Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@tvi.ptrgouveia@tvi.pt ou vemaia@tvi.pt

Aos 25 anos, Alex Pinto caminha para a maturidade como futebolista. Em janeiro de 2022, semanas depois de rescindir com o Farense após umas das fases mais difíceis da carreira, estava a tomar café em Guimarães quando, por um acaso do destino, nasceu a possibilidade de rumar à Eslováquia. «Nem pensar!», reagiu a quente para depois perceber que, afinal, o FC DAC 1904 Dunajská Streda era mais do que aquilo que pensava.

Sediado numa cidade em tempos pertencente à Hungria, quase tudo no DAC é húngaro: até os adeptos, que atravessam a fronteira para ver os jogos da equipa que ameaça com cada vez mais vigor pôr termo ao domínio do pentacampeão Slovan Bratislava. E é por isso que todos na Eslováquia torcem contra o DAC, aquele «clube estrangeiro» a quem foi permitido jogar a Fortuna Liga.

Em entrevista ao Maisfutebol, o lateral-direito de 25 anos assume que esta foi a melhor época da vida a nível profissional e fala sobre a aventura iniciada há ano e meio. Recorda ainda o eterno Vítor Oliveira, um «homem fantástico» com quem chegou a pegar-se duas ou três vezes, a passagem pelo Benfica com o lamento de não ter conseguido encher ainda mais de orgulho o avô benfiquista e um episódio marcante com Bruno Lage, com quem esteve na equipa B na época em que o ex-treinador dos encarnados conquistou o título depois de ser promovido.

Maisfutebol – O DAC vai terminar o campeonato no segundo lugar atrás do Slovan Bratislava. Que balanço faz desta época que está a terminar?

Alex Pinto – Penso que foi uma época excelente, tendo em conta que lutámos até ao fim com o Slovan e estivemos muito próximos de ser campeões. Quando fomos jogar a casa do Slovan [9 de abril], estávamos a ganhar aos 65 minutos e nesse momento estávamos com nove pontos de vantagem. Eles acabaram por ganhar esse jogo [2-1] e nós perdemos depois alguns pontos, também fruto da nossa inexperiência. O DAC nunca foi campeão e tem muitos jogadores jovens, mas foi uma época muito positiva para todos.

E a nível individual?

Foi a minha melhor época. Fiz seis assistências e foi a época em que joguei mais. Tive também a sorte de não ter lesões e a consistência de jogos consecutivos. Individualmente, foi uma excelente época e acho que consegui promover-me.

Em que aspetos é que sente que mais cresceu?

Principalmente a nível ofensivo. No último passe, na decisão. O treinador, o Adrián Gul’a, tem-me ajudado muito nisso. Ajudou-me em coisas que eu precisava de melhorar. Defensivamente, já sou um jogador rápido, forte e que não tem muitos problemas, apesar de poder sempre melhorar. Ofensivamente, também aparecia muito, porque gosto de ir para a frente e para trás, mas precisava de mudar aquele último passe no último terço, que foi algo que melhorei com a ajuda do treinador.

E há um jogo em que até faz três assistências para golo.

Exatamente! Fora com o Trencin [n.d.r.: vitória por 4-0 a 12 de novembro de 2022].

E ainda expulsou dois jogadores.

É verdade [risos]. Por acaso até foi o primeiro jogo que o meu empresário veio aqui ver. Expulsei dois jogadores e fiz três assistências. Foi o melhor jogo da minha vida. Não me lembro de um jogo assim, tirando um jogo de juniores em Braga pelo Vitória. Este vai ficar na memória.

Lembrou há pouco que o DAC chegou a ter virtualmente nove pontos de vantagem sobre o campeão. Apesar de a época ter sido positiva, não acaba por saber a pouco por isso?

Claro que acaba por saber a pouco. Lembro-me que tivemos algumas dificuldades nos primeiros três/quatro meses. Começámos bem na Conference League, depois fomos eliminados pelo Steaua Bucareste, que foi à fase de grupos e tivemos uns três jogos em que não ganhámos. O treinador também era novo e ainda estava em fase de conhecimento. Mas depois as coisas estabilizaram, ganhámos vários jogos seguidos e começámos a acreditar. Fizemos um campeonato extraordinário, fomos a melhor defesa do campeonato, temos o segundo melhor ataque e podemos ter o melhor marcador [Nikola Krstovic]. E acaba por saber a pouco porque estivemos em primeiro de fevereiro a maio e acreditávamos mesmo que podíamos ter sido campeões.

Foi essencialmente na diferença de experiência que esteve a chave do campeonato?

Principalmente. Porque eles têm vários jogadores com 37, 35 anos. Têm, por exemplo, o [Juraj] Kucka, que jogou no Milan. Têm também um trinco de 37 anos da Geórgia, o Vladimír Weiss, também experiente e talvez o melhor jogador aqui na Eslováquia. Eles têm outros argumentos financeiros. A seguir vimos nós, mas eles estão no patamar acima. E têm outra filosofia: a do DAC é investir em jogadores jovens para depois poder fazer dinheiro com eles. O Slovan aposta em jogadores mais experientes e isso acabou por pesar este ano. Mas acredito que para o ano poderemos lutar outra vez e que já teremos outro traquejo.

Qual era o vosso objetivo no início da época? Já lutarem pelo título? Continuarem essa aproximação ao Slovan Bratislava?

Quando começámos, o objetivo era fazer melhor do que no ano anterior. A época passada não correu bem [4.º lugar] e eu vim em janeiro, lesionei-me num joelho no início de maio e não fiz os últimos quatro jogos. Mas o objetivo era fazer melhor e falávamos muito em ganhar a Taça. Na Taça acabámos por perder logo com uma equipa da segunda divisão e no campeonato lutámos até ao fim. No início da época ninguém pensava no título. Não era uma questão de acreditar ou não, mas não estava no nosso pensamento.

E quando é que começaram a pensar no título?

Eu comecei a acreditar quando fomos de férias em dezembro. Se não me engano, estávamos a quatro pontos e o primeiro jogo depois de regressarmos era em casa contra o Slovan. Já fomos de férias com o pensamento de que podíamos ser campeões, mas depois, quando subimos para o primeiro lugar, passámos a acreditar ainda mais. Foi por pouco.

E agora já está assumido esse objetivo de darem esse passo em frente e assumirem a candidatura ao título na próxima época?

Sim. O objetivo é manter o núcleo duro da equipa e o clube está a conseguir manter alguns jogadores que terminavam contrato para conseguirmos lutar pelo título. Somos claramente a segunda melhor equipa da Eslováquia e temos capacidade para isso. O objetivo é lutar pelo título ou tentar ganhar a Taça. Nunca ganhámos o campeonato nem a Taça e a meu ver é impensável que um clube com estas condições ainda não tenha nenhum título.

Que condições são essas?

O DAC tem três campos para treinar só para a equipa principal e 12 campos para a formação. Tem ainda um edifício para a equipa principal e outro só para a formação. Um ginásio para a formação e outro ginásio fantástico para a equipa principal. Dão-nos pequeno-almoço, dão-nos almoço, podemos levar comida para o jantar. Ao nível de regeneração, temos sauna, banheiras de gelo e aquelas máquinas de vapor que atingem muitos graus negativos. Temos quartos para descansar. Portanto, não falta nada ao clube em termos de condições. Está ao nível dos grandes em Portugal e penso que nem o Slovan tem condições a este nível, já para não falar dos outros clubes.

Ficou surpreendido por ter encontrado essas condições num clube de um país tão periférico com a Eslováquia?

Fiquei. Aqui perto, na Hungria, investe-se muito no desporto e é comum ver-se academias com estas condições. Mas eu não seguia este tipo de campeonatos e fiquei surpreendido com o que encontrei. Aliás, quando me falaram da possibilidade da Eslováquia eu disse para mim: «Nem pensar.» Até falaram diretamente comigo, mas eu liguei ao meu empresário e disse-lhe que nem sequer estava a ponderar, apesar de estar livre na altura depois de ter rescindido em dezembro. Mas quando ele me mostrou as condições e chegou a proposta de contrato, que também é importante compensar financeiramente para sair de Portugal, acabei por aceitar e estou mesmo satisfeito. Tenho a certeza de que tomei uma boa decisão.

E a nível de futebol? Que realidade encontrou comparativamente com Portugal?

Em termos de qualidade, a Liga eslovaca ainda está bastante distante da portuguesa. É uma Liga mais física e também é por isso que eu acho que me adaptei bem. Mas em termos de qualidade de jogadores, não é possível comparar. A Liga portuguesa estará no top-7, top-8 do Mundo e consegue atrair jogadores com a promessa de os projetar para outros patamares. No ano passado o DAC também conseguiu vender um jogador para o Union Berlim [András Schafer] e acredito que o nosso ponta de lança [Nikola Krstovic] também vai ser vendido para uma das melhores ligas do Mundo, mas é diferente. Temos uma Liga mais física, com mais combatividade, mas em termos de qualidade está distante da portuguesa.

No Farense num jogo com o FC Porto em janeiro de 2021

Está há um ano e meio no DAC, onde chegou em janeiro de 2022 depois de ter passado por um mau período no Farense, com um processo disciplinar alegadamente por ter-se recusado a integrar a equipa sub-23, segundo a imprensa. O que é que aconteceu em concreto?

São situações do passado e não guardo mágoa, porque admito que também tenho culpa, mas na altura não me senti respeitado. Disseram que eu me recusei a treinar e não é verdade. Uma vez fizemos um amigável entre a equipa principal e a de sub-23 e o mister Fanã, que tinha passado dos sub-23 para a equipa principal, mandou-me jogar pelos sub-23. E eu joguei sem dizer absolutamente nada. No fim de semana a seguir fizemos um amigável contra o Imortal e tínhamos jogo para a Taça. E eu estava a regressar de uma lesão. Na semana antes de um jogo com o Benfica B senti um problema, mas fui para o jogo e no aquecimento já estava com dores. Se fosse hoje, tinha parado logo no aquecimento e não ia a jogo, mas há coisas que só adquirimos com a experiência. Mas fui e ao fim de dez minutos, a perdermos já por 2-0, peço para sair. Não sei se o treinador entendeu algo que não é verdade, até porque não faz parte de mim, mas tenho de parar duas semanas, quando volto faço esse amigável contra a equipa sub-23 e depois pensava que podia ter alguns minutos para a Taça para recuperar a forma, mas o treinador mandou-me fazer um amigável pelos sub-23 contra o Imortal. Também não falei nada e joguei.

E quando é que surgiu o problema?

À terceira vez, quando me mandaram fazer um jogo para a Liga sub-23 com o Estoril. Peguei no telefone e liguei para o diretor, o José Luís. Disse que respeitava o treinador, que tinha o direito de não contar comigo, mas que não aceitava mais ir aos sub-23 e expus as minhas razões depois de já ter ido duas vezes. Depois de um jogo com o Penafiel, chamaram-me para falar. Pensei que era para voltarem a escutar as minhas razões, mas só me entregaram o papel a dizer que eu estava suspenso e assim fiquei até dezembro. Não me senti respeitado pelo treinador, mas são águas passadas. Guardo muito carinho pelo clube, tenho lá um grande amigo, o [Ricardo] Velho, o guarda-redes. Deixei lá algumas amizades e torço para que subam de divisão. O Farense é um clube que merece, sem dúvida, estar na I Liga. E agora, na minha opinião, está ainda bem mais preparado para isso. Tenho a certeza de que se subir esta época, é um clube para se manter muitos anos na Liga.

Como foram as suas rotinas diárias nesse período em que enfrentou o processo disciplinar e esteve impedido de treinar e de frequentar as instalações do Farense?

Foi treinar sozinho com um PT ora no Algarve, ora no Norte. Até tenho duas fotos no Instagram a agradecer aos dois PT’s, porque foram mesmo muito importantes para mim. Podia ter-me desleixado, mas treinei todos os dias normalmente. Continuava a acordar cedo e havia dias em que até fazia bidiário para manter a forma. Se calhar, ainda treinava mais do que no clube. Claro que era diferente, porque treinar com bola no campo é mais intenso, mas fiz todos os possíveis para minimizar os efeitos da paragem. Quando cheguei ao DAC, passado uma semana tive covid e estive uma semana fechado num quarto. Fui mais tarde para um estágio na Turquia, mas depois de lá chegar, após dois ou três treinos fiz um jogo de 90 minutos sem cãibras. Estava preparado.

Com Paulo Silva, um dos PT's que o ajudaram a manter a forma durante o período em que esteve suspenso pelo Farense

Mas estranhou a bola quando voltou?

Eu fazia alguns exercícios com bola em Faro mas principalmente quando estava em Guimarães. No fim do treino, ficava com o meu PT a bater umas bolas, a fazer uns cruzamentos e a bater uns livres. Até dizia que quando voltasse a jogar, ia passar a bater livres, mas não aconteceu [risos]. Mas claro que é sempre diferente. E quando fiz o primeiro treino no DAC, foi um alívio.

E teve outros convites além do que recebeu da Eslováquia?

Sei que o meu empresário tinha contactos com alguns clubes na Hungria e que de Portugal falou-se de um clube da Liga que precisava de um lateral-direito para segunda opção caso acontecesse alguma coisa com o titular. Mas eu precisava de ir para um sítio onde jogasse e aconteceu tudo muito rápido depois de rescindir com o Farense. A história da minha vinda para o DAC foi curiosa.

Conte.

Rescindo com o Farense em dezembro e duas semanas depois estou a tomar um café em Guimarães e nesse café está lá também o Hugo Freitas, que era diretor-desportivo do DAC desde outubro. Eu já o conhecia do Vitória e estivemos à conversa. «Está tudo bem?» «Está tudo: rescindi agora com o Farense.» «Ai rescindiste? Estás livre, então?» «Estou.» Fui para casa e à noite recebi uma chamada para ir tomar um café ao Hotel Guimarães e começa tudo aí.

Por estar no sítio certo à hora certa.

Exatamente. Curiosamente, estive quase para não ir ao café, porque não estava a conseguir arranjar estacionamento. Arranjei mesmo à última. Foi o destino [risos] e agradeço ao Hugo, porque foi um dos principais responsáveis pela minha vinda para aqui.

Fale-nos mais sobre o DAC. No ano passado, o João Janeiro, que treinava o DAC na altura, dizia numa entrevista ao Maisfutebol que era o clube mais odiado da Eslováquia. Afinal, porquê?

É um clube odiado, é verdade. Toda a gente quer que o DAC perca e os próprios árbitros de vez em quando têm umas decisões um bocado manhosas.

Não há VAR aí?

Há VAR mas, por exemplo, no último jogo com o Slovan em casa tivemos um penálti claríssimo com 1-1. Há um cruzamento e o lateral-esquerdo deles deixa a mão completamente aberta quando o nosso ponta de lança vai a receber. O árbitro vai ao VAR, fica oito minutos a ver as imagens e acaba por não marcar. Podia não ser golo, mas havia 70 por cento de probabilidades de ser golo e a história do jogo podia ser outra.

(…)

Mas o DAC é odiado porque é um clube com adeptos húngaros, que vêm a maior parte da Hungria para ver os jogos. Em Dunajska Streda, que fica a 20/30 minutos de Bratislava, junto à fronteira e que em tempos pertenceu à Hungria, fala-se maioritariamente húngaro, o hino do clube e os cânticos são húngaros, as bandeiras do clube têm a bandeira da Hungria e isso cai muito mal na Eslováquia.

E há uma grande rivalidade entre a Eslováquia e a Hungria?

Exatamente. Para ter uma noção, quando foi o Ferencváros-Slovan Bratislava [2.ª pré-eliminatória da Champions 2022/23], nunca vi tanta polícia em Bratislava. São rivais e o DAC é odiado porque tudo o que o envolve é húngaro.

Para ajudar à festa, um dos principais patrocinadores do clube, que tem aí na sua camisola na zona do ombro, também é húngaro [MOL é uma companhia petrolífera húngara que dá também nome ao estádio do DAC].

É isso mesmo [risos].

Mas sentem muito essa hostilidade quando vão jogar fora?

Sinto principalmente quando vamos jogar a casa do Slovan e do Trnava, que têm estádios que metem mais gente e são dérbis. Mas antes de jogarmos nas últimas semanas com o Slovan, fomos jogar a casa do Podbrezová e nesse jogo, que perdemos por 2-0, só ouvia os adeptos na bancada a gritarem «Slovan!» E eu, ali na linha lateral, consigo ouvir tudo. Não sei tudo o que dizem, mas dá para perceber que estão a tentar picar-nos. Se perguntar aos adeptos de todas as outras equipas quem é que eles queriam que fosse campeão, eles responderiam Slovan Bratislava.

Qual o passo seguinte que gostaria de dar na carreira? Há alguma liga que gostaria de experimentar mais do que outra qualquer?

Acho que as minhas características encaixariam bem numa Serie A italiana, mas claro que o meu sonho, enquanto profissional de futebol, é jogar na Premier League. É um sonho que tenho e um objetivo é jogar a Champions League. E acredito que vou atingir esse patamar se continuar a trabalhar. Fiz uma boa temporada, tenho mais um ano de contrato e poderá aparecer alguma coisa. Também estou feliz aqui no clube e o que tiver de acontecer, acontecerá. Se mudar para melhor, vou, mas se tiver de ficar, fico supersatisfeito.

Continua a acompanhar o futebol português?

Claro, sem dúvida!

E por quem é que bate esse coração?

Já bateu em tempos. A minha família sempre foi benfiquista, principalmente o meu avô e os meus pais. Quando eu era mais pequeno, torcia pelo Benfica, mas desde que me tornei profissional deixei de torcer como adepto. Gosto muito do Vitória, porque é o clube que me formou e gostava um dia de voltar a vestir a camisola do Vitória e sentir-me mesmo jogador da equipa principal, apesar de ter chegado a estrear-me com o Pedro Martins em 2017. O meu irmão [Gonçalo] está lá na equipa B e também já se estreou na equipa principal. Se tivesse a oportunidade de voltar, penso que nem hesitava. É o clube da minha cidade, gosto muito dele e gostava de um defender dentro de campo.

Em 2017, quando assinou contrato profissional com o V. Guimarães aos 18 anos com Flávio Meireles, então diretor desportivo dos minhotos

Falou do seu irmão mais novo, que está a começar. Dá-lhe muitos conselhos?

Temos uma relação excelente. O meu irmão diz que eu sou o ídolo dele [risos] e ele uma pessoa muito importante para mim. Sempre que sinto que ele precisa de conselhos, eu dou-lhe. Acho que está num bom caminho. Teve azar esta época: duas ou três lesões, esteve doente e ficou parado um mês e meio ou dois. Mas o Vitória está numa fase em que, não atravessando uma fase fantástica a nível financeiro, tem de apostar na formação e eu digo-lhe que tem de aproveitar. E ainda por cima tem um treinador [Moreno] que também gosta de apostar na prata da casa e que o conhece, porque também já esteve com ele na equipa B. E ele tem de aproveitar isso, porque sabe que se fizer o trabalho dele o Moreno vai acabar por dar-lhe uma oportunidade e ele tem de pegar nisso e trabalhar.

Sente que o seu irmão tem uma vantagem que o Alex não teve? Um irmão mais velho que já viveu muitas situações pelas quais ele pode estar a passar e que, por isso, pode apontar-lhe alguns caminhos?

Acredito que pode ser uma vantagem. Esta época ele teve momentos em que desanimou e eu também passei por isso por diversas razões. Umas vezes porque me sentia injustiçado e sentia que merecia jogar mais, mas independentemente disso há que continuar a trabalhar. Por exemplo, eu no Gil Vicente comecei a temporada muito bem com o mister Vítor Oliveira, depois saí da equipa sem razão aparente e nunca mais joguei até o Fernando [Fonseca] se lesionar. Continuei sempre a fazer o meu trabalho durante a semana e respeitei sempre as decisões do treinador, mesmo achando que merecia jogar. Trabalhei muito durante a paragem da covid: ia correr, trabalhava em casa e quando voltei fui dos melhores jogadores da nossa equipa nos últimos dez jogos. Gostei muito do Vítor Oliveira: era um homem fantástico e faz falta ao futebol português, mas chegámos a pegar-nos duas ou três vezes [risos].

Ai foi?

No outro dia estava a ler umas declarações em que ele dizia que via os jogadores dele como filhos e que não era nenhuma vergonha se os jogadores chorassem à frente dele. E houve uma vez em que eu chorei efetivamente à frente dele e de toda a gente.

Conte.

Em janeiro, eu tinha uma proposta para ir para a Bélgica e queria sair. Felizmente não fui, porque veio o covid e o clube acabou por falir passado uns meses. Mas eu queria sair e ele não me deixava. Eu insistia e até pedi ao meu pai para falar com ele e com o presidente. Uma vez, em frente ao grupo, ele veio para cima de mim com tudo. Ele era puro: dizia a verdade à frente de toda a gente e isso faz falta ao futebol. Eu fiquei chateado, a chorar com os nervos, respondi-lhe e tivemos ali uma discussão grande em frente ao grupo todo. Mas duas semanas depois fui falar com ele para lhe pedir desculpa. Respondeu-me que não tinha de pedir desculpa e que aquilo já tinha passado. Era frontal, dizia o que achava e não tinha problemas com o que os outros podiam pensar. É um homem que faz falta ao futebol português. Infelizmente, já não está entre nós.

Era um treinador diferente de todos os outros que apanhou?

Sim! Principalmente como líder. Tinha uma personalidade muito vincada e, como líder, foi talvez o melhor treinador que tive. Tratava todos os jogadores da mesma maneira, desde o melhor jogador da equipa ao que não tinha minutos. E por isso é que ele teve tanto sucesso.

O Alex chegou ao Benfica com 19 anos e apanhou na equipa B duas das gerações que muitos definem como as melhores de sempre do Seixal: a de 99 e também a de 97. Não é que não os conhecesse porque até foi adversário de alguns deles e partilhou o mesmo espaço na seleção sub-19, mas houve alguém que o tenha surpreendido por ser ainda melhor do que pensava?

O João Félix fazia coisas fantásticas nos treinos. Lembro-me de um golo de calcanhar que ele marcou e o treinador da altura, que era o mister Hélder Cristóvão, até acabou o treino. Acho que esse golo chegou a andar pela internet. E chegou a fazer três ou quatro golos num jogo pela equipa B. Era fantástico e tinha pormenores de outro nível, mas trabalhei com muitos outros.

Quem mais destacaria?

Fiz um jogo com Rúben Dias na equipa B e bastaram 90 minutos para perceber o líder que ele é dentro de campo. Adorei jogar com ele ao meu lado. Sempre a dar-me indicações: «Para a direita, para a esquerda, podes pressionar, fica, não vás.» O Ferro tinha uma qualidade fantástica com bola e desses tempos no Benfica tenho dois exemplos no futebol ao nível de trabalho.

Quem são?

O Yuri Ribeiro e o Guga. O Guga teve uma lesão no joelho, volta, lesiona-se outra vez no joelho e quando regressa tem um problema num pé. Eu estava com ele, às vezes íamos jantar ao centro de estágios e ele dizia-me: «Mano, anda comigo ali abaixo ao ginásio só para fazer um ou dois exercícios.» Eu olhava para ele naquele estado e ele respondia-me que ia voltar igual ao que era. E eu a pensar: «Depois de duas lesões no joelho, uma no pé e tanto tempo parado… hmm...»

E está a fazer uma grande época no Rio Ave.

E vai para melhor, de certeza absoluta! Ele merece e eu torço muito por ele. E o Yuri também está a fazer uma excelente carreira pelo que é como jogador e como pessoa, porque também trabalha muito.

E dos treinos que fazia com a equipa principal?

O jogador que mais me surpreendeu, foi o Pizzi. Em exercícios reduzidos de posse de bola em que ele fazia de joker, era uma coisa incrível. A bola podia ir aos saltos ou, como se diz na gíria do futebol, cheia de merda [risos] que ele punha-a redondinha. Era uma coisa incrível. É um dos jogadores com mais qualidade com quem treinei.

E quem é que dava mais conselhos aos jovens como o Alex?

Na pré-época que eu fiz com a equipa principal, eu estava a alongar no fim de um treino quando o Luisão se sentou à minha beira. E esteve a falar comigo para aí durante 20 minutos. Era um ícone no Benfica e lembro-me que quando eu volto para a equipa B ele até me seguiu no Instagram. Até isso foi marcante. Não sei se gostou da minha personalidade, da minha maneira de ser por estar sempre aberto a ouvir e a aprender, da maneira como eu jogava, se achava que eu tinha potencial ou se acreditava que eu podia ser o futuro lateral-direito do Benfica.

O que é que ele lhe disse?

Falámos de tática, mas essencialmente disse-me para eu acreditar e trabalhar. E deu-me um exemplo concreto: que ninguém acreditava no Nélson Semedo e aconselhou-me a olhar para ele como um exemplo.

Algum momento ou história em particular que o tenha marcado desses anos no Seixal?

[Pensativo] Há uma que guardei. Na minha segunda época fiz uma temporada excelente na equipa B e numa determinada altura, já com o Bruno Lage na equipa principal, eu chego para um jogo e está lá o Corchia, o lateral-direito francês. Percebi logo que era ele que ia jogar para ter minutos. Lembro-me que o mister Renato Paiva me chamou a dizer-me para ir com ele ao balneário porque tinha ao telefone uma pessoa que queria falar comigo.

Quem era?

O Bruno Lage. Liga-me e diz-me: «Alex, olha. Não penses que isto é para te tirar o lugar. Ele simplesmente precisa de ter minutos e desceu para jogar. Tu tens feito uma excelente temporada e continua a trabalhar assim.» Ele não precisava de me ligar: ele é que era o treinador, não tinha de se justificar e isso até era normal acontecer numa equipa B, mas aquele gesto marcou-me. Demonstra muito a pessoa que ele é. Foi um dos treinadores com quem mais gostei de trabalhar. O Alex Costa, dos juniores do Vitória, também me ajudou muito por me ter feito acreditar que poderia ser profissional de futebol. O Hélder Cristóvão, quando vou para o Benfica B, também me ajudou na integração. O Bruno Lage foi fantástico como pessoa e treinador. O Renato Paiva, que ainda hoje falo com ele de vez em quando, é também um excelente treinador e uma excelente pessoa. Com o próprio Vítor Campelos, que me treinou na equipa B do Vitória, tenho uma boa relação. O Vítor Oliveira estará sempre marcado em mim pelo que já disse. O Sérgio Vieira, que está no Estrela, tem tudo para ser um grande treinador. E o [Adrián] Gul’a, que é o meu treinador atualmente, está no meu top-3 de treinadores: Renato Paiva, Bruno Lage e Gul’a sem meter ordem. Mas todos os outros ajudaram-me muito!

Mas como foi trabalhar com Bruno Lage naqueles meses na equipa B antes de ele subir para a equipa principal?

Foi fantástico. Adorava os treinos dele: curtos e intensos. Jogávamos muito bem e tínhamos uma grande equipa. Na altura ainda estava o Ferro, que ele conseguiu voltar a motivar depois de uma época difícil. O Jota, o Florentino, o Pedro Amaral, o Zlobin na baliza. O Willock era um craque: adorava jogar com ele à minha frente. E isto depois de termos tido o Félix e o Gedson, que também era um craque. Tínhamos uma equipa fantástica. Depois entrou o Renato Paiva, houve vários jogadores que subiram à equipa principal e tivemos alguns jogos não tão bons, mas depois encarrilámos e acabámos em quarto lugar.

Estou a olhar para essa equipa e encontro um jogador que destoa claramente do contexto de formação: Adel Taarabt.

Exatamente. O mister Bruno Lage falou com ele e conseguiu puxá-lo para cima outra vez. O Taarabt que eu apanhei na equipa B era profissional. Ele próprio dizia que aquela era provavelmente a altura em que estava a ser mais profissional no futebol. Trabalhava tanto ou mais do que nós na equipa B. Estava mais do que apto e por isso é que correspondeu quando o mister Bruno Lage o meteu a jogar.

Quando viu Bruno Lage subir à equipa principal e levar com ele vários jogadores da formação, sentiu que também podia ter a sua oportunidade?

Não vou mentir. Sinceramente, acreditei que poderia ter a oportunidade ou nessa temporada ou no início da seguinte. Mas são decisões que respeito. O Benfica também não é um clube qualquer e não é qualquer jogador que joga no Benfica. Mas adorei estar no Benfica. Cresci muito lá, principalmente a nível físico. Aproveitei mesmo o facto de estar ali para trabalhar tudo o que achava que precisava de melhorar. Acho que deixei uma boa imagem e ainda hoje falo com muita gente do centro de estágio, onde toda a gente gosta de mim e me aprecia como homem.

Mas o Bruno alimentou-lhe essa expectativa de chegar à equipa principal?

Não. Nunca me vendeu nada, até porque ele não é esse tipo de pessoa.

Guarda alguma tristeza por nunca ter jogado pela equipa principal do Benfica?

Cheguei a fazer a pré-época com o mister Rui Vitória e a fazer um amigável, mas adorava ter feito um jogo oficial. Até pelo meu avô. Sei que sou um orgulho para ele, não tenho dúvidas, mas seria um momento inesquecível. Cumpri o sonho de jogar no Benfica, porque fiz bastantes jogos na equipa B, mas seria fantástico para a minha família ter jogado na equipa principal. Não guardo mágoa por ninguém, mas fica uma tristeza. Acredito que poderia ter tido uma oportunidade como outros tiveram, mas é o futebol e a vida segue.