Leipzig, uma cidade que conjuga fragmentos do passado da República Democrática Alemã (RDA), que existiu sob influência soviética, e traços de modernidade. É como viajar no tempo sem sair do mesmo lugar, no fundo.

Tanto se vê dos carros mais modernos do mundo como um Trabant, o carro mais popular do leste da Alemanha.

«O meu pai conseguiu um Trabi praticamente novo numa discoteca. Ofereceram-lhe o carro em troca de uma bebida. E conseguiu-o porque as pessoas queriam os carros que havia no outro lado do muro», conta Stefan, funcionário de uma empresa de aluguer destes veículos, ao Maisfutebol.



A queda do Muro de Berlim e a consequente reunificação da Alemanha, no fim de 1989, transforma o país e faz o Trabant praticamente desaparecer. A produção, feita em parte com material oriundo da União Soviética, pára definitivamente em abril de 1991.

«As pessoas que não atravessaram para o lado ocidental, deixaram os seus Trabant na rua com notas nos vidros. 'Por favor, levem-no. Tem gasolina'», relata o germânico de 37 anos.

«A engenharia do carro não era muito sofisticada. Este carro [modelo P60] foi o mais produzido na Alemanha. O S significa standard e não versão desportiva (risos). O Trabant é feito com duroplástico, uma mistura de plástico feito a partir de algodão reciclável e de resina. Este atinge uma velocidade máxima de cerca de 100 km/h», explica enquanto abre o capot do Trabi, como é carinhosamente tratado pelo povo alemão.

Stefan esclarece que a gasolina no tanque é medida através de uma vareta e aponta para o motor. «É um motor de dois cilindros a dois tempos refrigerado a ar. Não há bomba de óleo, radiador, todas as coisas que os carros modernos têm. O combustível vai para o carburador através da força da gravidade.»




Stefan abre as portas do carro e convida-nos a entrar. O carro, produzido em 1989, é bastante simples no interior e não prima pelo conforto (como é natural). O nosso guia senta-se ao volante e brinca: «Tem ar condicionado», atira ao mesmo tempo que abre a janela.

De seguida, Stefan abre uma válvula, coloca o motor a trabalhar e sorri ao apontar para o lado direito do volante. «É aqui que colocamos as mudanças. Tem quatro posições. Prepara-te, vamos sentir a estrada toda», alerta.

Passeamos num parque de estacionamento. O alemão grita, entusiasmado. Nota-se que tem prazer em conduzir o Trabi. «Este é um carro para desfrutar», confessa.

Stefan surpreende-nos: passa-nos a chave, sem pedirmos. Agradecemos, mas dizemos que não. O germânico insiste e acabamos, com receio, por aceitar. «Sente o carro!», adverte antes de explicar como se conduz o Trabant.

Damos duas voltas e aceleramos um bocadinho. De imediato, sentimos a estrada toda e o carro abana por todo o lado. Sorrimos e Stefan lembra que já nos tinha avisado. Temos dificuldades em colocar a segunda mudança. Inversão de marcha? Difícil, muito difícil. Não é fácil conduzir um Trabi e o desempenho acaba por não ser brilhante. «Ainda nenhum mestre caiu do céu», responde de forma simpática.





Stefan é apaixonado pelo Trabant, assume-se como um 'freak'. Fala com paixão acerca do carro, produzido VEB Sachsenring Automobilwerke, em Zwickau, a 80 quilómetros de Leipzig e que se tornou um problema após a reunificação do país.

Os Trabant apareciam abandonados um pouco por todo o lado e foi necessário recorrer à ciência para destruir o duroplástico. Mas cerca de 40 mil Trabi estão registados na Alemanha.

«As pessoas deitaram fora os seus Trabant. E sabe o que significa Trabi em alemão? Amigo leal. Há quem esteja arrependido e diga: 'Não, o meu carro!'. Não estou a brincar. As pessoas adoram o carro atualmente e sentem saudades. Estão arrependidos por terem desistido dos Trabi», frisa Stefan.

«O Trabi deve ser conduzido num dia de sol, como hoje, e sem poeira. As pessoas que colecionam estes carros só conduzem com bom tempo. É um carro que deve ser guiado de forma tranquila», sublinha.

Como um amigo leal, o Trabi sobrevive aos anos junto de quem o estimou e volta às estradas paulatinamente. É um símbolo do passado que não devemos esquecer e ao qual não queremos voltar e do presente, onde podemos guiá-lo com prazer sem uma Cortina de Ferro a ofuscar-nos a visão.