Diogo Coelho Özçakmak é luso-turco desde nascença, mas só através do futebol conseguiu a dupla nacionalidade. O futebolista, de 30 anos, jogou na temporada passada no Sanliurfaspor, da II Liga turca, naquela que é a terceira temporada consecutiva nesse país.

Um país que lhe diz muito, desde nascença. Cresceu na Ponta do Sol, na ilha da Madeira, mas corria-lhe sangue otomano nas veias. Essa ascendência, proveniente do pai, estava plasmada no último nome (Özçakmak) e nos traços físicos, mas não no passaporte. Só depois de jogar no país, «por coincidência», obteve a cidadania turca.

Foi um processo complicado, conta Coelho em entrevista ao Maisfutebol, até porque os pais estão separados. Tornou-se mais fácil pela pressão do Kocaelispor, o clube onde ingressou em 2021. Desde aí, tem conhecido as raízes e a cultura do país-natal do seu pai, originário da cidade de Antália.

Diogo Coelho, formado no Nacional da Madeira (jogou na I Liga e II Liga pelo clube), relata as diferenças culturais entre Portugal e Turquia, ao nível social e futebolístico. Coelho «dividia a Turquia mais ou menos a meio», entre as cidades, com um estilo de vida europeu, e o interior, mais conservador.

Um país profundamente patriótico, religioso, mas onde «já não há tanto essa diferença entre homens e mulheres», diz o defesa-central. Ao nível linguístico, teve alguns contratempos iniciais: «As pessoas diziam-me sempre ‘top, top, top’ e eu pensava que estava a treinar bem [risos]. Afinal, só queriam a bola. Top, quer dizer bola». Esta é a primeira parte da entrevista com Diogo Coelho. Pode ler a segunda, aqui.

Em vésperas de Portugal-Turquia, para o Euro 2024, encontrámos um luso-turco. Desde nascença ou por casamento?

Desde nascença. Os meus pais conheceram-se na Suíça, só que, entretanto, separaram-se. Foi para a Turquia e a minha mãe regressou para a Madeira. O meu pai é turco e a minha mãe é portuguesa. Tenho dupla nacionalidade. Metade turco, metade português. Não é comum [risos].

O Diogo sente-se mesmo metade português, metade turco, ou há alguma das partes que se sobreponha?

Sinto-me mais português…. Cresci em Portugal. Estive lá até aos meus 27 anos, só há três anos é que comecei a conhecer melhor a Turquia, também não me dava com o meu pai. Depois dos 18 anos é que comecei a dar-me com ele, portanto posso dizer que sou bem mais português do que turco [risos].

Como é que surgiu esse convite, há três anos, para ir para a Turquia?

Foi coincidência. Naturalizei-me turco. Tinha o sobrenome do meu pai, mas não tinha dupla nacionalidade. Quando fui para lá, os meus agentes avisaram-me que era melhor obter cidadania para não ser considerado estrangeiro. ‘Já que tens ascendência da parte do teu pai, vamos naturalizar-te turco. Ficas como turco dentro do mercado turco’, disseram-me.

Foi um processo difícil?

Foi. Fazer isto de forma individual é muito complicado. Com o meu pai, já tinha tentado fazê-lo antes. Mas não deu por causa de comprovativos e tudo mais, a Turquia é muito exigente nessas coisas… Não era nada fácil. Claro que foi mais fácil através de um clube de futebol, que também tem as suas conexões, dentro do Governo e tudo mais. Foi muito fácil. Num mês e meio, tornei-me turco.

Noutra situação, é mais complicado.

Ui, muito mais. Não é impossível, mas aquilo que pedem, as exigências, comprovar quem era a minha mãe e o meu pai, ainda que não fossem casados… é uma complicação. Mas, através do clube, as coisas foram mais fáceis.

Diogo Coelho com o título da terceira divisão turca, ganha em 2023

Quando começou a jogar, já sabia falar turco?

É assim, posso dizer que em três anos aprendi muitas palavras. Já consigo ter uma conversa por palavras, mas ter uma conversa mais elaborada ou mais profunda, de um assunto mais complicado, conjugar verbos no passado e tudo mais, não é fácil. É uma língua bastante diferente da nossa. É engraçado que há algumas palavras iguais às nossas, mas que não têm nada a ver.

Pode dizer quais são?

‘Top’ significa bola. No início, nos treinos, as pessoas diziam-me sempre ‘top, top, top’ e eu pensava que estava a treinar bem [risos]. Afinal, só queriam a bola. Sol, para eles, significa esquerda. Sandalye [Sandália] significa cadeira. Portakal, que parece Portugal, significa laranja.

Como diria que está a sua pronúncia, percebem que é estrangeiro?

Quem lida comigo, quem sabe que não sou de lá, falam de forma mais lenta. Os meus amigos até dizem que eu pronuncio as palavras de forma bastante adequada. Não é fácil, devido à pronúncia das palavras.

E a nível de aspeto físico, também dizem que é turco?

Isso já o faziam antes. Antes de sair de Portugal, já diziam que tinha um bocadinho de aspeto de árabe ou muçulmano, e eu dizia que era verdade, porque o meu pai é turco. Daí ter uns traços diferentes. Há turcos que me dizem que eu pareço mais turco do que eles [risos]. Pela barba e pela cor da pele.

Olhando para jogadores como Kerem Akturkoglu ou Arda Guler, há turcos com traços bastante europeus.

Depende da zona. A Turquia é um país muito grande, com muitas misturas que vêm do Império Otomano. Normalmente, dizem que as pessoas do Trabzonspor são mais claras, que descendem uma Geórgia, ou assim. E depois há muitos turcos emigrantes, na Alemanha, por exemplo.

O próprio Diogo é, no fundo, produto dessa emigração turca.

Estou lá há três anos. Conheci algumas pessoas por fora. Só conheci um casal com a mesma situação que a dos meus pais. A mulher era de Sintra e o marido era turco, de Antália, e tinham filhos com dupla nacionalidade. Não é comum.

De que região é o clube onde joga atualmente, o Sanliufarspor?

Quando vim, joguei no Kocaelispor, onde jogavam o Daniel Candeias e o João Amaral. Estive lá dois anos. Adorei a cidade, os adeptos, tudo. Este ano estive numa equipa mais no interior, porque, entretanto, rescindi contrato no final de agosto com o Kocaelispor. Não tinha muitas oportunidades e acabei por ficar ali porque era das poucas equipas que não tinham fechado o plantel e fui para o Sanliufarspor. É mais no interior, mais complicado. A cultura é um bocadinho mais fechada em comparação com Istambul e outras cidades. Ali naquela cidade, 90% são curdos.

Em que pontos se tocam e se afastam as culturas portuguesa e turca?

Nos como europeus temos uma mentalidade muito mais aberta. A comida é muito diferente, eles gostam de comida mais picante. Comem muitos doces. Mas tem a sua piada. É um país muito bonito para conhecer, com muita população, muitas coisas para ver e descobrir, muita coisa para visitar. Museus, templos monumentos. Quanto às pessoas, em Istambul, Antália, não se sente muito a diferença entre Europa e Turquia. Há menos regras no trânsito, não param na passadeira, mas faz parte da cultura deles. A diferença entre homens e mulheres, que se fala muito, não se sente muito. Talvez um bocadinho mais no interior. Mas em Istambul, Antália, essas cidades mais avançadas, não há tanto essa diferença entre homem e mulher. Já se respeita muito mais. Eu dividia a Turquia mais ou menos a meio – o lado virado para a Europa, tudo o que é mais turístico, é muito mais fácil de se adaptar e viver. Do outro lado, o interior é mais fechado, com maior temperatura, mas não é impossível de viver.

Qual foi o hábito deles, quando o Diogo chegou, que estranhou mais?

A mesquita tocar o sino cinco vezes ao dia. Rezam sempre. Se estivermos a ouvir música, a ver televisão, temos de baixar ou desligar. É um momento sagrado. O hino nacional, seja na primeira, segunda, terceira ou quarta divisão é tocado antes dos jogos. Os jogadores e os adeptos têm de estar todos em sentido, ninguém mexe. É um respeito incrível. São muito patrióticos. O Ramadão, que levam muito a sério e não comem desde o nascer até ao pôr do sol. Não podem fumar e é um país que fuma muito, dos que mais fumam no mundo. Foi das coisas em que fiquei mais admirado.

A nível pessoal, quer continuar no clube atual ou regressar a Portugal?

Estou na Turquia há três anos, é um mercado natural para mim neste momento. Se tiver oportunidade, claro que depende da equipa e do contrato que for, mas se tiver oportunidade, quero continuar por lá. Mas vai depender. Acabei contrato e vou avaliar qualquer proposta dentro e fora da Turquia. Aqui, já me conhecem.