Um título de campeão de futebol que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), a ultima instância da justiça brasileira, 30 anos depois. E que o Flamengo perdeu por três votos a um. Então, só há um campeão brasileiro de 1987, o que parece óbvio mas não era. E o campeão é o Sport Recife. O Fla fica sem o título e, de caminho, sem a Taça das Bolinhas, outro dos motivos de discórdia de uma história que se arrasta há muito e até já meteu polícia.

«Não há pior lugar do que o sistema judicial para discutir desporto», dizia na terça-feira Luis Roberto Barroso, juíz do STF que até é adepto do Fla e foi o único que votou pela atribuição do título aos dois clubes. Há muito quem lhe dê razão e critique o facto de uma decisão de futebol estar a ocupar o tempo de quem tem em mãos casos muito mais relevantes para o país. E que está muitíssimo congestionado, com casos na ordem das dezenas de milhar por resolver. E no entanto, assim foi.

A história não se conta em duas palavras, porque tem voltas que nunca mais acabam. Começou numa época em que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) estava enfraquecida em termos de gestão e finanças e sem condições de organizar o Brasileirão. Então, alguns dos clubes de topo reuniram-se para organizar um campeonato. Esse Clube dos 13 integrava Atlético Mineiro, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional Porto Alegre, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco. Convidaram ainda Coritiba, Santa Cruz e Goiás e jogaram aquela a que chamaram Copa União.

Mas o fantasma de sanções da FIFA perante uma prova que fugia à alçada da Federação levou a CBF a acabar por organizar outra competição. E nessa estava o Sport, mais 15 clubes: América, At. Goianiense, At. Paranaense, Bangu, Ceará, Criciuma, CSA, Guarani, Inter Limeira, Joinville, Náutico, Portuguesa, Rio Branco, Treze, Vitória.

A certa altura, a CBF resolveu propor que se tentasse encontrar um campeão conjunto, uma final que opusesse as duas primeiras equipas de cada um dos campeonatos, batizados como Módulo Verde, o do Clube dos 13, e Módulo Amarelo, o da CBF.

O Flamengo, com uma equipa onde estavam craques como Zico, Bebeto ou Renato Gaúcho, ganhou o Módulo Verde. E recusou-se, tal como o Inter, segundo, a jogar essa última decisão. Aí começou (ou agravou-se) a confusão. No Módulo Amarelo saiu campeão o Sport Recife, depois de ter jogado com o Guarani uma primeira final que foi a desempate por penáltis e acabou aos 11-11 (!) e a seguir uma finalíssima que venceu por 1-0. Pelo meio, Flamengo e Inter não apareceram nos jogos marcados para a decisão conjunta e foi-lhes atribuída falta de comparência.

Posto isto, tanto Fla como Sport reclamaram como seu o título de 1987, alimentando a batalha e as provocações ao longo das três últimas décadas.

Diego Souza, do Flamengo via Benfica ao «87 é nosso» no Sport

Um dos protagonistas mais recentes dessa rivalidade é Diego Souza, o médio que chegou a ser jogador do Benfica, mas foi aliás emprestado ao próprio Flamengo sem passar pela Luz. Agora, e depois de passar por muitos clubes e latitudes, Diego é figura do Sport, onde escolheu a camisola... número 87. Já provocou várias vezes o Fla com a polémica de 1987 e agora comemorou a decisão do STF nas redes sociais com estas imagens sonorizadas por um tema dos adeptos do Sport, que tem precisamente por título «87 é nosso».

 

87 é NOSSO! 🏆 🔴⚫ #PST #DS87 @gomktesportivo

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Voltando ao caso. Começou nos tribunais ainda em 1988, quando o Sport pediu para ser formalmente declarado campeão. Teve uma decisão favorável em 1994. O Flamengo nunca desistiu e ganhou novo fôlego quando em 2011 a CBF voltou a baralhar tudo, declarando os dois clubes campeões nesse ano. Voltou o caso aos tribunais, com uma primeira sentença a declarar nula a decisão da CBF. E recursos por aí fora, até à decisão desta terça-feira da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Um coletivo de cinco juízes, dos quais três votaram contra a decisão da CBF de 2011, mantendo portanto o Sport como único campeão. Barroso foi o único que votou a favor e um quinto juíz absteve-se, por ser pai de um advogado do Flamengo.

«Ganhei o bicho, gastei o bicho, acabou ali»

As reações dos protagonistas daqueles tempos oscilaram entre a ironia e o desgaste. «Isso parece uma novela mexicana, que não vai acabar nunca. Ganhei o bicho, gastei o bicho, peguei minha medalha e levantei a taça. Acabou ali», disse Renato Gaúcho, citado pela «Globo».

Já Bebeto foi mais corrosivo, respondendo a um dos argumento usados pelo Sport ao longo dos anos, a de que o Fla fugiu à decisão naquela altura: «É o fim dos tempos! Aquele time tinha cinco jogadores que foram tetracampeões mundiais. Queria ter jogado uma partidinha com o Sport.»

Já Zico não quis sequer comentar, enquanto Emerson Leão, que era o treinador do Sport naquele tempo, disse que não há nada de novo: «O Sport ganhou pela centésima vez, né? O que está escrito tem que ser cumprido. Estava no regulamento. O único resultado é esse.»

Os clubes, esses, ficaram na sua. Claro.

O Flamengo reagiu assim nas redes sociais

E o Sport assim

E ainda a Taça das Bolinhas e o São Paulo pelo meio

Aquela imagem que o Sport publica representa o outro motivo porque o Flamengo se recusa a deixar cair este assunto. A Taça das Bolinhas. Um troféu criado nos anos 70, com uma réplica entregue a cada campeão. E a promessa de que o original ficaria com o primeiro clube tricampeão em anos consecutivos, ou pentacampeão em anos não seguidos.

Quando ganhou o título de campeão em 1992, o Flamengo reclamou-a. Essa conquista, somando a de 1987, fazia do Fla pentacampeão. Só que, lá está, 1987 era um problema.

A polémica da Taça das Bolinhas esteve adormecida até 2007, quando o São Paulo ganhou o seu quinto título e reclamou a Taça e as bolinhas.

Ela foi mesmo entregue ao clube paulista, mas o Fla reclamou. E lá voltaram os tribunais. Primeiro, o Flamento defendeu que não fazia sentido entregar um troféu que estava desativado desde 1992. Depois, foi para a justiça exigir que a Taça fosse devolvida ao seu dono, que é a Caixa Económica Federal, enquanto não se resolvia o imbróglio de 1987. A justiça deu-lhe razão e autorizou a polícia a invadir as instalações do São Paulo para a reaver. Não chegou a tanto, o São Paulo acabou por a devolver à procedência.

Portanto, e embora esta decisão do STF seja final, o Fla diz que não desiste. O clube anunciou que vai aguardar a publicação da decisão para decidir o que irá fazer a seguir. E a Globo noticia que o Fla ainda tem um outro recurso sobre o caso pendente no STF. Portanto, 30 anos depois talvez não seja prudente ainda dizer que este jogo acabou.