Os 10 e os deuses (nº 13): Rivaldo
O dez desengonçado. Puro, e alternativo.
O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez.
As faltas? Vão todas para o arrastar da perna esquerda de Rivaldo, no intervalos dos vóleis e das bicicletas, dos tiros na passada. Falso-lento que faz da velocidade uma das armas, antes do remate cirúrgico, sem hipótese alguma de que o travem. Em cada que procura o ângulo, em curva ou explosão, naquele jeito desengonçado que atravessa de lés a lés toda a sua vida.
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Santa Cruz, Mogi Mirim, Corinthians e Palmeiras. Deportivo, Barcelona e Milan. Cruzeiro, Olympiakos, AEK Atenas. Bunyodkor, São Paulo, Kabuscorp e São Caetano. Mogi Mirim outra vez, dividido entre seu-Rivaldo-presidente e Rivaldo-craque. Carreira de saltimbanco, espalhada por quatro continentes, construída em cima de um pé esquerdo do melhor que já se viu. Talento incrível, Dez clássico.
Terceiro filho de Romildo e Marlúcia Salomão Borba, operadora de caixa de supermercado. Uma união que não resiste à pobreza e à erosão do tempo. O pai mantém-se ligado aos dois miúdos que jogam à bola, antes de se tornar vítima de atropelamento mortal no centro movimentado do Recife.
A bola pára-lhe no peito como se não tivesse peso. O remate sai-lhe disparado com uma violência parva, capaz de furar as redes. Alterna arte com potência. Gosta de fazer chapéus aos guarda-redes, de acrobacias que poucos acreditavam que fosse um dia capaz de fazer. Já não é mais o moleque fraco, raquítico, sem força, cansado, desdentado e tímido, marcado pela pobreza quase extrema, que não conseguia convencer. Primeiro, no Campo do Eucalipto. Depois, no clube do coração, o Santa Cruz.
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Totalmente diferente do irmão Rinaldo, o craque da família, que teve a candidatura a profissional terminada por uma lesão grave no joelho, mas que sempre mostrou tudo o que lhe faltava: confiança, força e personalidade vincada.
A decisão é dura, mas inevitável. As exibições mostram um jovem sem estrutura física para vingar no Recife. É trocado, com Leto e Válber, pelo lateral Malhado, o avançado Pessanha e o central Paulo Silva, com quem vai jogar para o Mogim Mirim, onde há uma cultura de aposta na formação. Forma-se o Carrossel Caipira, no versátil 3x5x2 de Osvaldo Vadão Alvarez, inspirado no mecânico futebol total holandês.
«Foi a pior negociação da história do Santa Cruz.» (João Caxeiro, antigo diretor patrimonial do Santa Cruz)
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«Tínhamos um diamante bruto, mas não sabíamos. Se soubéssemos que Rivaldo era o craque que é, não teríamos feito uma imbecilidade como aquela!» (Jorge Chacrinha, antigo dirigente do clube).
«Hoje teria direito a um atestado de burrice, mas são coisas que acontecem na vida do jogador.» (Roberto Madeira, o «Betinho», que já o tinha dispensado dos juniores)
O Carrossel Caipira garante o sétimo lugar no Campeonato Paulista, com algumas vitórias sobre os históricos pelo meio.
Em 1993, um golo do meio-campo ajuda-o a despertar o interesse do Palmeiras, e é emprestado ao Corinthians. Válber, Leto e Admílson seguem para o Timão. Onze golos no Campeonato Brasileiro, em 1993, colocam-no entre os melhores da competição, mas más exibições no Estadual fazem com que o Corinthians desista da contratação em definitivo. Aproveita o Palmeiras, fortalecido financeiramente com o dinheiro da Parmalat. Mais 14 golos e é artífice do campeonato conquistado, precisamente frente à ex-equipa.
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Na Galiza, o Deportivo monta uma nova grande equipa, e chamam-no para substituir Bebeto. 21 golos seus ajudam o Depor a chegar ao terceiro lugar no campeonato e a transferi-lo, no final da temporada, para o Barcelona, onde há uma vaga com a saída de Ronaldo Fenômeno. Duas vezes campeão, vencedor da Taça do Rei e da Supertaça Europeia, é no Camp Nou que vive os melhores momentos. Com golos e jogadas espectaculares, acaba com todas as dúvidas: é ele o melhor do mundo.
Aquele dia 17 de junho de 2001, última jornada do campeonato, prova-o. Frank de Boer levanta a bola, Rivaldo está na entrada da área. Último minuto de jogo. O salto para matar a bola no peito, levantando-a para o pontapé de bicicleta fatal, que trai Canizares e completa um hat-trick fantástico – incluiu ainda um livre direto e um remate fortíssimo de fora da área – e um lugar na Liga dos Campeões. Ao Valencia bastava um empate, mas cai mesmo fora dos apurados. 3-2.
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Bronze nos Jogos Olímpicos 1994, depois de ter errado um passe que dá o golo decisivo à Nigéria nas meias-finais. Réu, está um ano longe do Escrete, mas volta para a Taça das Condeferações de 1997. Está na final perdida do Mundial no ano seguinte, e ganha a Copa América de 1999, sendo eleito o melhor da competição. Em 2002, a consagração como campeão do mundo como uma grandes figuras da equipa de Scolari.
Ao Barça chega Van Gaal e ele despede-se da Catalunha. Assina por três épocas pelo Milan, e junta uma Taça de Itália e uma Liga de Campeões ao rico palmarés rossoneri. Mas a vida não lhe corre particularmente bem. Está a maior tempo no banco, na sombra do português Rui Costa e, depois, na do compatriota Kaká.
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Volta ao Brasil em 2004, para o Cruzeiro, mas joga apenas 11 jogos, marcando dois golos, sendo solidário com o treinador despedido: Vanderlei Luxemburgo. Vai para a Grécia e para o Olympiakos, onde conquista três campenatos e duas taças, e prova que a qualidade ainda permanece intacta. Apesar dos golos é esquecido na seleção brasileira.
Salários em atraso levam-no para o rival AEK, que perde o título na secretaria e por um caso de doping para o… Olympiakos. O Bunyodkor abre-lhe as portas no Uzbequistão, e ele arrecada mais troféus e muito dinheiro.
Em 2010, o Mogi Mirim. Depois, o São Paulo. Agora, Angola e o Kabuscorp, com casa assaltada, lesões e o banco de suplentes. O São Caetano, em 2013, aos 40 anos. Os problemas no joelho e a descida à Série C. O regresso, para acabar, novamente no Mogi Mirim, contratado por si próprio, em imagem que corre mundo. Rivaldinho, o filho, tem a oportunidade de jogar com o pai.
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Desengonçado, aparentemente lento, mas de uma classe ímpar. Rivaldo, senhores!
Rivaldo Vítor Borba Ferreira 19 de abril de 1972
1990-1992, Santa Cruz 1992-1994, Mogi Mirim 1993-1994, Corinthians 1994-1996, Palmeiras 1996-1997, Deportivo 1997-2002, Barcelona 2002-2004, Milan 2004, Cruzeiro 2004-2007, Olympiakos 2007-2008, AEK 2008-2010, Bunyodkor 2011, São Paulo 2012, Kabuscorp 2013, São Caetano 2014-2015, Mogi Mirim
1 Campeonato do Mundo (Brasil, 2002) 1 Copa América (Brasil, 1999) 1 Taça das Confederações (Brasil, 1997) 1 Medalha de Bronze nos Jogos Olímpicos (Brasil, 1996) 1 Liga dos Campeões (Milan, 2003) 2 Supertaças Europeias (Barcelona, 1997; Milan, 2003) 2 Campeonatos Espanhóis (Barcelona, 1997-98 e 1998-99) 3 Campeonatos Gregos (Olympiakos, 2005, 2006 e 2007) 2 Campeonatos Brasileiros (Palmeiras, 1994 e 1996) 2 Campeonatos Uzbeques (Bunyodkor, 2008 e 2009) 1 Taça Uzbeque (Bunyodkor, 2008) 1 Taça do Rei (Barcelona, 1998) 1 Taça de Itália (Milan, 2003) 2 Taças da Grécia (Olympiakos, 2005 e 2006) 1 Campeonato Pernambucano (Santa Cruz, 1990) 1 Campeonato Mineiro (Cruzeiro, 2004)
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Outros títulos individuais:
Melhor jogador estrangeiro do Campeonato Espanhol (1997-98) Melhor jogador da Copa América (1999) Equipa-ideal do Mundial (1998 e 2002) Melhor jogador do mundo para a «World Soccer» (1999) Bola de Ouro da «France Football» (1999) Melhor jogador do ano FIFA (1999) Terceiro melhor jogador do ano FIFA (2000)
Primeira série:
Nº 1: Enzo FrancescoliNº 2: Dejan SavicevicNº 3: Michael LaudrupNº 4: Juan Román RiquelmeNº 5: ZicoNº 6: Roberto BaggioNº 7: Zinedine ZidaneNº 8: Rui CostaNº 9: Gheorghe HagiNº 10: Diego Maradona
Segunda série:
Nº 11: Ronaldinho GaúchoNº 12: Dennis Bergkamp Nº 13: Rivaldo
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