Bruno Fernandes entrevistado por Pedro Barbosa: uma conversa de 8 para 8, descontraída e sem filtros, que mostra o lado mais intimista do médio do Sporting. As convicções, os rituais, as ideias. Os dois andam por locais de Alvalade geralmente vedados ao olho do público: começaram no balneário do Sporting, seguiram pelo túnel de acesso ao relvado e acabaram no tapete verde. Onde fizeram uma espécie de duelo ao jeito de um bola na barra. Um diálogo que se foi desenrolando sem pressas e sem tempo marcado.

Estamos no balneário do Sporting, habitualmente fazem aqui a palestra?
Normalmente a palestra é dada ou na academia ou no auditório que temos aqui em Alvalade. Pode ser feita num lugar ou noutro, depende também da hora do jogo e do treinador.

Que rotinas tens habitualmente? Ligas os pés, dás uma massagem, ouves musica?
A minha rotina é muito simples: chego aqui, tento equipar-me rapidamente, pego numa bola, porque ainda sou um bocadinho criança nesse sentido, e também para tirar um pouco do nervosismo, e vou ali para uma zona de aquecimento que temos cá dentro. Dou uns toques, tento sentir a bola e fico logo preparado para entrar em campo.

Porquê a camisola 8?
O 8 é um número que já utilizo há algum tempo, o meu pai quando jogava utilizava o 8, ele deixou o futebol para poder dar melhores condições à família. Por isso utilizo o 8 por ser o meu dia de nascimento e como uma forma de homenagem ao que o meu pai fez tudo por mim e pelos meus irmãos.

Vou oferecer-te uma camisola também com o número 8, mas esta com o símbolo de campeão nacional. Acredito que seja um dos teus objetivos...
É o meu maior objetivo. Foi o objetivo a que me propus quando vim para o Sporting. Quero lutar por títulos, quero ser campeão nacional e espero sê-lo tão breve quanto possível.

Estamos agora no túnel de acesso ao relvado, como é este teu caminho? Falas com alguém, vais a pensar nas coisas, como é?

Nesta altura já vou a pensar no que posso fazer no jogo. Já tenho uma ideia fixa do que podem ou não fazer os adversários, das dificuldades que nos podem causar, das lacunas que podemos aproveitar. Por isso estou a concentrar-me no que posso fazer e, ao mesmo tempo, a tentar relaxar, para retirar aquele nervosismo que temos por dentro antes do início jogo.

Tens algum cuidado especial, para além do que o treinador te diz, em perceber quem é o teu adversário direto no jogo, alguma fragilidade ou ponto forte dele?

Normalmente estou muito focado naqueles jogadores que jogam na minha zona, procuro estudá-los, também porque hoje em dia temos essa facilidade de os estudar com vídeo. Tento perceber onde posso receber a bola e onde posso usufruir das debilidades deles. É esse o meu trabalho de casa.

Bruno, aqui, quando entras no relvado, pé direito, pé esquerdo ou não ligas a isso?
Pé esquerdo, pé esquerdo.

Porquê?
Desde pequeno que tenho esta mania de querer entrar com o pé esquerdo. Não sei, sempre foi uma coisa que fiz. Vinha-me à cabeça entrar com o pé esquerdo e sempre fiz isso. Normalmente toda a gente diz para entrar com o pé direito, quando é o Ano Novo e essas coisas, e eu quis andar aqui um bocadinho ao contrário do que é normal. Até hoje tem-me corrido bem.

Imaginavas-te a jogar aqui em Alvalade aos 24 anos?
Não.

Estive a ler uma entrevista tua em que dizes que quando eras miúdo, na formação do Boavista, tinhas o sonho de atingir a primeira equipa do Boavista.
Sim, é verdade.

Mas aos 24 anos jogas em Alvalade...
Comecei muito cedo a jogar no Boavista e tenho um amor especial por aquele clube. Foi o clube que me formou. O meu sonho nessa altura era chegar ao plantel principal, até porque na altura o Boavista era uma grande equipa, muito forte, e ainda lutava por grandes objetivos. Então por isso, e porque é um clube pelo qual tenho um grande carinho, gostava de ter tido a possibilidade de jogar na primeira equipa. Mas obviamente que neste momento, olhando para aquilo que tenho agora, estando no Sporting, que é um dos três grandes, podendo jogar em Alvalade, tendo quase sempre o estádio praticamente cheio, tendo a possibilidade de jogar na equipa por onde passaram grandes jogadores, é ainda mais gratificante do que aquilo que eu poderia esperar.

Como é que tu te defines como jogador? O que achas que te distingue?
Normalmente aquilo que eu acho que me distingue, embora neste ano em que estive em Portugal não tenha sido isso que sobressaiu, é a minha vontade, o meu querer, a minha raça.

Mas olha que sobressaiu, podes ter a certeza que sobressaiu...
Sim, mas no último ano tem sobressaído mais a qualidade técnica, a capacidade de remate, a capacidade de passe. Tem-se falado mais disso. E eu sempre fui um jogador mais aguerrido, daqueles que não desistem. É essa imagem que gosto de deixar. Porque jogadores de qualidade... todos nós para chegarmos a este patamar temos de ter um mínimo de qualidade. E estes pormenores fazem a diferença. Um jogador quando tem qualidade e consegue juntar-lhe a ambição, o querer, a raça, acaba por se poder tornar mais facilmente um jogador completo.

Agora estamos aqui numa zona em que tu habitualmente jogas, que é a zona central, e olhando para a frente, para a baliza, este é habitualmente o teu mundo, não é?
Sim, é verdade.

Que terrenos gostas mais de pisar? Ou melhor, entre o 8 e o 10 o que preferes?
Da maneira que temos vindo a jogar ao longo do último ano e este ano, gosto mais de jogar como 10. É uma posição em que tenho mais liberdade de movimentos e estou mais perto da baliza, torna-se mais fácil para mim. O ano passado acabei por fazer muitos golos por jogar mais perto da baliza e, principalmente, porque jogo com um ponta de lança que não é nada egoísta. É um ponta de lança que pode estar isolado frente ao guarda-redes e toca a bola ao lado, é um ponta de lança que procura fazer com que os jogadores que estão à volta dele também marquem.

É um ótimo apoio para um médio que joga perto, não é?
Principalmente porque é um jogador alto e que segura bem a bola. Para quem está de frente para o jogo, ele é um jogador que ajuda.

Qual é a primeira coisa que te vem à cabeça quando jogas a 10: jogar com o Bas Dost, abrir na linha lateral, tabelar com o médio que vem de trás...?
A primeira coisa que me vem à cabeça quando recebo a bola é tentar rodar logo para a frente e encontrar uma linha de passe, assistir os meus colegas. Se tiver a possibilidade de rematar, também é uma coisa que gosto bastante e que tenho trabalhado ao longo dos anos. Aliás, o meu foco quando estou perto da área, é a baliza.

É isso que ia dizer: já te acompanho desde os sub-21, com o Rui Jorge, e uma coisa que noto é que, quando estás no último terço, o teu foco 90 por cento das vezes é a baliza. Quando recebes a bola só vês a baliza. Corrige-me se estiver a dizer algo de errado.
Não, não, não.

A sensação que me dá é procuras sempre uma solução para poder rematar.
Sim, é uma das coisas que procuro muito. Sou um jogador que vê muito baliza, que gosta de rematar de fora. E que trabalha muito esse aspeto. Normalmente, mais perto da área, quando recebo a bola entre linhas procuro logo com a receção ajeitar a bola para poder rematar.

Mas voltando atrás, eu até te gosto de ver mais a 8, porque estás sempre no jogo, partes de trás e tanto trabalhas ofensivamente como ajudas defensivamente.
O ano passado sentia-me mais confortável a 10, porque tinha jogadores que jogavam atrás de mim que facilmente me encontravam entre linhas. Gosto de jogar a 8 quando estamos em 4x3x3, porque gosto de arriscar o passe longo e tendo dois extremos muito abertos dá-me muita opção de passe.

Tens largura no ataque.
Eu sempre fui um 8, nunca fui um 10. Esta questão do 10 veio em Itália, porque quando cheguei ao Novara a equipa não tinha um 10 puro com qualidade, um jogador de grande capacidade a nível ofensivo. Tive a felicidade de encaixar na posição 10 e jogar. Mas quando subi à primeira equipa joguei a 8, num 4x3x3 puro. Depois cheguei à Udinese, que jogava num 3x5x2, e acabei por jogar mais atrás do ponta de lança, muito por influência do Di Natale, que gostava de ter um jogador atrás que o procurasse muito, um jogador que tivesse a capacidade de rodar para o jogo e procurar os colegas na frente. Lembro-me que no meu primeiro ano, ele tinha 36 anos e ainda fez 16 golos no campeonato.

Já agora, qual foi o jogador que te dificultou mais a vida, ou pelo menos não te deixou explorar essas situações que referiste, e te obrigou a pensar isto hoje não correu nada bem...?
Aqui em Portugal houve um jogo em que senti mais dificuldades. Foi já este ano, contra o V. Setúbal, em que meteram o Semedo a marcar-me homem a homem. Andou pelo campo todo a marcar-me. Aliás, o nosso segundo acontece porque o Semedo acaba por me marcar a mim dentro da área, eu faço um movimento a querer tirar-me do jogo e libertei espaço para o Nani, que apareceu bem e fez o golo. Passei muito ao lado do jogo por causa dessa marcação. Independentemente de para onde eu corresse, fosse para a linha, para o meio ou baixasse, ele ia atrás de mim e dificultou-me muito a tarefa de ter bola. Mesmo que eu baixasse, ele ia atrás de mim. Foi um jogo de sacrifício, em que tive principalmente de criar espaço para os companheiros.