Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

A carreira de Jucie Lupeta dava um livro, apesar de contar apenas 24 primaveras e de ter ainda muitas páginas em branco por preencher. Nascido numa família de futebolistas, na Lourinhã, o jovem avançado fez praticamente toda a formação no FC Porto, sagrando-se campeão em todos os escalões e sentindo o emblema do Dragão como ninguém. Chorou no dia em que chegou a sénior e foi dispensado, mas encarou o «choque» como uma «lição de vida». Foi à procura da sorte na Hungria, conquistou um título e cumpriu o sonho de jogar na liga portuguesa, ao serviço do Vitória de Setúbal onde encontrou um «verdadeiro pai». Depois seguiu caminho para a África do Sul à procura de uma janela para Inglaterra. No início deste ano, voltou à Europa e abriu um novo capítulo na Eslovénia de onde procura saltar para mais «altos voos». Venha voar com o Lupeta, através de uma animada conversa entre Lisboa e a pacata Celje.

O futebol está-lhe no sangue. A começar pelo tio Basaúla que deixou história no Vitória de Guimarães, passando também pelo primo Makukula que chegou a internacional por Portugal, com uma curta passagem pelo Benfica. Mas há ainda a família mais próxima que tem fortes ligações ao clube da terra, o Lourinhanense, onde o pai de Lupeta foi treinador e onde também jogou o irmão mais velho, Nando Lupeta. «Tiveram todos influência na minha opção pelo futebol, o Basaúla, o Makukula, o meu irmão, que agora joga no Murteirense, mas acima de todos o meu pai, a minha maior inspiração». O senhor Lupeta Monga, uma verdadeira instituição no Lourinhanense, onde se destacou como goleador nos idos anos oitenta e ficou conhecido como o «Magnusson do Distrital».

Mas esta história é sobre o filho mais novo, Jucie Lupeta. Vamos às origens. Uma história que começa quando o jovem Joaquim… «Joaquim não. Ou Jucie ou Lupeta, Joaquim é que não», interrompe-nos logo a abrir. Fica Lupeta, que é o nome que usa na camisola. Retomando…esta história começa com os primeiros pontapés na bola, quando o menino Lupeta conseguiu equilibrar-se nas duas pernas, a reboque do irmão mais velho. «Comecei a jogar na rua, comecei com o meu irmão, que é três anos mais velho. Comecei a jogar com a geração dele, com os mais velhos. Claro que era tratado como o miúdo. Era eu que fazia os postes, com duas pedras e tal, era eu que fazia tudo. Tinha a responsabilidade de trazer a bola, tinha a responsabilidade se alguém partisse alguma janela ou algum vidro de um carro», começa por contar.

Aos seis anos troca as ruas pelos campos de futebol quando, pela mão do pai, treinador da formação do Lourinhanense, e sempre na pisada do irmão, começa a jogar no clube da terra. «Sempre tive gosto pelo futebol, faltava às aulas para jogar na escola, tinha sempre castigos atrás de castigos». Lupeta afirma-se desde logo como ponta de lança, tirando proveito do já evidente poder físico. «Comecei logo como ponta de lança, mas só comecei a jogar federado aos 12/13 anos. Então jogava ao sábado pelos infantis e jogava aos domingos pelos iniciados».

«Dei nas vistas num jogo em que perdemos 5-0 com o Sporting»

No primeiro ano como jogador federado começa a dar nas vistas, mas a forma como atraiu a atenção do FC Porto não deixa de ser...peculiar. Ainda hoje, passado mais de uma década, Lupeta conta o episódio com humor. «O FC Porto apareceu num caso engraçado. Eles foram-me ver num jogo do Lourinhanense frente ao Sporting, no Casa Pia, em que perdemos (fez uma pausa)…por 5-0. Era o Sporting do João Mário, Ricardo Esgaio, Tiago Ilori, Afonso Figueiredo», começa por contar.

E como é que um avançado deu nas vistas num jogo em que não marcou golos e sofreu cinco? «Fiz um bom jogo é como-quem-diz, não é? Levámos 5-0. Jogar contra aquela geração não era fácil. Eu sei que é estranho, mas dei nas vistas como avançado». Como assim? «Foi uma situação engraçada porque o Ricardo Esgaio, que naquela altura jogava a extremo, jogou como central. Como eu era um ponta de lança possante e forte, puseram o Esgaio a marcar-me. Foi engraçado, tinha um jogador a marcar-me e depois ainda tinha o Tiago Ilori atrás. Passaram os dois o jogo todo em cima de mim», conta ainda sorridente.

A verdade é que o olheiro do FC Porto ficou convencido e aos 13 anos, Lupeta deixava a Lourinhã e a família para trás para rumar à Invicta. «Faço um ano de federado e no ano a seguir vou logo para o FC Porto. No início custou-me um bocado, era um miúdo, mas ao mesmo tempo estava fascinado com tudo aquilo. Era o FC Porto! O choque passou-me completamente».

O talento de Lupeta fica mais do que confirmado ao longo dos seis anos de formação, passando por todos os escalões com muitos golos e, mais importante, sempre com títulos. «Sou o único da minha geração com três títulos de campeão nacional em iniciados, juvenis e juniores». Dias felizes no Campo da Constituição, nas Antas, e deslumbramento perante os ensinamentos de Pedro Emanuel e Paulinho Santos. «O que me marcou mais foi o título de juvenis, com o Pedro Emanuel. Tínhamos uma equipa, uma cultura, uma entrega nos treinos sustentada na nossa amizade. Acima de tudo, acho que o que nos levou ao título foi a nossa amizade dentro de campo. Confiávamos muito uns nos outros, dávamos tudo o que tínhamos uns pelos outros. Se alguém tivesse um problema, eles davam-nos todo o apoio. Ainda por cima com o Pedro Emanuel, depois com o Paulinho Santos e o João Brandão. Só tínhamos de ser campeões».

Seis anos que passaram a voar, com Lupeta a crescer dos 13 aos 19, chegando a internacional nesse período, com chamadas à seleção de sub-18. «Ia à seleção com o André Gomes, João Mário e companhia. Fiz 4 ou 5 golos em 9 jogos», recorda. No segundo ano de júnior, Lupeta chegou a ser chamado por André Villas-Boas, «um treinador inteligentíssimo, com uma capacidade muito grande», para treinar na equipa principal. «Nessa altura ainda não havia equipa B, então era muito mais complicado chegar à equipa principal, hoje parece ser mais fácil. Mas houve muitos que chegaram a treinar com os seniores. Eu, o Tiago Ferreira, o Fábio Martins, o Tozé e o Ricardo Alves».

«Quando soube que não ficava no FC Porto chorei»

Aos 19 anos, Lupeta só tinha olhos para o FC Porto, mas acabou por sofrer uma tremenda desilusão. «Tive um azar, nem digo que tenha sido azar, foi uma lição de vida para mim, passei a dar muito mais valor ao futebol. Nos meus últimos seis meses de contrato com o FC Porto, ainda como júnior, tive uma lesão no joelho. Nesse ano tinha sido criada a equipa B e no final da época houve reuniões para ver quem ficava».

Lupeta não fazia parte da lista. «Quando soube que não ficava foi um choque muito grande. Depois de tudo o que conquistei, depois dos golos todos que marquei, depois de tudo o que fiz, foi um choque. Chorei, claro. É um amor muito grande, comecei a ver aquilo de outra maneira. Eu via o FC Porto de uma maneira…toda a gente sabe, sentia mesmo o clube. Mas pronto».

Limpas as lágrimas, Lupeta cresceu. Agora era sénior, tinha-se de fazer à vida. José Gomes abriu-lhe uma porta. O treinador português tinha acabado de «herdar» o Videoton das mãos de Paulo Sousa que tinha deixado o campeão húngaro para rumar a Israel para treinar o Maccabi Tel Aviv, ainda antes de Basileia e da atual Fiorentina. «O Paulo Sousa tinha ido embora em janeiro e comecei com o José Gomes. Uma equipa que tinha o Marco Caneira, Filipe Oliveira, Vítor Gomes, Petrolina, Zé Luís, tínhamos uma equipa espetacular». O jovem avançado, ainda com 19 anos, rumava ao estrangeiro para a sua primeira experiência como sénior. A adaptação foi mais do que fácil. «Eramos para aí umas seis/sete pessoas que falavam português, mais a equipa técnica, então foi fácil integrar-me ali».

Logo na primeira época, Lupeta conquista a Supertaça da Hungria, e deixa a sua marca com muitos golos. «Não me esqueço quando fiz o meu primeiro hat-trick, num jogo para a Taça da Liga. Foram três grandes golos, foi daqueles jogos que não esqueces», recorda.

«Vitória foi o ponto mais alto da minha carreira»

Ao final da sua segunda época no Videoton, Lupeta recebeu um convite que o deixou sensibilizado. Estava ali a oportunidade de cumprir o sonho de jogar na liga portuguesa depois do corte com o FC Porto. «Recebi um convite do Vitória de Setúbal. Posso dizer que foi o momento mais alto da minha carreira. Abriram-me a porta, ajudaram-me imenso. O Domingos Paciência é como um pai para mim». Lupeta chegava em baixo de forma ao Bonfim, mas com uma ambição imensurável para recuperar rápido. «Treinava muito, treinava de manhã, à tarde ia ao ginásio, depois voltava para o campo com o Chaínho que na altura era adjunto. Ajudava-me, dizia-me onde tinha de melhorar, foi muito bom».

Com a camisola sadina, Lupeta transforma o sonho em realidade. Soma catorze jogos e marca o primeiro golo na Liga, frente ao Nacional, mas o Sporting volta a surgir no seu percurso de forma marcante. Domingos Paciência já tinha deixado o Vitória, os resultados não era bons e a chicotada abriu caminho para a entrada de Bruno Ribeiro. A visita a Alvalade, para um jogo da Taça da Liga, era um dos primeiros testes do novo treinador. Com o Sporting a vencer por 1-0, Lupeta é expulso antes do intervalo. «Foi um choque muito grande para mim, foi uma falta desnecessária. O relvado estava molhado e quando recebi a bola, ela saltou para a área, tentei dominá-la, tentei recuperá-la outra vez e pisei o Wallyson. Foi sem querer, não tive intenção. De repente o árbitro tira o cartão vermelho…fiquei de boca aberta. E esse era o meu primeiro jogo com o Bruno Ribeiro. As coisas aí pioraram…».

O Vitória até empatou esse jogo, com um golo do «amigo» Miguel Lourenço que, por esta altura, também procura a sorte no longínquo Azerbaijão. Mas Lupeta, que já não jogava muito, ficava com o espaço reduzido no Vitória.

«Com o Sunderland à vista nem pestanejei»

É nesta altura que a vida de Lupeta dá mais uma volta. O jovem avançado recebe um inusitado convite do Bidvest Witts, um clube da África do Sul, que tinha um protocolo com o Sunderland da Premier League. «A proposta era boa e eu queria experimentar novas coisas. Foi interessante porque eles tinham um protocolo com o Sunderland e o meu sonho é ir jogar para Inglaterra. Havia essa possibilidade de ir para o Sunderland se tivesse uma época em cheio. Com o Sunderland à vista nem pestanejei, aceitei logo».

De repente, Lupeta mudava de continente, mudava de hemisfério, mudava quase tudo. «É um futebol mais forte e rápido, não tão tático e técnico como em Portugal». Mas a experiência no Bidvest não chega a durar um ano.

Mesmo sem marcar golos, Lupeta atraiu a atenção de Roger de Sá, antigo guarda-redes, de origem moçambicana, que chegou a ser internacional pelos Bafana Bafana, na África do Sul, que na altura tinha assumido o comando do Ajax de Cape Town. «Ele andava de olho em mim. Ligava-me a dizer que me queria. A vontade do treinador é importante para um jogador. Acabei por aceitar. Eles também tinham um protocolo com o Ajax da Holanda. Tinha havido jogadores que no passado tinham ido mesmo para lá. O Steven Pienaar, o Benny McCarthy, o Thulani Serero tinha saído do Ajax de Cape Town para o Ajax de Amesterdão. Eu vi isso com bons olhos, porque não tentar?».

O passado de sucessos na formação no FC Porto levam a que Lupeta seja apresentado na Cidade do Cabo como uma «estrela», mas o avançado português nunca conseguiu corresponder às expetativas criadas, numa equipa que estava em plena crise de resultados. «Tive azar. As coisas no clube não estavam a correr bem, não estávamos a ganhar jogos. Havia muita pressão em cima do treinador e acabaram mesmo por o despedir e as coias mudaram um bocado. Depois disso decidi que tinha de regressar à Europa».

A caminho da Eslovénia

A possibilidade de rumar a Amesterdão, afinal, não era assim tão evidente, mas em janeiro deste ano abre-se uma nova janela. Um convite do Celje, da desconhecida Eslovénia. Era Europa, era o que Lupeta queria, com urgência. «Abriram-me as portas aqui e fui muito bem recebido. Foi um pouco como no Ajax, fui recebido como uma estrela. Querem apostar em mim e fazer de mim algo em grande. Neste momento estamos a fazer tudo para ir à Liga Europa. Se conseguirmos, vai ser muito bom», conta.

Desta vez não há ninguém a falar português. A maior parte do plantel do Celje é composto por jogadores eslovenos ou dos países vizinhos, mas o treinador, Igor Jovicevic, croata, fez a formação no Real Madrid, como jogador, e chegou a jogar no Brasil, com a camisola do Guarani, portanto, arranha um pouco de «portunhol». «Não, aqui ninguém fala português, mas o treinador fala mais ou menos espanhol, foi campeão pelo Real Madrid», conta.

Lupeta chegou depois de uns meses e paragem, teve de recuperar a condição física e só agora recomeçou a jogar. «Tive que me adaptar, tratar da minha condição física. Treinar, treinar muito, para recuperar até ficar bem. Agora já estou a jogar. No último fim de semana já joguei os 90 minutos, está a correr bem», revela.

Lupeta está totalmente concentrado na sua profissão e, para já, mal teve tempo para conhecer a cidade Celje, por sinal, bem bonita. «Tem um castelo? Para ser sincero, ainda não vi muito da cidade. Estou muito feliz por estar de volta à Europa, consegui voltar em grande. A ideia que eles têm é apostar em mim durante um ano e meio e depois deixar-me partir para voos mais altos», comenta.

De volta à Europa, Lupeta procura espaço para voltar a voar e não deixa Portugal de fora do seu plano de voos. «Claro que gostava de voltar à liga portuguesa, todos os portugueses gostavam de voltar», destaca o avançado que tem contrato com o Celje até 2019.

Apesar de estar longe, Lupeta continua a acompanhar a liga portuguesa que, na sua perspetiva, «está um espetáculo», com a luta renhida entre Benfica e FC Porto. «Por acaso fiquei surpreendido, mas aqui há um canal que dá os jogos do campeonato português. Não tenho visto muitos jogos, mas o campeonato está coisa-linda, está um espetáculo. Já não via um campeonato assim há muito tempo. Estou a gostar muito de ver o FC Porto e o Benfica a concorrer para o título. O Sporting também está numa boa série de vitórias».

Portugal, como está visto, continua na mira do jovem Lupeta, até porque é em Portugal que o irmão Nando, que ainda joga no Murteirense,está a tratar do futuro da famíia. «Ele está a tirar Marketing no IADE, está no segundo ano e está a levar os estudos a sério para no futuro a nossa marca de roupa fashion - Trakilo System - estar ao níivel topo», conta ainda Lupeta desde Celje.

Boa sorte Lupeta para o início de mais uma aventura!