Momento de pausa para os Jogos Olímpicos nesta coluna para fanáticos de futebol. É a última oportunidade para escrever sobre o que se passou em Pequim, por isso, sob pena de poder vir a actualizar o texto até final da semana, aqui vai.
Actualizado às 16h30, porque é preciso dar os parabéns ao campeão Nélson Évora
Não vou falar da «caminha» de Marco Fortes, agora que foi transformado em bode expiatório da desilusão nacional. Ele já teve frontalidade de admitir o erro e tem de olhar em frente. Outros terão errrado bem mais do que ele, não pelas declarações infelizes, mas pelas responsabilidades, pelas metas falhadas, por estarem entre os melhores nos rankings anuais e depois falharem quando mais nos interessa. É desses que vou falar.
De um certo culto da incompetência que existe neste país. No fundo, o que se passa na Olimpíada é um reflexo de um país sem ministros que se demitam, sem presidentes de Câmara que tenham vergonha dos cargos que ocupam quando são considerados corruptos em tribunal. Um país onde existe um enorme sentimento de frustração, falta de ilusão e paixão. O que nos move? Muito pouca coisa. O dinheiro, o sucesso fugaz no emprego, a vitória passageira da nossa equipa do coração, a esperança de um triunfo da Selecção de futebol, as vitórias de Ronaldo e Mourinho lá fora? Claro que não coloco aqui os nossos prazeres pessoais e familiares (que são para sentir de forma individual), pois interessa-me abordar uma espécie de união nacional que pura e simplesmente não existe. Vai pairando por aí, mas raras vezes motiva realmente.
Este culto da incompetência alastra-se a todos os que também não estão nos Jogos. E não pode ser por falta de qualidade ou condições de trabalho. Se os Jogos Olímpicos realmente tivessem importância para Portugal, teriamos em Pequim forte participação nos desportos colectivos. No futebol, andebol, voleibol e até basquetebol, para não falar de uma mais séria presença de elementos no ciclismo, ténis ou volei de praia. É uma questão de organização, preparação e competência. De missão, porque a verdade é que quando garantimos esse estado de alma conseguimos cumpri-la e muitas vezes com sucesso. Só que os Jogos não são objectivo real para este país e dizer que demos 15 milhões para o Projecto Olímpico não passa de especulação.
É verdade que faltam criar melhores condições, nomeadamente ao nível do atletismo, mas se há desporto onde existe um crescente apoio é exactamente no atletismo. E é aí que temos sido mais felizes. Com verdadeiros campeões, sofredores e superiormente competentes, como Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nélson Évora. Que não haja ilusões, Portugal tem geralmente boas condições para as principais modalidades e até faço uso do exemplo do remo, onde temos de fazer muito mais. Basta dizer que algumas das melhores equipas europeias, daquelas que ganham medalhas, treinam e vivem (literalmente) no Alentejo...
Vencer é «sofrer até cair», como dizia Venceslau Fernandes à filha Vanessa. Ela que não conseguiu entrar no Olimpo dos vencedores, ficou com a ingrata prata, mas sabe que não basta garantir um lugar nos Jogos. É preciso almejar a imortalidade. Esse estado que transforma a Olimpíada numa cimeira de atletas vencedores, não uma simples aldeias de participantes, que se sentem deslumbrados pela simples entrada no estádio ou no pavilhão.
Um país sem referências, sem paixão nacional, sem competência, sem organização, transfere para todas as suas franjas o rasto do vício, sem criar alternativas. O que aconteceu em Pequim é apenas só mais um episódio deste razar o fundo, que nos vai levando até um porto desconhecido. Seria bom falar em ponto de viragem, pensando que só daria para melhorar, mas com este estado de coisas é difícil ser demasiado optimista.
«Futebolfilia» é um espaço de opinião da autoria de Filipe Caetano, jornalista do IOL, que escreve aqui todas as quartas-feiras