A temporada passada ainda não tinha arrancado quando uma rotura de ligamentos roubou vários meses de competição a Vasco Braga. Terminado um longo período de recuperação, estava pronto a voltar aos relvados, mas a pandemia atraiçoou-lhe os planos.

Mais de um ano e muito sofrimento depois, o menino franzino que aos 15 anos foi dispensado pelo FC Porto voltou a assumir-se no meio campo do Penafiel.

O Maisfutebol chegou ao Municipal 25 de abril, em Penafiel, e o treino ainda decorria, sob o olhar atento de alguns adeptos. Curiosos, de pé e braços cruzados, iam avaliando o que se estava a passar nas quatro linhas. Outros, de carro, abrandavam para cumprimentar quem lá estava. «Também vais a Lagos?», disse um deles. Há jogo para a Taça já este sábado.

O treinador Pedro Ribeiro soou os três apitos indicativos de que a sessão matinal – e única do dia – estava cumprida. Entre cruzamentos ensaiados, remates ao primeiro toque, golos a valerem o dobro pelo apoio frontal, o ‘mister’ ainda reservou uns minutos para quem quisesse aprimorar os pontapés livres ou grandes penalidades. Vasco Braga ficou-se pela marca dos 11 metros e, mais tarde, recolheu ao balneário, quase uma hora depois do previsto.

Voltou logo de seguida para falar connosco, com um sorriso no rosto, a alinhar nas brincadeiras de quem o cumprimentava e encaminhava de volta para o banho. Uns minutos mais tarde, já na sala destinada à imprensa, conversámos com o médio do FC Penafiel.

A época já arrancou e Vasco só não completou os 90 minutos em um dos cinco jogos dos durienses. «Estou a jogar, que é o mais importante», começa por dizer. «Na verdade, este tem sido um início de temporada promissor, ao contrário do último.»

Vasco Braga (à esquerda) num jogo do Penafiel

23 de julho de 2019, último jogo de treino antes da nova época

«Sozinho, depois de saltar, senti um 'estouro' muito grande e uma dor muito forte no joelho», recorda agora Vasco. Um salto inofensivo tornou-se na maior adversidade da carreira do médio. Vindo de dois anos como peça regular no onze duriense, Vasco rompeu os ligamentos cruzados do joelho, no último jogo de preparação antes do arranque da nova época.

As dores não lhe permitiam apoiar o pé no relvado, mas o pior cenário não era uma hipótese que ousasse colocar.

«Não consegui perceber muito bem o que aconteceu», conta, mesmo tendo visto as imagens desse jogo. Veio o diagnóstico e «os cinco minutos em que deixas de pensar».

«Não estava à espera que fosse tão grave. Caiu-me tudo, fiquei sem chão quando soube.  É um desespero, e começas a questionar o porquê de te ter acontecido», revela ao nosso jornal.

Depois de digerir o resultado médico, Vasco confessa que teve de mudar rapidamente a visão sobre o problema. Não se resignou e dedicou-se a ultrapassar o azar que lhe havia batido à porta.

«Há dois caminhos para encarar a lesão: estar sempre a questionar 'Porquê a mim? Porquê nesta altura?' e seres o coitadinho, não quis isso; e há outro, que é trabalhar para recuperar o mais rápido, mas sobretudo, o melhor possível. Sempre meti isso na cabeça, para evitar outra recaída ou outro tipo de lesões associadas ao joelho», conta.

O período de recuperação, um verdadeiro calvário e rude golpe na carreira, fez com que tivesse de mudar a rotina. Deixou Barcelos, onde viveu a vida toda, para estar em Penafiel nos primeiros meses de tratamento. «Vivia para aquilo», confessa.

Com uma carga de tratamentos pesada e constante, era necessário ter a «mente limpa» e não deixar que as emoções comandassem o corpo. Mentalmente, de facto, foi onde o jovem jogador notou mais progressos e buscou ferramentas para enfrentar o período negro em que vivia.

«Acho que é pior a nível mental do que físico. Há dias em que te sentes bem, parece que o regresso está mais perto e depois, noutro dia, fazes qualquer movimento, sentes que o joelho já não está estável e pensas que a recuperação de há umas semanas foi tempo perdido. A minha recuperação durou um pouco mais do que o previsto e quando estava recuperado chegou a pandemia. Para mim a paragem [das competições] até foi boa porque assim sei que recuperei totalmente. Mas é preciso ser mentalmente forte quando se tem uma lesão destas», reconhece.

O menino franzino e inconformado que teve de sair do FC Porto

A carreira de um jogador é feita de altos e baixos, tão próximo está o estrelato como rapidamente passa a ser uma miragem. Vasco desde sempre mostrou habilidade na canhota. Foi isso que o levou ao FC Porto, apenas com 11 anos. Viveu um dos períodos mais felizes, onde podia «estar com os amigos, correr e jogar». Quatro anos mais tarde, foi dispensado, pelo seu porte físico.

«Entenderam que não tinha espaço. Eu era muito franzino, era pequeno e não sei se foi uma desculpa, mas foi a justificação que deram. Fiquei chateado, revoltado, um bocado desesperado porque era onde todos queriam estar, num clube grande», conta.

Vasco (à esquerda) nos tempos do FC Porto

Mas, tal como no período de lesão, não seguiu a linha do conformismo.

«Tinha de perceber que, como eu, havia milhares de miúdos com o mesmo sonho. Naquela altura o importante era jogar, divertir-me, era o ponto chave. Ter prazer no que estava a fazer. E nessa idade não há muitas preocupações, queres é correr, jogar. Naquela altura nem estava com obsessão de querer chegar um dia à equipa principal do FC Porto. Claro que dói, porque ninguém está preparado para isto nesta idade. Era muito novo e ouvir 'não encaixas aqui, ainda não estás preparado' dói e custa, mas faz parte e havia muito futuro pela frente», sublinha.

Desde a saída dos dragões, a ascensão na carreira tem sido feita a pulso. Passou pelos escalões jovens e séniores do Varzim, mas foi numa célebre noite de Taça que se deu a conhecer.

Bendito Vianense-Benfica

Em outubro de 2015, o modesto Vianense, do Campeonato de Portugal, estava prestes a arrancar um empate diante do Benfica, à data campeão, mas os encarnados marcaram em cima do apito final. Vasco foi um dos mais irrequietos e deu nas vistas, tendo chamado à atenção daqueles que ainda não o conheciam.

«Esse jogo foi marcante, fizemos um jogo bastante positivo, um dos mais importantes que tive até agora», lembra.

Apesar da projeção da equipa nessa noite, os problemas surgiram mais tarde. O clube entrou em dificuldades financeiras e «não tinha capacidade para pagar salários». Vasco, a viver em Barcelos, viajava todos os dias para Viana do Castelo, juntamente com outros colegas, de forma a reduzirem despesas – tal como ainda hoje faz, com dois companheiros de equipa. Sem receber, não restou opção senão aceitar um namoro antigo do Vilaverdense, outro clube do Campeonato de Portugal.

Vasco contra Sílvio no Vianense-Benfica de 2015

Apenas meia época com «um dos melhores grupos» que teve nos clubes em que passou, foi suficiente para seguir para o rival, Merelinense. Aí, Vasco explodiu. Em 28 jogos, apontou 11 golos e destacou-se como um dos principais jogadores da turma de Merelim, tendo despertado o interesse de alguns clubes.

«Foi a minha melhor época, a nível de números principalmente, com muitos jogos, sempre que estive disponível. Tivemos excelentes estatísticas e todos os jogadores se valorizaram. Depois tive alguns convites da II Liga, e o do Penafiel foi o que eu achei que era melhor e se enquadrava mais no meu estilo de jogo. Também não queria ir para longe de casa, queria ficar no Norte», conta.

O destaque no Campeonato de Portugal valeu-lhe o bilhete para a II Liga, numa transição que vê mais facilitada nos dias de hoje. «Há muita qualidade no campeonato de Portugal e cada vez está mais fácil para os jovens passarem do CP para a I Liga. Os jovens devem aproveitar, não é por jogarem no CP que devem olhar para o futebol como segunda opção, devem agarrar as oportunidades, porque há sempre alguém atento. Um jogo, um golo ou uma jogada pode decidir uma carreira», alerta.

«O Bruno César tem de vir com o pensamento de ajudar»

À partida para a quarta temporada ao serviço do Penafiel, a chegada à I Liga, não é «uma obsessão». Até hoje, ainda não surgiu nenhum convite, mas, e tal como diz o ditado, sente que «não vale a pena meter a carroça à frente dos bois», apesar de reconhecer que é um objetivo.

Aliás, a forma desanuviada e descontraída com que leva a vida reflete-se dentro das quatro linhas.

«Trabalho todos os dias, tento tirar prazer de todos os jogos e treinos, que é isso que me caracteriza. Sou um jogador alegre e se calhar vejo o futebol de maneira diferente. Em vez daquela obsessão de me querer mostrar, tento ser e jogar de forma natural e acabo por tirar mais valias disso», reconhece.

E por falar em mais valias, o Penafiel ganhou um reforço sonante nos últimos dias. O internacional brasileiro Bruno César, com passagens em Benfica, Estoril e Sporting, chegou aos nortenhos e vai lutar com Vasco Braga por uma posição no miolo duriense.

«Sem dúvida que o Bruno é uma mais valia para qualquer equipa. Tem que vir com o pensamento de que é para ajudar, como nós também o vamos ajudar. Estamos todos a lutar por um lugar e o ‘mister’ escolhe os melhores», admite.

Preparado para enfrentar a competição, o médio de 27 anos já não sente receio «em ir ao choque», que o amedrontou no início da pré-época.

«Quando voltei a trabalhar com a equipa senti-me bem, mas tínhamos treinos em pequenos grupos, sem contacto, por causa das normas da DGS. Depois, quando voltamos a ter contacto, tinha receio. Nos primeiros jogos-treino pensava “meto o pé?”, estava receoso», lembra.

Vasco voltou a jogar futebol, mas encontrou-o totalmente remodelado. As bancadas estão despidas, não pode relacionar-se com as pessoas como queria e o apoio é transmitido de outra forma. O médio sente-se acarinhado pelos adeptos que diariamente tentam marcar presença nas redondezas do recinto desportivo, ou que simplesmente abrandam, buzinam e cumprimentam os jogadores que por lá veem. Mas, além do apoio dos adeptos, sente falta «dos assobios, que também fazem parte» do futebol.

Se há momentos que nos dão lições de vida, para Vasco, a lesão foi um deles. O futebol sempre foi prioritário e, desde cedo, era um objetivo fazer dele a principal fonte de rendimento. Ainda assim, houve sempre um plano B. Está ligado ao mundo empresarial há cerca de dois anos, «de forma a estar precavido e preparar o futuro». O calvário por que passou na última temporada veio dar-lhe razão, pois «o jogador de futebol tem de estar preparado para o pior».

Mas também a própria vida ganhou um novo sentido. A lesão não colocou um ponto final na carreira, mas obrigou a momentos de reflexão, que mudaram a forma de encarar o mundo.

«Aprendi mais num só ano do que em muitos. Um ano de pura aprendizagem em todos os aspetos. Sinto-me um jogador muito mais forte psicologicamente e comecei a ver a vida e o futebol de outra maneira. Agora, sinto que sou muito mais capaz de fazer o que quer que seja, se calhar pequenos pormenores aos quais não ligava ou não me apercebia na vida, agora vejo-os com outros olhos e apercebo-me que talvez devemos mesmo dar importância à vida e aproveitar todos os momentos», revela.

Os olhos estão postos no futuro, que se quer «risonho, mas principalmente sem lesões». Antes disso, há jogo para a Taça já este sábado.