Eden Hazard acaba de fazer 23 anos, está a atingir a maturidade em Londres e esta semana, no Manchester City-Chelsea, deu mais um passo num caminho que parece destinado ao topo e que não teve propriamente um início. O futebol nasceu com Eden, e vamos insistir no nome próprio para evitar confusões. Sim, porque Hazard há quatro. Quatro irmãos, e todos eles jogam à bola.

Na verdade, o futebol fazia parte da vida de Eden antes de ele nascer. A mãe, Carine, foi futebolista na primeira divisão belga. E jogou até aos três meses de gravidez, quando esperava o seu primeiro filho. Eden. Foi ela quem o disse aqui há tempos: «O Eden já marcava golos antes de nascer, graças a mim.» Falava numa reportagem do «Le Parisien» em casa dos Hazard. «A fábrica de jogadores mais célebre da Bélgica», como lhe chamava o jornal, é uma vivenda em tijolo vermelho que fica na Rue do Stade (sim...), paredes-meias com um campo de futebol, na vila de Braine-Le-Comte.

Carine, que jogava a avançada, casou-se com Thierry Hazard, também ele jogador de futebol. Era médio e jogou no La Louviére, na segunda divisão belga. Ela deixou de jogar para ser mãe, ele também abandonou o futebol. Ambos são professores de educação física e, com a família a crescer, tornaram-se pais muito atarefados.

De campo em campo, a levar os filhos ao futebol. Começaram cedo, num percurso acompanhado de perto pelos pais, mas não pré-definido, garantem. «Nós somos professores de ginástica. Foi por acaso que os rapazes começaram a jogar futebol. Propusemos-lhes outros desportos, como judo, natação, corrida. Se fossemos uma família de músicos, talvez tivéssemos dirigido antes os miúdos para os instrumentos», diz Carine.

Não houve muitas dúvidas em relação a Eden. Carine: «Um dia, quando tinha cinco anos e meio, o Eden passou por baixo da vedação do jardim para ir para o campo que ficava ali ao lado. No fim do treino, o treinador veio ter connosco para nos dizer que o nosso filho já era dotado. Uma semana mais tarde, já estava vinculado ao seu primeiro clube.»

Eden começou então a jogar no Royal Stade Brainois. Seguiram-se-lhe os três irmãos. Primeiro Thorgan, depois Kylian, a seguir Ethan.

Aqui estão eles, retratados quando tinham mais ou menos a mesma idade, numa imagem única publicada por Thorgan no Facebook:



Voltando a Eden, nunca enganou. José Authom, o seu segundo treinador: «Eden é um sobredotado, sabia fazer tudo. Não tinha nada para lhe ensinar. Não devia dizer isto, mas era quase problemático tê-lo no meu grupo. Enquanto ele dava 500 toques seguidos com a bola, os outros não passavam dos dez.»

Além do talento, Eden tinha enorme estabilidade emocional, conta ainda Authom ao jornal «Nord Eclair»: «Teve a sorte de ter pais muito equilibrados. O Thierry, que era um excelente jogador quando o Braine estava na segunda divisão, não era o tipo de pai que se imiscuía nos treinos do filho. Deixava-o trabalhar e nunca intervinha.»

Aos 12 anos Eden mudou-se para o Tubize, um clube um pouco maior, a uma dúzia de quilómetros de casa, e foi aí que o Lille o descobriu. Quando o clube francês apareceu, os pais acharam que era uma boa opção. Não ficava assim tão longe da casa, duas horas de viagem, e era um clube grande, que lhe dava condições para crescer que não teria na Bélgica. Fizeram o mesmo com os outros filhos. «Até aos sub-14 os grandes clubes belgas como o Anderlecht têm o mesmo nível que os bons clubes franceses. Depois disso os franceses são melhores», analisa o pai Thierry.

Chega a Lille em 2005, com 14 anos, vai conciliando os estudos com o futebol de formação do clube, mas não demora a entrar na órbita da equipa principal. Claude Puel inclui-o progressivamente no grupo e a 24 de novembro de 2007 fá-lo entrar a um quarto de hora do final de um jogo com o Nancy. Tinha 16 anos e 10 meses. Faz quatro jogos nessa época e a partir da temporada seguinte entra de vez na equipa.

Em paralelo afirmou-se nas camadas jovens da seleção belga, mas rapidamente deu o salto para os AA. Estreou-se pela equipa principal dos «Diabos Vermelhos» frente ao Luxemburgo, com 17 anos e 316 dias. Mas a afirmação na seleção não foi linear. George Leekens, que tomou conta da seleção em maio de 2010, chegou a dizer que Eden precisava de trabalhar mais. O próprio jogador chegou a admitir que lhe era mais fácil aplicar-se nos jogos que nos treinos, por aí faltava trabalho.

Eden estava a crescer, mas por esta altura já andava na boca do mundo, presença obrigatória em todas as listas de grandes promessas, elogiado pelos maiores. «Levava-o para o Real Madrid de olhos fechados», dizia Zidane em 2010.

No Lille, a expectativa ia crescendo. Melhor jogador jovem do campeonato francês em 2008/09 e 2009/10, chegou ao topo na época seguinte. Liderou o Lille até ao título de campeão e à conquista da Taça de França, foi eleito melhor jogador da Ligue 1.

Era agora uma certeza e entrou de vez na rota dos grandes da Europa. Acabou por decidir ficar mais um ano no Lille e foi a sua época mais produtiva: 20 golos no campeonato, 22 no total. De novo melhor jogador da Ligue 1, é então que dá o salto.

Podia ir para onde quisesse, escolheu o Chelsea. «Vou jogar nos Campeões da Europa», anunciou via Twitter em maio de 2012. Terá custado 40 milhões aos Blues. Não desiludiu na primeira temporada, o talento estava lá. Acabou com 62 jogos, 13 golos e a Liga Europa, mais uma presença no onze ideal da Premier League.

Este ano chegou José Mourinho, e a primeira reação de Eden foi de apreensão. «No Chelsea já se sabia há algum tempo que ele ia assinar, e disseram-me que ia ser bom para mim. É alguém especial, e será um prazer tê-lo como treinador. Talvez fique um pouco intimidado no primeiro treino, pois estamos a falar de José Mourinho, mas também é um homem, com duas pernas e dois braços. Por isso vamos ter uma relação normal, como tive com os treinadores anteriores», dizia no início de junho.

A «boa influência» de Mourinho

Com Mourinho está a crescer. «O Eden pode tornar-se um dos melhores jogadores do mundo. Agora vê o futebol e a profissão com diferentes olhos. Treina muito melhor, concentra-se muito melhor», disse o treinador português, que depois da vitória sobre o City foi mais longe: «Continuo a dizer que tem de manter os pés na terra. Mas é provavelmente o melhor jovem do mundo nesta altura.»

Os números dão consistência à opinião de Mourinho. Uma estatística da Opta, para reforçar a ideia: Eden Hazard está envolvido em 70 golos de campeonato desde 2011/12, mais do que qualquer outro jogador sub-25 nas principais ligas da Europa.

Thierry, o pai, também vê o filho a crescer com Mourinho, mas mantém-no preso à terra. «Tem prazer no que faz, é o essencial. Foi nesse sentido que eduquei os meus filhos. A personalidade de Mourinho, que sabe alternar rispidez com brincadeira, foi uma boa influência para Eden. Será pretensioso dizer que ele adquiriu nova dimensão esta época. Está num bom momento de forma, com alguns jogos de alto nível», dizia em dezembro.

Thierry falava ao jornal «Voix du Nord», que contava como o pai da família Hazard passa os fins de semana entre os estádios belgas e ingleses. Não é fácil. É aqui que entra Thorgan.

Também é médio ofensivo, foi extremo, agora fixou-se a número 10. Tem 20 anos. E também é do Chelsea. O percurso de Thorgan foi paralelo ao de Eden. O clube da terra, depois o Tubize. No seu caso, o clube francês que se seguiu foi o Lens. «Os meus pais preferiram que não jogasse no mesmo clube do Eden, para evitar as comparações», explicou um dia.

Thorgan com nome próprio

Elas são inevitáveis, claro. Thorgan estreou-se pela equipa principal dos franceses aos 18 anos. Jogou 16 partidas na época 2011/12 e saiu. Quando levou Eden, o Chelsea aproveitou e contratou também Thorgan. Fez a pré-época com a formação dos Blues, mas foi emprestado ainda em agosto ao Zulte Waregem, de volta à Bélgica.

E está a crescer. Fez uma excelente época em 2012/13, numa campanha que viu o Zulte terminar em segundo no campeonato belga, e está a confirmar as expectativas esta época. Há duas semanas ganhou a Bota de Ouro para o melhor jogador a atuar na Bélgica em 2013, o último belga a ganhar o troféu tinha sido Axel Witsel, em 2008. Eden estava em Londres, felicitou-o via Twitter.



Veja Thorgan em ação



No mercado de janeiro Thorgan esteve para deixar o Zulte, assumiu o desejo de rumar ao Anderlecht, mas o Chelsea acabou por prolongar o empréstimo. Na quarta-feira ajudou a equipa a apurar-se para a final da Taça da Bélgica.

Chegou à seleção AA belga em maio, num particular com os Estados Unidos. Tem 20 anos, ainda é cedo para saber até onde chegará, mas pelo menos já conseguiu ganhar nome próprio. Como sublinha o seu treinador no Zulte, Francky Dury: «Já não é o irmão do Eden. É Thorgan Hazard por direito próprio.»

Depois há Kylian. Também passou pelas camadas jovens do Lille, também gerou muita expectativa por causa do apelido. Começou esta época como nº 10 do Royal White Star Brussels, mas foi utilizado em apenas dois jogos na II Divisão belga. Só tem 18 anos e um nome pesado.

E ainda há Ethan. Também já joga no Royal Stade Brainois. Mas Ethan é uma criança, tem nove anos. E, dizem os pais, é o menos focado em futebol dos quatro. Será que algum Hazard vai fugir ao destino futebolístico?