Barbosa, Moacir Barbosa. Que terá sentido quando lhe ofereceram os postes das balizas do Maracanã, do Maracanazzo, 19 anos depois? Será que mandou pregá-las, como diz a lenda, para que simbolizassem a sua crucificação? Para que fossem metáfora do martírio que passou em todos os momentos da vida, desde aquele instante em que Ghiggia rematou entre ele e o poste esquerdo e silenciou o maior estádio do Mundo? Um instante que alguns comparam às imagens do assassinato de Kennedy.
Guarda-redes corajoso e talentoso, o melhor do seu tempo no Brasil. Nunca um golo, um único erro, foi depois tão dramático para um jogador como para o keeper. Mesmo que os «frangos» tenham sido comuns, antes e depois de Barbosa. Nunca um dia foi sinónimo de maldição, de perseguição e de luto como esse 16 de Julho de 1950.
«As jogadas uruguaias exploravam a velocidade do Ghiggia, para ele ir à linha de fundo e jogar para trás. No primeiro tempo, cortei umas duas bolas. Noutra jogada, centrou e o Miguez acertou na trave. Estava chamando a atenção dos meus homens de área que tinham de estar atentos, porque não podia sair além da marca do penalty. Chega o segundo tempo e continuavam fazendo a mesma coisa. Tanto que na hora que saiu o primeiro golo, avisei que eles só tinham essa jogada. No lance, ele veio e eu, mais do que nunca, estava olhando para ele e se o Schiafino ou o Miguez estavam na área. E, realmente, os dois vinham. Deixei a baliza para chamar a atenção a Juvenal. Nesse momento, Ghiggia rematou. Dei um salto para trás e toquei na bola. Depois olhei e vi as redes a balouçar. Pensei: ¿A bola está do lado de fora porque desviei-a.¿ Mas quando me levantei, o Maracanã estava em silêncio. No meio-campo, os uruguaios beijavam-se. Caí em mim e quase chorei. Ghiggia disse que chutou porque o Bigode vinha correndo e ficou com medo de ser alcançado. Livrou-se da bola e teve sorte», explicou muitos anos depois Barbosa.
Mas o Brasil já tinha perdido antes de jogar. O maior estádio do Mundo tinha sido construído para a vitória, não para a derrota. Duzentos mil nas bancadas transpiravam confiança, um entusiasmo de quem já era Campeão. Comerciantes e políticos faziam chegar por antecipação aos jogadores votos de felicitação pela conquista do primeiro título mundial, um proprietário de um cinema ofereceu um bilhete permanente a cada membro da equipa, onde estava escrito: «Para o Campeão do Mundo...».
Os brasileiros tinham goleado a Espanha dois dias antes por 6-1, o Uruguai não amedrontava. Amedrontou ainda menos a partir dos 57 minutos, quando Friaça fez o 1-0. O empate bastava, mesmo tratando-se de uma final. Mas, cinco minutos depois, chegou o empate por Schiaffino, após cruzamento de Ghiggia. Aos 67, a mesma jogada, com o extremo a decidir por si a vitória. Duzentos mil em silêncio. Assustador. Gigghia, feliz da vida, diria anos depois: Só três pessoas, com apenas um movimento, silenciaram o Maracanã: Frank Sinatra, o Papa João Paulo II e eu!»
Nesse mesmo 16 de Julho, no balneário, Barbosa sentiu que a sua carreira estava a terminar. Os companheiros olhavam-no como se fosse um criminoso. Ainda se sagrou bicampeão pelo Vasco da Gama, ainda se vingou de uruguaios num encontro com o Peñarol, mas o sentimento para com o guarda-redes não era o mesmo. Um erro apenas era agora um falhanço descomunal, mesmo que continuasse a garantir vitórias.
Barbosa só abandonou aos 42 anos. Foi treinador, mas não vingou e tornou-se funcionário público. Passou os últimos anos da sua vida - morreu no dia 31 de Março de 2000 - em grandes dificuldades financeiras, dependendo de uma pensão mensal dada pelo Vasco. Antes, em 1969, teve de encaixar mais um golo como o de Gigghia: os administradores do Maracanã resolveram substituir pela primeira vez os postes das balizas. Acharam que Barbosa apreciaria o gesto e ofereceram-lhas. Não se sabe ao certo o que delas fez.
«Fui condenado a uma prisão perpétua», resumiria. Injustamente, acrescente-se.