junho de 1990 e segundos antes o guarda-redes da Argentina, Sergio Goycochea, tinha defendido o seu penálti. A Argentina de Diego Maradona negava assim à Jugoslávia um lugar nas meias-finais do Mundial. A equipa liderada pelo treinador bósnio Ivica Osim e pelo veterano criativo Safet Susic, outro bósnio, jogava o último jogo na história do país que estava prestes a desfazer-se na terrível guerra que começou um ano mais tarde. Dois meses mais tarde, do outro lado do Adriático, na pequena cidade de Zvornik, uma mulher jovem entrou na sede de um clube local chamado Drina, o nome do belo rio que divide a Bósnia da Sérvia. O marido dela, Fahrudin Pjanic, estava no Luxemburgo onde tinha conseguido um acordo para jogar futebol e ter um emprego, mas o pequeno clube do terceiro escalão tinha-lhe recusado o pedido de transferência.
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Fatima continuou a ir ao clube, tentar falar com o presidente para deixar o seu marido sair e ter hipótese de uma vida melhor. Desta vez levava ao colo o seu filho bebé e, depois de ele ter voltado a recusar-se a libertar Fahrudin, ela começou a chorar. O filho, Miralem, fez o mesmo.
«Como qualquer outro bebé, ele sentiu que algo estava errado se a mãe estava a chorar», disse Fatima numa entrevista ao semanário bósnio Slobodna Bosna. «Ele estava aos gritos e o presidente teve pena de nós, assinou os papéis e deixou Fahrudin partir. Se não fosse o Miralem, provavelmente ele nunca teria deixado o país.»
24 anos mais tarde Miralem Pjanic, o médio da Roma e estrela internacional, vai entrar no relvado do icónico Maracanã, no Rio de Janeiro, e defrontar a Argentina de Lionel Messi. Ele faz parte de uma equipa única no mundo, uma equipa que construiu o seu sucesso a partir das cinzas de um país dividido e destruído.
«É a melhor sensação do mundo», disse Pjanic em lágrimas na televisão nacional depois da vitória sobre a Lituânia, em outubro passado, que garantiu à Bósnia a primeira presença de sempre num grande torneio: «É para isto que jogamos. É para isto que vivemos.»
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Miralem deu os primeiros passos no Luxemburgo, para onde a família se mudou em 1990. Meses depois a Jugoslávia foi devastada por uma guerra brutal e a cidade de Zvornik viu milhares de muçulmanos bósnios serem mortos ou forçados a abandonar as suas casas. Fahrudin sabia que ele e a família tinham escapado a destino semelhante graças ao seu filho e fez tudo para o criar. Chegou a trabalhar 12 horas por dia, mas ainda conseguia treinar e jogar futebol. Miralem acompanhava-o, porque não podiam pagar uma babysitter.
Pjanic Jr ainda era uma criança quando rumou à academia do Metz, em França, famosa por produzir talentos como Robert Pires, Louis Saha ou Emmanuel Adebayor. Aos 12 anos Miralem era o melhor jogador da sua idade e a família começou a receber contactos de clubes de toda a Europa. A primeira proposta oficial chegou do PSV Eindhoven, mas a família de Pjanic queria que ele ficasse mais perto de casa. Resistiram a outras propostas e Miralem fez a sua estreia profissional pelo Metz, aos 17 anos, a 18 de agosto de 2007, saindo do banco num empate sem golos frente ao PSG. Era óbvio que o Metz seria apenas uma rampa de lançamento para Pjanic. No verão de 2008 Pjanic concordou em mudar-se, mas apenas para percorrer a curta distância até Lyon. Era uma mudança lógica na alura – o Lyon era o clube dominante em França e presença regular na Liga dos Campeões, e Pjanic queria afirmar-se na Ligue 1.
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Depois da primeira época de adaptação, Pjanic afirmou-se como titular e viu-se em cheque. Ainda adolescente, naturalmente tímido, era inconsistente e foi criticado pela sua constituição física fraca. Teve várias lesões e parecia faltar-lhe ritmo e energia. Mas o seu talento era impossível de ignorar: estava a transformador-se num jogador que apetecia ver, com grande visão e técnica perfeita.
Não era regateado apenas por clubes. Era elegível para jogar pelo Luxemburgo, que representou nas camadas jovens, e a França também se interessou rapidamente em tratar do seu passaporte, tentando convencê-lo a jogar pelos Bleus. Mas Pjanic disse desde sempre que o único país que queria representar, o país onde nasceu. Embora tenha tido dificuldades durante anos para conseguir cidadania bósnia, Miralem e Fahrudin não quiseram desistir.
Em 2008 estreou-se pela Bósnia pela mão do então selecionador Miroslav Blazevic e tornou-se rapidamente querido pelos adeptos. No entanto, Blazevic estava entre os que tinham dúvidas: não gostava do seu ar franzino e dizia que não podia fazer dupla com Misimovic. Pjanic só conseguiu ter um papel central na qualificação para o Mundial 2014.
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A nível de clubes Pjanic marcou pelo Lyon o golo que eliminou o Real Madrid da Liga dos Campeões, no Bernabéu, e chegou às meias-finais da prova, antes de se mudar para a Roma em 2011 e se afirmar como um dos melhores médios da Serie A.
Tornou-se uma figura instrumental da caminhada bósnia para o Brasil e espera-se que seja um dos jogadores mais importantes dos Dragões neste verão. Um jogador que joga com elegância, com gozo e transmite alegria a quem o vê. Está suficientemente maduro para levar o seu país ao sucesso, sob orientação de Safet Susic, e continuar onde ficou no verão de 1990 o futebol bósnio, como parte da antiga Jugoslávia.
«Sonhei com isto – quando era criança viajei com a minha família e amigos para o Luxemburgo para ver um jogo crucial contra a Dinamarca para o Euro 2004. Desde esse dia sonhei representar o meu país num grande torneio e agora aqui estamos. E tudo é possível», diz.
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