O fair play financeiro está a ser trilhado pela UEFA já há alguns anos para que os clubes possam ter as mesmas condições de concorrência. O objetivo está definido: os clubes só podem gastar o dinheiro que têm (conseguem gerar). O processo (ainda transitório) está em curso. Já há resultados: as contas dos clubes estão mais equilibradas. Já houve consequências: clubes suspensos. Mas ainda é um processo. E há pontos por acertar. Um deles faz lembrar o triunfo da justiça civil sobre a desportiva no que ficou conhecido como «Acórdão Bosman».

As regras do fair play nas contas foram debatidas em Lisboa a propósito das jornadas comemorativas do décimo aniversário da «Desporto & Direito – Revista Jurídica de Desporto». No segundo e último dia, nesta quinta-feira, a apresentação das normas da UEFA foi feita pelo juiz conselheiro Cunha Rodrigues, antigo Procurador-geral da Repúlica portuguesa, o primeiro presidente do Comité de Controlo Financeiro de Clubes da UEFA (CFCB). Os regulamentos foram aprovados em 2009, introduzidos no ano seguinte sob gestão de um «painel» que, em 2012, passou ao órgão presidido pelo magistrado português.

Cunha Rodrigues precisou que a UEFA vê «o futebol como desporto e como atividade económica» e que, por isso «os clubes devem viver dentro das suas possibilidades». «Não se pretende que o futebol seja um regime de modéstia, não é o que a UEFA quer», mas, com um processo de licenciamento até há poucos anos insuficiente e «poucos clubes capazes de cobrir despesas com receitas» - em que trinta clubes de topo ficaram em insolvência técnica –, foi preciso apertar as regras. O objetivo é a racionalidade das finanças, o funcionamento na base dos próprios recursos e tendo em vista uma realidade a longo prazo – leia-se, a formação.

Málaga já sofreu consequências pesadas

A ideia do fair play é anunciada como um garante que permita «respeitar aquilo que o futebol tem de não racional». Mas, para conseguir isso, precisamente, é preciso regras apertadas. E quem não cumpre já é penalizado. O Málaga foi o clube mais falado neste defeso, pois a equipa espanhola que em 2012/13 ultrapassou o FC Porto na Liga dos Campeões, na presente época nem à Liga Europa foi. O clube andaluz foi suspenso das competições europeias por dívidas de impostos por pagar e a UEFA não perdoou a suspensão – que até acabou por ser atenuada. O Málaga, pelo seu lado, teve de vender jogadores para pagar as dívidas, como também hoje, nestas jornadas, voltou a ser lembrado pelos intervenientes.

Mas não foi só o Málaga. Este foi o clube mais sonante com uma pena muito pesada. Mas são vários os clubes que já sofreram as consequências do regulamento de fair play financeiro. O Sporting foi, inclusivamente, um deles. O clube de Alvalade foi intimado pela UEFA a comprovar que tinha cumprido os pressupostos financeiros para não ver retirados os prémios pela participação nas competições europeias. O Rapid Bucareste, por exemplo, também foi expulso.

As medidas de penalização vão desde a multa até à retirada de um título, passando pela impossibilidade de inscrever jogadores ou pela exclusão das competições. A UEFA está a mostrar uma mão pesada – mas ainda não tão pesada como promete, pois aceitou muitos recursos que reduziram penas iniciais – e alguns resultados vão aparecendo. Em 2012, os clubes nas competições europeias reduziram as perdas em 36%: E, pela primeria vez desde 2006, as receitas progrediram mais do que os salários. Os números não são novos, mas Cunha Rodrigues não deixou de frisá-los.

Ponto de equilíbrio ou de discórdia?

O ponto de viragem que se quer está centrado no ponto de equilíbrio que se pretende – no inglês da UEFA, o break even. Para que todos estejam em igualdade de concorrência sem mais dinheiro do que têm, as depesas de um clube não podem exceder as suas receitas. Pode haver um desvio de 5 milhões, mas só num período transitório até 2018. Mas vai acabar. Assim como um clube conseguir dinheiro para reforçar-se sem ter esse dinheiro garantido.

Nem todos concordam, porém, como em outros tempos, com a legalidade destas regras. O magistrado português também não se esqueceu de referir o caso jurídico que está neste momento a fazer lembrar outros anos. Como em 1995 Jean-Marc Bosman abalou o futebol europeu ganhando à UEFA o litígio em que futebolista e organismo se envolveram, agora é também outro belga que está a colocar entraves legais a este processo.

Cunha Rodrigues explicou que, no caso de Bosman, o que aconteceu foi que o que esteve em causa foi a liberdade de circulação de pessoas assumida pela União Europeia que chocou com os regulamento da UEFA e que, agora, o que é questionado pelo agente belga Daniel Striani é a liberdade de ciculação de capitais e o direito de estabelecimento. Striani queixa-se da nova impossibilidade de investimento num clube por parte de entidades externas. O empresário belga apresentou na Comissão Europeia uma queixa contra o regulamento da UEFA por ser anti-competitividade e impedi-lo de gerar receitas.

Cunha Rodrigues não deixa de dizer que o break even tem a ver com permitir que todos os clubes tenham finanças sãs» e «impedir que empresas entrem em falência com risco sistémico», para defender a bondade do
fair play  financeiro. Presente também nestas jornadas, o vice-presidente da FFP defende a medida como um investimento «a longo prazo» nos «jovens» dando como exemplo o V. Guimarães ao vender jogadores para cumprir os requesitos financeiros para jogar as cometições europeias e que tãos bons frutos têm dado na seleção portuguesa sub-21.

Hermínio Loureiro destaca a importância da «transparência das boas contas» e a «inexistência de dívidas» por parte dos clubes que este fair play pretende atingir – pois, «com maior transparência e credibilidade consegue-se mais receitas, atrai-se mais patrocinadores, há mais retorno, que é o que é preciso» –, mas lembra que este é ainda um «processo evolutivo» e que, «como os fundos de jogadores, não pode ser resolvido de um dia para o outro». «É preciso criar mecanismos de transição para resolver o problema», avisou o dirigente da FPF.