Depois de 23 anatomias, eis mais óbvia de todas.
Aquela que ainda faltava e que, reconhecemos agora, merecia ter sido a primeira. Não o foi talvez por ser o equivalente a um «lugar-comum», coisa que deve evitar-se ao máximo nestas coisas da escrita.
Falamos de Gordon Banks e aí desse lado nem precisa de integrar-se na categoria de «leitor-ávido-consumidor-de-história-do-futebol» para saber de quem se trata.
Banks partiu a 12 de fevereiro, aos 81 anos. Para trás deixa um legado gigante: campeão do mundo em 1966 e segundo guardião mais votado na eleição de guarda-redes do século XX para a Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS), apenas superado pelo lendário Lev Yashin.
Tudo isso seria suficiente para lhe conferir um lugar fixo nas memórias físicas e imateriais do futebol, mas foi a «defesa do século» no Mundial 70 que o imortalizou definitivamente e que o tornou numa figura transversal ao «desporto-rei» no século XX e, também, a estas primeiras duas décadas do novo milénio.
«Pelé elevou-se e cabeceou com força, de cima para baixo para a baliza, para a baliza. Foi uma cabeçada perfeita. Eu mergulhei para a minha direita, a bola bateu no solo sobre a linha e afastei-a com as costas da mão para cima», recordou na autobiografia que lançou em 2002.
A defesa teve lugar na segunda jornada do Grupo 3. Ainda na primeira parte, Jairzinho ganhou a linha de fundo e cruzou para Pelé. O avançado canarinho desferiu uma cabeçada imponente, mas Banks interrompeu as celebrações antecipadas do craque. Nas muitas ocasiões em que recordou a proeza publicamente, o antigo guardião repartiu humildemente os louros daquela defesa com a sorte. Num jogo que a seleção inglesa, então campeã mundial, até perdeu.
Na semana passada, horas depois das primeiras notícias acerca da morte do inglês, Pelé prestou tributo ao antigo adversário e amigo. «Agradeço a Gordon por ter defendido aquela bola, porque aquela ação foi o início de uma enorme amizade. (…) Fiz aquele cabeceamento exatamente como queria e para o sítio que queria. E estava pronto para celebrar. Só que esse tal de Banks surgiu no meu raio de visão, como uma espécie de fantasma azul, é assm que o descrevo. Veio do nada e fez algo que não pensei ser possível. Mesmo agora, quando vejo, não consigo acreditar», escreveu nas redes sociais.
Gordon Banks foi dono e senhor das redes da seleção inglesa entre 1963 e 1972, ano em que um acidente de viação o deixou praticamente cego do olho direito e precipitou o final da carreira.
Era o fim para Banksy nas balizas, aquelas que guardou com notável competência e que lhe permitiram reescrever o destino de uma vida dura desde bem cedo: aos 15 anos começou a trabalhar numa mina de carvão em Sheffield e depois foi aprendiz de pedreiro. Também isso, admitiu em entrevista à Radio 5 por altura do 80.º aniversário, serviu para o ajudar a tornar-se num guarda-redes de excelência: «Não percebia que estava a desenvolver musculos nos braços e nas pernas. Isso ajudou-me de forma indireta.»
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Artigo original: 18/02; 23h50