Talvez o nome Eric Di Meco não diga grande coisa ao leitor. É natural. O francês foi um lateral esquerdo de muito razoável qualidade, representou a selecção de França 23 vezes, mas nunca teve o talento dos grandes executantes, dos predestinados. É justo dizer que o futebol de Di Meco teve honestidade e abnegação, mas não mais do que isso.
À carreira deste gaulês terá faltado um grande título internacional. Um título que poderia ter surgido em 1990. Mas Vata não deixou. Quem é, então, Di Meco?
As peças encaixam. A trama adensa-se.
Eric Di Meco é o homem que esteve a centímetros de evitar a eternamente famosa mão de Vata. O antigo internacional fez parte da equipa do Marselha que perdeu por 1-0 no Estádio da Luz, nas meias-finais da Taça dos Campeões Europeus 1989/90. O Maisfutebol descobriu-o 20 anos depois e desafiou-o a regressar à mais terrível noite da sua carreira. Di Meco aceitou o repto.
A mão do diabo ou ilusão de óptica? (vídeo)
«Lembro-me de tudo como se fosse ontem. Como poderia esquecer isso? Não fui campeão europeu porque o Vata não me deixou. Roubou-me uma final europeia.» O queixume tem razão de ser. Di Meco estava a marcar o angolano em cima, pensou ter tudo controlado mas... pois, o resto já todos conhecemos.
«Aconteceu mesmo à minha frente. O Vata antecipou-se a mim e desviou a bola com o braço direito. A jogada era rápida mas percebi logo a ilegalidade. Protestei e não valeu de nada. O árbitro disse-me que era impossível ter sido mão. Mas foi», lamenta Di Meco, atirado para a fogueira onde arde o seu maior pesadelo.
«Fomos roubados mas... um abraço ao Vata»
Que fique bem claro. Eric Di Meco é extremamente educado, apesar da amargura que esta memória lhe causa. Não é fácil contornar a maior frustração da sua carreira.

«Fomos roubados na Luz e perdemos a última oportunidade das nossas carreiras para chegar à mais bela das finais», sintetiza o ex-jogador do Marselha, que hoje é comentador televisivo e faz parte do departamento de comunicação do Olympique.
O desabafo inicial é compreensível. A dor foi acalmada pela anestesia do tempo, mas o calendário para os oitavos-de-final da Liga Europa reavivou fantasmas do passado. Di Meco acalma com o decorrer da conversa.
«Ok, acredito que o árbitro não tenha visto a mão, porque a jogada nasceu de um canto e estavam muitos jogadores na área. Enfim, o Vata teve mérito. Mande-lhe um abraço meu, está perdoado.»
A raiva de Tapie («Bernardette» para os jornalistas franceses)
O nome de Bernard Tapie mistura-se com o próprio Marselha dos anos 80 e 90. Na Luz, o irascível presidente teve uma crise nervosa nos balneários. Eric Di Meco sabe bem do que fala. «O homem ficou furioso. Aliás, ele andava muitas vezes assim, mas na Luz ficou ainda pior do que o costume», confidencia, antes de lançar o primeiro sorriso na conversa.
Antes do jogo da segunda-mão, em Lisboa, a confiança de Tapie era grande. Tão grande que o homem ousou desafiar a incógnita erguida por 90 minutos de futebol. «Se perdermos com o Benfica podem começar a chamar-me Bernardette», gritou aos jornalistas gauleses.
O Marselha perdeu. Poucos anos depois, Bernardette foi acusado e detido por tentativa consumada de corrupção.
«O senhor Tapie era assim, temperamental. Ele disse isso na altura porque, em Marselha, podíamos ter resolvido tudo. Dominámos, tivemos muitas oportunidades para marcar e só ganhámos 2-1. Na Luz tínhamos o jogo controlado, mas o Vata estragou tudo. Mon Dieu, aquelas bancadas quase vinham abaixo!»