Na memória de todos vai ficar a polémica do golo que esteve quase a ser. É fatal, mas não é o mais útil para entender uma partida em que, mais uma vez, Simão foi maior do que o Benfica e o Belenenses teve vergonha de tentar ganhar. Resumo: a equipa da Luz continua ligada à máquina e Jesualdo Ferreira ganhou três pontos que lhe permitem continuar a apelar à matemática.

Despachemos o lance da bola que Drulovic fez entrar na baliza de Marco Aurélio mas o árbitro não transformou em golo. Aconteceu no minuto 88, em livre indirecto na grande área. Nestes casos, a lei 13 diz que «a bola entra em jogo logo que seja pontapeada e se mova». A obrigação de o esférico percorrer o seu perímetro desapareceu. Pode ser que o toque de Simão sobre a bola tenha provocado nesta a oscilação de um desejo secreto, um arrepio, um frémito, mas dizer que aquilo foi um pontapé é forçar a realidade. Como o jogo até nem precisou da polémica, deixemos Martins dos Santos com a sua verdade.

E como chegou o Benfica ao desespero de chorar um golo derramado? Utilizando os atalhos do costume. De facto, a equipa de Jesualdo Ferreira é escrava de si própria. Tem de utilizar sempre Jankauskas por que é o ponta-de-lança que tem, Mantorras por que sim, Zahovic por que se espera que um dia saia dali qualquer coisa que nos permita recordar como era e Simão por que é o melhor. Com estes na frente, faltar-lhe-á sempre quem defenda.

A coisa torna-se mais grave quando pela frente aparece uma equipa com bons jogadores, dispostos no terreno para tirar partido das fraquezas alheias. Este domingo essa equipa foi o Belenenses. Vestida para complicar, apareceu com muita gente que gosta de ter a bola. O Benfica deu-se logo mal. Os do Restelo corriam muito e pressionavam bem. É verdade que não criavam oportunidades, mas rematavam muito.

O jogo decorria alegre como os regatos das poesias fáceis quando apareceu Simão. Quer dizer, aparecer é mesmo para dar jeito, pois o extremo há muito andava por ali, fazendo por ser o melhor em campo. O golo, perto do intervalo, ajudou. O remate saiu feliz e consumou um momento de perfeição.

A Luz saltou, eufórica. Apesar de dar para desconfiar que nem tudo estava resolvido, que diabo, um golo daqueles... Acontece que este Benfica não nasceu para ser feliz. Só isso pode explicar que três minutos depois o Belenenses tenha aproveitado um pontapé de canto para empatar. Tudo parado, Pedro Henriques por ali, golo.

Vá lá, Zahovic

As equipas voltaram do intervalo menos interessantes. Talvez por estarem mais cansados os jogadores, o futebol saía menos fluente, a bola andava mais longe dos postes de Enke e Marco Aurélio. Perdíamos todos.

Minuto após minuto, o Benfica foi deixando perceber que não era desta. O tempo acentuava os problemas e não trazia soluções. O meio-campo andava para trás e Jesualdo Ferreira cansou-se de esperar por Zahovic. Aliás, talvez deva cansar-se logo de início. Com muita gente a correr menos do que o esperado, os de vermelho aguardavam pela inspiração de Simão, a capacidade finalizadora de Jankauskas ou uma iniciativa corajosa de Armando. Parecia pouco.

O Belenenses, pelo contrário, tinha agora mais bola. E com mais espaço ficou quando Pepa substituiu Andersson. Por essa altura, Marinho Peres não foi capaz de ser Marinho. Estava mesmo a ver-se que a equipa pedia quem finalizasse. Mas não. Entrou Cafu, ficou Marcão para outros dias.

Sem querer fazer algo que desequilibrasse a equipa, Marinho colocou as mãos na cabeça ao ver o momentâneo lapso de Wilson e Marco Aurélio. Do livre só saiu polémica, mas, estranho, o Belenenses ficou mais afectado do que o Benfica. Tão afectado que as marcações afrouxaram e, por uma vez na esquerda, Drulovic encontrou inspiração para servir Jankauskas.

Assim, vindo do nada, o Benfica ganhava a si próprio. Afinal era dia. Não de jogar bem e convencer, pelo menos de ganhar. Como nem sempre a luz há-de estar ao fundo do túnel, os responsáveis «encarnados» bem podem aproveitar para festejar os três pontos. Na próxima semana, quase certo, o sofrimento estará de volta. Acontece muito às equipas que nem sequer sabem ser felizes. Martins dos Santos esteve muito bem. A interpretação que fez da lei, no lance do livre indirecto, é discutível mas surgiu depois de uma exibição coerente e conseqüente.