O adversário do Benfica que aos 13 anos já era uma estrela e até fazia anúncios para a McDonalds
Scott Parker foi uma grande promessa do futebol inglês, chegou a ser orientado por Mourinho no Chelsea e é desde o início do ano treinador do Club Brugge. Venha daí conhecer a história deste inglês que não dispensa cinco conversas por semana com um psicólogo, incluindo na véspera e uma hora antes de cada jogo, e que contratou uma empresa externa para traçar o perfil mental de todos os jogadores.
1993.
Nelson Mandela recebia o Nobel da Paz, o Tratado de Maastricht lançava as bases da União Europeia e Portugal acabava atingido por um verão quente que desviou Paulo Sousa e Pacheco do Benfica para o Sporting.
PUB
O mundo vivia por isso dias agitados quando Inglaterra foi abalada por um fenómeno mediático.
Era uma altura em que as memórias duravam mais tempo, antes dos canais por subscrição e da Lei Bosman. O país preparava-se para o Mundial 94, o que era sempre um acontecimento. Foi neste contexto de entusiasmo que um miúdo de 13 anos se tornou protagonista de um anúncio para a McDonalds, a lançar precisamente o Mundial dos Estados Unidos e que teve um sucesso tremedo.
Esse miúdo chamava-se Scott Parker e é agora treinador do Club Brugge.
«De repente fiquei conhecido como o garoto da McDonalds. Onde quer que eu fosse, era o garoto da McDonalds. Por isso, e olhando para trás, acho que aquele anúncio me trouxe coisas boas e coisas horríveis», considera Scott Parker.
«Por um lado, foi horrível porque eu tinha 13 anos e estudava numa escola só para rapazes no leste de Londres. No anúncio era um rapaz chamado Jimmy. Como podem imaginar, era gozado todos os dias e isso tornou-se normal. Por outro lado, foi uma experiência brilhante e que fez parte do meu crescimento.»
PUB
PUB
O que é certo é que a popularidade do adolescente tornou-se tão grande que vários clubes quiseram contratá-lo. Na altura foi até notícia que um grande clube de Londres lhe oferecia cerca de cem mil euros para que ele assinasse contrato de formação.
Ao mesmo tempo os empresários começaram a andar atrás de Scott Parker. O que levou até a Sky Sports a fazer um programa de debate sobre a legitimidade do assédio dos agentes a jogadores menores de idade.
«Houve uma vez num jogo de seleções distritais, quando ele estava a jogar por South London, que um empresário me perseguiu até à casa de banho para falar comigo. Depois apresentou-se e entregou-me o cartão dele. O que foi um grande alívio, porque eu pensei que ele ia roubar-me», contou o pai nesse programa.
«Às vezes já conheço os rostos e penso: oh, lá estão eles. Isso mexe um pouco comigo. Mas a maior parte das vezes não sei quantos lá estão», adiantou o miúdo.
Nessa altura, Scott Parker era já uma promessa do futebol inglês, o que o levou a terminar os estudos na Lilleshall School of Excellence: o centro de estágio da federação inglesa, que fechou entretanto e se transformou num espaço de casamentos.
PUB
Durante quase duas décadas, Lilleshall foi o berço de onde saíram craques como Michael Owen, Sol Campbell, Jamie Carragher, Joe Cole, Jermain Defoe, Nick Barmby, Gareth Barry ou Michael Ball. Foi lá também que terminou a formação Scott Parker, ao mesmo tempo que jogava nas camadas jovens do Charlton.
Com 16 anos estreou-se na primeira equipa, que disputava a II Liga Inglesa, e dois meses depois assinou contrato profissional. Foi só aos 19 anos, no entanto, e após um empréstimo ao Norwich, que se afirmou como titular da equipa. O que levou o Chelsea a pagar 12 milhões de euros por ele, em janeiro de 2004.
Seis meses depois chegou a Stamford Bridge José Mourinho e terminaram os dias de glória do médio no clube. Só foi uma vez titular, antes de partir duas vezes o pé e acabar por ser vendido no final da temporada ao Newcastle.
PUB
«Por uma ou outra razão, o treinador não gostava de mim», considerou.
Depois disso construiu uma carreira de sucesso no Newcastle, no West Ham, no Tottenham, no Fulham e na Seleção Inglesa, afirmando-se em todos eles como titular e tornando-se capitão também de quase todos (menos o West Ham).
Curiosamente foi no West Ham que ganhou projeção um discurso que teve ao intervalo para os colegas, quando a equipa perdia 3-0 com o West Bromwich, antes de uma segunda parte fabulosa que acabou por valer o empate (3-3).
«Se estivessem no balneário a ouvir aquela palestra ficariam com os olhos em lágrimas», disse no final da partida Carlton Cole aos jornalistas.
Ora por isso, não surpreendeu que após o final da carreira, em 2017, Scott Parker se tenha tornado treinador. Começou nos juniores do Tottenham, passou por adjunto de Ranieri e finalmente tornou-se técnico principal do Fulham em 2019.
Afinal de contas tinha uma personalidade de líder e uma vida cheia de aventuras, que o levara a experimentar altos e baixos, promessas e desilusões, sucessos e insucessos. Ele que aos 13 anos já era um fenómeno mediático.
PUB
Neste caminho, garante, foi essencial o psicólogo desportivo Mike Griffiths. Começou a trabalhar com ele em 2007, quando estava no West Ham, e nunca mais parou. Nem agora, que é treinador.
«É alguém com quem falo cinco vezes por semana. Alguém com quem falo na noite antes de um jogo e com quem volto a falar uma hora antes do início do jogo. É alguém que me ajuda e que é uma espécie de caixa de ressonância para mim», disse.
«Desde que trabalho com ele tornei-me uma pessoa diferente, mudei a mentalidade e a forma como vejo as coisas. Ele tem sido uma parte enorme do meu sucesso. Como era quando eu ainda jogava.»
Os aspetos psicológicos, de resto, são uma parte fundamental do trabalho de Scott Parker. Tanto assim, aliás, que no Fulham e no Bournemouth contratou uma empresa para traçar o perfil mental de todos os jogadores.
PUB
«Percebi no final da minha carreira que o balneário tinha mudado drasticamente. Eu sou muito preto ou branco. Se joguei mal, quero que alguém mo diga, e eu reagirei a isso. Posso atirar-me a essa pessoa e envolver-me num confronto, mas quando sair do balneário e entrar no carro estará tudo resolvido. Hoje, no entanto, há personalidades e culturas muito diferentes. O jogo mudou e a maneira como abordas um jogador tem de ser diferente. Um jogador pode querer que eu lhe diga tudo na cara e outro pode não querer ser exposto à frente do balneário. Como defines o ambiente para uma conversa séria? É no campo de treino sentado em cima da bola? É no escritório do treinador? Tens de conhecer os jogadores para que eles se abram contigo e consigas chegar a eles», explicou ao The Athletic.
«Por isso quando comecei decidi traçar o perfil de todos e contratei uma empresa externa para categorizar cada um. Passaram tempo com os jogadores, falaram com eles, fizeram perguntas e depois deram-me um documento sobre cada atleta, como deve ser abordado, que tipo de características tem a sua personalidade.»
PUB
É este Scott Parker que esta quarta-feira vai viver um dia especial: frente ao Benfica, na Bélgica, vai fazer a estreia nas competições europeias.
Ele que já conta com duas subidas de divisão, no Fulham e no Bournemouth, mas acabou sempre por ser despedido. Confirmando o que se foi descobrindo desde que apareceu num anúncio aos 13 anos: é um fenómeno cheio de promessas.
Boa parte delas ainda por cumprir.