«Sou… De Portugal eu sou! Para todo o lado eu vou… Só para te ver ganhaaaaar!»

À medida que a multidão de adeptos portugueses fazia ecoar o cântico nas ruas de Dortmund, enquanto se encaminhava para o Signal Iduna Park para o jogo frente à Turquia, os telemóveis em Espinho começaram a vibrar.

«Estás a ouvir isto?»

O vídeo [este aqui em baixo] circulava sem parar nas redes sociais e nos media. Aquela toada, que haveria de calar os turcos, em clara vantagem numérica nas bancadas, tornou-se num sucesso quase instantâneo em pleno Euro 2024.

De onde surgiu? A referência imediata apontava para os Super Dragões. É, de facto, indesmentível que a claque do FC Porto popularizou o cântico. Porém, a resposta certa sobre a origem estava não muito longe e um pouco mais atrás na linha cronológica: Espinho, temporada 2016/17.

Foi nessa época memorável para o Sporting Clube de Espinho, pelo regresso aos campeonatos nacionais, que, inspirados pelos cânticos sul-americanos, os «Desnorteados» criaram a letra, com direito até a arranjo musical, que acabaria agora a animar a Seleção na Alemanha.

«Sou… Desnorteado eu sou! Para todo o lado eu vou… Só para te ver jogar.»

As coordenadas para a origem do cântico

Quisemos ir ao encontro da claque espinhense. Problema: os verdadeiros ultras não querem ser demasiado conhecidos.

Foram várias insistências, por diversas vias, até que, mais de 24 horas depois, surge por fim uma resposta numa mensagem de Whatsapp: «Não queremos nomes nossos na conversa, nem queremos fotografias, mas podes vir aqui beber uns finos.»

Segue-se a localização: número da porta e número da rua [sim, que em Espinho as ruas não têm nomes].

Entrámos num bar no centro da cidade, já noite dentro, sentámo-nos à mesa com quatro elementos da claque e começámos a conversa.

«Esse cântico foi criado no Viela 27, um bar aqui perto, onde também se juntavam uns miúdos da Academia de Música de Espinho. Eles levavam para lá os instrumentos e, numa noite, eles começaram com as “gaitadelas” [com trompetes e clarinetes] e nós começámos a cantar: “Sou…” Criou-se ali a letra. Depois, eles passaram a ir connosco aos jogos», conta ao Maisfutebol um dos elementos dos «Desnorteados».

A reta final da época 2016/17 ficou marcada em campo ficou pela subida do Sp. Espinho ao Campeonato de Portugal e nas bancadas pela festa proporcionada pela claque acompanhada por uma espécie de orquestra informal. Uma festa, com largas centenas de pessoas a cantar, como se vê nos jogos em Castelo de Paiva ou em Aveiro, contra o Beira-Mar, ainda no antigo Estádio Mário Duarte.

Aquele ritmo haveria de chegar aos jogos do FC Porto, com passagem por Canelas, clube gaiense em que o líder da claque portista era avançado e presidente.

«Logo na 1.ª jornada do Campeonato de Portugal de 2017/18 fomos jogar a Canelas e cantámos muito essa música, porque era recente, e acabou por ir parar aos Super Dragões. Aliás, no ano seguinte, tivemos um particular de pré-época contra o Canelas, onde jogava o Fernando Madureira [líder dos Super Dragões], e houve um elemento da nossa claque que se virou para ele e disse: “Ó Macaco, andas a copiar a música dos Desnorteados?” Teve como resposta: “Vocês até deviam ter orgulho na adaptação que fizemos à música da vossa claque”», revela-nos outro dos «Desnorteados».

Sem estádio, mas a jogar sempre em casa

Criada em 1990, a claque orgulha-se do apoio ao clube da terra, bem como da originalidade dos seus cânticos, com temas como «A minha mãe já dizia», «Nasci de verde e preto» ou «Cheira a eucalipto», este última com coreografia a rigor, dedicada ao rival União de Lamas – de Santa Maria de Lamas, localidade onde está instalado um gigante da indústria corticeira.

Têm particular orgulho também na ligação ao bairro piscatório e no seu nome, que para lá de «perdidos» ou «desorientados», como refere o dicionário, remete também para a nortada – o vento norte que se sente mesmo em dias de verão na Praia da Baía, a uns quarteirões do local onde conversamos.

«Não há terra com mais nortada em Portugal!»

Mas há ainda outra explicação para a designação, provavelmente uma feliz coincidência. «Quantas letras tem o nome da nossa claque?», perguntam. «Ora… 12?», respondemos, sem pensar muito. «Pois é! E nós somos o 12.º jogador.»

Na verdade, este é um grupo de adeptos de uma fidelidade inabalável, seja em que escalão for.

Depois de 11 épocas na primeira divisão [a última em 1996/97], o Sp. Espinho disputa atualmente o quinto escalão do futebol português, tendo voltado a cair para o Campeonato de Elite da distrital de Aveiro.

Pior do que o definhamento competitivo, só a falta de casa própria. O Sp. Espinho despediu-se em 2018 do velhinho Estádio Comendador Manuel Violas, vizinho do bairro piscatório e com vista para o mar. A promessa era mudar para um novo recinto, cujas obras pararam em janeiro de 2023, por decisão da autarquia.

Assim sendo, este histórico viu-se na contingência de fazer os seus jogos como visitado fora do concelho. Primeiro em Fiães, depois em Ovar, agora em Nogueira da Regedoura.

«Jogamos sempre em casa! Seja onde for…» Há sempre um cântico para cada ocasião e é esse que é entoado à mesa pelos «Desnorteados», quando o estádio vira tema.

Mesmo desenraizado, fora ou em casa emprestada, o Sp. Espinho continua a ter o apoio das suas gentes. São centenas a cada jogo a mostrarem a raça vareira.

Mesmo sem estádio, continua a pulsar forte o amor preto e branco no coração desta cidade de ruas em quadrícula. Por estes dias, também não falta apoio a Portugal, com bandeiras às janelas como em tantos outros lugares.

Por agora, aqui, à mesa, o Sp. Espinho é uma religião e há um lema que é sagrado: «Podemos perder a cabeça, mas nunca a fé.»