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PSG  |  

Como uma TV comprou um clube e se planeou a maior rivalidade do país

Estrelas mundiais, corrupção, violência entre adeptos e jogadores à pancada: o PSG-OM

Escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias. Às quinta-feiras, de 15 em 15 dias, o Maisfutebol traz-lhe a História de Um Jogo. Desta vez, a rivalidade PSG-Marselha: o Le Classique joga-se domingo de novo.

Um clube com mais de 120 anos e outro que nem metade tem protagonizam domingo a maior rivalidade do L'Hexagone. Uma rivalidade cheia de golos e estrelas mundiais, mas também repleta de corrupção e violência. Um duelo por vezes demasiado quente, demasiado tenso, mas que, bem vistas as coisas, foi também demasiadamente planeado.

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O Le Classique, o PSG-Marselha de domingo, nasceu de uma contenda acérrima em 1988/89, mas foi o que se seguiu que mudou para sempre o figurino do futebol francês de clubes. Talvez o tenha salvado também, numa jogada de marketing que, ao fim e ao cabo, nos traz também aqui: ao texto escrito e lido nesta página e que, lá para o fim, até vai meter uma troca de mimos de André Villas-Boas.

«Corrupto!», disse ele

O OM é significativamente mais velho que o PSG. Fundado em 1899, viu nascer o futuro rival apenas em 1970. Por essa altura, o Olympique já era um dos principais clubes franceses. Aliás, mal o PSG nasceu, o OM foi bicampeão. Em 1970/71 e 1971/72 o Marselha terminaria com a hegemonia do St. Étiènne, a força dominadora da altura e que vinha de um tetra.

Os primeiros anos de convivência entre o Paris e o OM foram relativamente pacíficos. Claro, haveria sempre fatores regionais ao barulho. Afinal, como em tantos outros casos, falamos da capital e da segunda maior cidade de França. Depois, a história começou a mudar em 1986.

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Esse ano traz duas notas importantes: o PSG consegue o primeiro título de campeão, mas mais relevante para os dias de hoje, Bernard Tapie comprou o Marselha.

O histórico dirigente do OM comprou, de seguida, uma constelação de estrelas. Por outras palavras e numa clara provocação, o OM do final da década de 1980 era o PSG atual.

À cidade do sul chegaram dos melhores jogadores do mundo: Klaus Allofs, Enzo Francescoli, Jean Pierre-Papin, Carlos Mozer, Jean Tigana, Chris Waddle, Abedi Pele, Didier Deschamps, Basile Boli, Rudi Völler, Eric Cantona, Marcel Desailly.

O onze inicial do Marselha na final frente ao Milan: EM CIMA (da esquerda para a direita): Fabien Barthez, Frank Sauzée, Marcel Desailly, Rudi Voeller, Basile Boli; EM BAIXO: Jocelyn Angloma, Abedi Pelé, Didier Deschamps, Alan Boksic, Jean-Jacques Eydelie e Eric Di Meco

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No plano futebolístico, parecia impossível não ganhar com estes craques todos. E foi isso mesmo que o OM fez: cinco campeonatos seguidos entre 1988/89 e 1992/93, o que era inédito até então.

O PSG? No meio da disputa de 1988/89, levantou o dedo, levantou a voz e acusou Tapie. «Corrupto!», disse aquele que foi presidente do Paris até 1991, Francis Borelli, alegando que o Marselha tinha combinado resultados de jogos.

No meio das acusações, o OM sofre a mão de Vata, perde nos penáltis com o Estrela Vermelha a final da Taça dos Campeões Europeus e, finalmente, vence-a, com um golo de Boli ao Milan e esfrega na cara do PSG: “A jamais les premiers”. Para sempre os primeiros.

Canal + compra o PSG e começa «o plano»

Aqueles cinco campeonatos seguidos do Olympique Marseille passaram a quatro. A federação francesa [FFF] retira o título de 1992/93 ao clube, provado que ficou que o Valenciennes-Marselha, a seis dias da final da Champions com o Milan, foi combinado: a pedido de Tapie, Jean-Jacques Eydelie contactou os antigos colegas Christoph Robert e Jorge Burruchaga e pagou-lhes para que perdessem.

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A polícia esteve no balneário do Marselha logo no final do encontro, mas só em setembro a FFF retira o campeonato. O PSG seria novo campeão e iria à Liga dos Campeões. Mas recusa as duas ideias.

Porquê? Porque havia um plano maior.

Como bem explica Daniel Riolo no livro “PSG/OM, OM/PSG, Histoire de une Rivalité”, houve uma estratégia clara quando o PSG, metido numa crise financeira séria, passa para as mãos de um canal de TV:

«Após reflexão, parece claro para os dirigentes do Canal Plus que o PSG não pode desaparecer. E por um bom motivo. A população da região de Paris excede dez milhões de pessoas. Paris e seus subúrbios representam um terço dos assinantes do canal, e 60% deles foram atraídos principalmente pelo futebol. Para Michel Denisot, foi “não desvalorizar o produto Campeonato, salvar um elemento de goodwill". Charles Biétry sublinha ainda que nenhum campeonato francês, seja qual for a modalidade, pode funcionar sem uma equipa parisiense: "Ainda há 1/6 da população francesa que vive nesta região. Sou bretão, e o jogo do ano em casa, é contra o Paris. É um prazer nas províncias encontrar e, se possível, vencer uma equipa parisiense." Em última análise, é o argumento económico que tomará a decisão. O Canal Plus paga – caro, ainda que estejamos muito longe das quantias astronómicas dos anos 2000 – os direitos televisivos do Campeonato; o produto deve ser bom.»

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Obviamente, o vencedor ser sempre o mesmo não é bom para o produto. Há que assegurar concorrência ao Marselha, porque, como dizia Tapie, «estar sozinho no topo é chato».

A compra do PSG pelo grupo de media tem objetivos claros. Lembra Riolo: «Aumentar o número de subscritores do Canal+ na região de Paris, tornar rentável o produto Campeonato Francês», ao criar uma verdadeira competição entre o OM e…o PSG.

O presidente do Marselha, Bernard Tapie, e o diretor de desporto do Canal Plus, Charles Bietry, em 1992

É no início da década de 1990 então, que o Paris começa a investir na equipa de futebol, como o OM fizera até então. É nessa altura que chega o português Artur Jorge para o banco, Ricardo Gomes, Valdo e Raí para o relvado, para além do inevitável George Weah, contratado ao Mónaco, e alguns dos mais proeminentes jogadores gauleses: Le Guen, Ginola, Djorkaeff entre outros. Em 1992/93, o título é discutido taco a taco.

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«Foi marketing, claro, mas bom senso também»

Então, se o plano era dar qualidade futebolística a um clube de Paris para que pudesse disputar a Ligue 1 com o OM, por que razão o PSG não assumiu a conquista do campeonato de 1992/93 e consequente entrada na Champions?

Como se disse antes, Marselha é a segunda maior cidade de França e tem a terceira área metropolitana do país, atrás de Paris e Lyon. É um mercado demasiado grande e com relevância para quem, como o Canal Plus, olha para subscrições e clientes. Com medo das repercussões que pudessem haver na região de Provence, o PSG declina ser nomeado campeão de França e a entrada na Champions.

O Mónaco, terceiro classificado, assume a vaga na Liga dos Campeões e o título de 1992/93 não é atribuído. O Marselha é despromovido à segunda divisão. Sem o OM no caminho, o PSG entra numa era de conquistas, ganha um segundo campeonato e vence a Taça das Taças de 1995/96. A rivalidade construía-se também por aí: OM e PSG continuam a ser, até hoje, os únicos clubes franceses com conquistas europeias.

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Apesar de todos os escândalos, os adeptos do Marselha idolatram Bernard Tapie. "Para sempre o nosso Boss", lia-se em tarjas aquando do funeral do antigo líder. Aqui, o caixão com a Taça dos Campeões Europeus conquistada em 1993

Bernard Tapie morreu em 2021 e por entre as muitas frases controversas a atos polémicos, sempre afirmou que foi ele quem instigou o Canal Plus a entrar no PSG, como, disse, fizera antes com Jean Michel Aulas no Lyon, de modo a revitalizar o Championnat.

Charles Biétry foi isto tudo na vida: diretor de desporto do Canal Plus (1984-1998), diretor do PSG em 1998 e, veja bem, diretor-geral da Bein Sports, o grupo de media do Qatar, cujo proprietário é…o dono atual do PSG.

Biétry diz que a afirmação de Tapie é «puro delírio megalomaníaco», mas admite a estratégia do Canal Plus. «Foi marketing, claro, mas também bom senso», disse a Riolo, autor que completa a ideia:

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«Com uma segunda equipa de nível internacional na Ligue 1, o grupo Canal Plus tem quase a certeza de recuperar o investimento [no PSG]. Finalmente, e talvez este seja o elemento mais importante, o canal entra na vida do futebol francês. O canal poderá encontrar um lugar dentro dos órgãos de decisão.»

É precisamente isso que sucede já em 1999, quando a rivalidade PSG-OM já vai alta. Com a capacidade de influenciar por dentro, o Canal Plus ganha os direitos da Ligue 1 até 2004, ainda que o concorrente TPS tivesse feito uma proposta financeiramente melhor.

Payet goza com o rival e Neymar e Gonzalez nem se podem ver

Enquanto isso, os fatores sociológicos e regionais fizeram a sua parte, tal como previram os ideólogos do Canal +. O PSG ainda passou por nova crise, que levou a nova venda do clube.

O Canal+ deixou de ser proprietário e, no final de todo um processo de recapitalização dos parisienses, o Marselha foi campeão em 2009/10 e terminou o longo jejum, desde o infame campeonato de 1992/93.

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Lucho Gonzalez foi uma das figuras do OM em 2009/10

A entrada do Qatar Sports Investment no PSG fez do clube um dos mais ricos do mundo e, obviamente, alterou a relação de forças na Ligue 1 e no Le Classique. Mas isso não significa que a rivalidade tenha esmorecido. Pelo contrário.

Mais uma vez, é previsível que os adeptos marselheses não possam viajar para Paris. A soma de episódios de violência ao longo dos anos leva as autoridades a proibir a deslocação dos visitantes a Parc ou ao Vélodrome e as renovadas ambições do PSG na Champions são, também, lume para uma fogueira demasiado ardente.

Quando o Bayern Munique bateu o PSG no estádio da Luz, na final da Liga dos Campeões, Dimitri Payet recorreu às redes sociais para gozar com o rival e lembrar quem é o único campeão europeu francês.

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No primeiro reencontro entre as equipas após a final perdida pelo PSG, o Le Classique terminou numa batalha em campo, com agressões dos dois lados e cinco expulsões. No final, o português André Villas-Boas, técnico do OM, também esteve envolvido em troca de mimos com Thomas Tuchel, o treinador contrário. Mas para a história da rivalidade ficou mesmo a troca de acusações e outras coisas que tais entre Neymar, figura parisiense, e Álvaro Gonzalez, central dos marselheses.

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Uma picardia com vários episódios, que chegou a prolongar-se madrugada adentro e, imagina-se, pode ter novas cenas no domingo, porque entre PSG e Olympique Marseille há uma rivalidade grande, mesmo que ela tenha sido “fabricada” num gabinete qualquer.

As cenas de pancadaria em setembro de 2020

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