Richie Incognito diz que «isto não é uma história de bullying». Jonathan Martin ainda não disse muito, desde que abandonou um treino dos Miami Dolphins e deu entrada num hospital da Florida por «desequilíbrio emocional», mas instruiu os seus advogados a apresentar uma queixa alegando que foi vítima de perseguição, assédio e abusos constantes por parte dos seus companheiros de equipa e sobretudo de Incognito.

Um destes dias, no final de outubro, Martin aproximou-se dos companheiros que almoçavam no bar do clube e, quando fazia menção de se sentar, eles levantaram-se todos e viraram-lhe costas. Esta foi a gota de água, escreveu a imprensa norte-americana, o último de uma série de episódios que levaram Martin ao tal estado de «desequilíbrio emocional».

A história trouxe para primeiro plano nos Estados Unidos o debate sobre a «cultura de balneário» no futebol americano. A NFL e os Miami Dolphins começaram por ignorar o assunto, mas quando a história começou a ganhar dimensão nos media o clube suspendeu Incognito «por tempo indeterminado» e a Liga anunciou uma investigação, garantindo que «tudo fará para assegurar que todos possam trabalhar num ambiente livre de assédio».

As revelações sobre o que se passava no balneário dos Dolphins sucederam-se nos media. Esta foi a mais polémica, uma mensagem de voz deixada por Incognito, veterano da NFL de 30 anos e 145 quilos, no telemóvel de Martin, jogador de segundo ano da Liga. Vamos deixá-la no original, em inglês: «Hey, wassup, you half nigger piece of s---. I saw you on Twitter, you been training 10 weeks. [I want to] s--- in your f---ing mouth. [I'm going to] slap your f---ing mouth. [I'm going to] slap your real mother across the face [laughter]. F--- you, you're still a rookie. I'll kill you.»

Isto era normal, diz Incognito, que deu neste domingo uma entrevista à FoxSports, conduzida por um antigo jogador, na qual tentou controlar os danos. Nessa entrevista, Incognito revelou uma mensagem que lhe tinha sido enviada pelo próprio Martin. Dizia «Vou matar toda a tua família», com um vernáculo pelo meio. Acrescente-se que os advogados de Martin apressaram-se a reagir garantindo que o SMS enviado era um «meme» com um cão, uma mensagem humorística. E divulgaram a imagem:


A conclusão de Incognito, depois de divulgar a mensagem, foi esta: «Acham que eu pensei que ele ia matar a minha família? Não. Sabia que esta mensagem vinha de um irmão. Sabia que vinha de um amigo. Isto só coloca em contexto como comunicamos um com o outro.» No fundo, diz Incognito, tudo isto são manifestações que vêm de um «lugar de amor».

Houve coisas a que Incognito não respondeu na entrevista. Por exemplo, se houve instruções dos treinadores e staff do clube para «tornar Martin mais rijo», outra das acusações levantadas nos media.

Na ressaca deste caso há acusações de ameaças físicas a jovens jogadores, e mesmo de extorsão de dinheiro. No caso de Martin também foi escrito que o jogador foi obrigado a financiar uma viagem dos veteranos a Las Vegas. Mas um outro jogador dos Dolphins já veio depois explicar que Martin era para viajar também e depois não quis. Há no meio de tudo isto ainda muita informação contraditória.

Jonathan Martin não tem as raízes tradicionais de um jogador. Os pais, tais como os pais deles e os avós, formaram-se em Harvard, o que é ainda hoje raro para afro-americanos. Ele próprio podia ter ido para a mesma universidade, mas preferiu Stanford, onde seguiu estudos clássicos, porque lhe oferecia as condições para poder continuar a fazer desporto e porque queria ser jogador de futebol americano.

Coy Wire, antigo jogador de futebol americano, colocou as coisas nestes termos, numa coluna de opinião: «Às vezes, num desporto de gladiadores como a NFL, a inteligência pode ser vista como sinal de fraqueza.»

A tese de quem acusa é que a cultura de «bullying» está enraízada na NFL, e que essa lógica de humilhação e assédio não é aceitável. «Quanto mais se sabe mais percebemos que não se trata apenas de o Jonathan ser hiper-sensível, ele foi apenas a primeira pessoa a falar do que se passava», dis David Shaw, o seu treinador em Stanford.

Mas para cada voz crítica sobre a forma como se vive nos balneários da NFL levanta-se outra em sentido contrário. Vários jogadores dos Dolphins defendem publicamente Incognito. E não só. Muitas vozes da modalidade têm cerrado fileiras em torno da sua «cultura». Com variantes da velha máxima de que isto não é para meninas. 

Lawrence Taylor, um mito da NFL, antigo jogador dos New York Giants, resume esse argumento nestes termos: «Se és assim tão sensível e fraco de espírito, então procura outra profissão. Isto é a NFL. Isto é futebol. Não é ténis de mesa. Não é golfe. Não sei como é que se abusa de um jogador de 150 quilos.»