O contexto é este, sobretudo em Inglaterra, mas já não é exclusivo da ilha britânica. O próximo investimento anunciado para um clube de futebol vai, todavia, acontecer mesmo com mais um emblema inglês. A entrada de investidores nos clubes para reforçar as suas sustentabilidade e competitividade – e para o (esperado) retorno – é um negócio do presente.

Neste sábado, o Leeds United anunciou que vai receber um «investimento significativo» de um «consórcio inglês». O clube da segunda divisão inglesa é propriedade do GFH Capital e não está em causa quem continua a comandar os destinos do Leeds: o Gulf Finance House (GFH), um banco islâmico de investimento com sede no Bahrain.

Mas esta oferta de venda não é pública, não está aberta ao investidor comum. Os donos do Leeds acordaram com um consórcio composto por «homens de negócios de alto perfil» a venda de uma parte das ações durante «um período de exclusividade». O investimento tem a concretização prevista para este mês de dezembro a tempo de o clube presidido por Salah Nooruddin estar reforçado financeiramente para atacar o mercado de transferências de janeiro.

Passando pela Inglaterra...

Já passou a ser normal a entrada de empresários e investidores nos maiores e mais emblemáticos clubes ingleses: como em anos mais recentes foram os casos do Manchester City adquirido por Mansour bin Zaeyd Al Nahyan (membro da família real do emirado árabe de Abu Dhabi) ao investidor tailandês Thaksin Shinawatra; ou do Liverpool, vendido pelos também empresários norte-americanos Tom Hicks e George Gillett a John W. Henry, o dono da Fenway Sports Group – grupo que, entre outras atividades, é dono dos Boston Red Sox (beisebol) e Boston Bruin (hóquei no gelo).

O Manchester United foi dos clubes mais noticiados por estes casos de vendas a investidores estrangeiros (se não mesmo o mais noticiado) quando passou para as mãos do clã Glazer, comandado pelo irmão Malcom – o empresário também dono da equipa de futebol americano Tampa Bay Buccaneers. O processo de aquisição do United pela família Glazer durou entre 2003 e 2005 e foi polémico desde 2010. Mas, no presente, já n
inguém parece queixar-se.



Como também não houve queixas do projeto de triunfos (incluindo a contratação de José Mourinho) que o industrial russo Roman Abramovich levou para o Chelsea há uma década – tomando o lugar de Ken Bates que passou a deter o Leeds até à chegada do GFH. Ou como é discreta a presença do empresário norte-americano Stanley Kroenke como maior acionista do Arsenal – Kroenke é também dono dos Denver Nuggets (basquete), Colorado Rapids (futebol), Colorado Avalanche (hóquei no gelo) e St. Louis Rams (futebol americano).

Tudo isto se passa (só) em Inglaterra, onde um dos investidores mais reputados do mundo como George Soros também apostou. Soros revelou (já há um ano) ter quase oito por cento de ações do Manchester United. No Arsenal é Alisher Usmanov quem também está presente (aquele que é considerado o homem mais rico da Rússia detém o controlo sobre os direitos televisivos da Premier League). No Liverpool, a estrela da NBA LeBron James passou a ser um acionista de referência quando negociou com a Fenway Sports Group de John Henry o pagamento em ações pelos direitos da sua representação.

...chega-se à Rússia...

Em Inglaterra vai sendo regra, mas já não é só na pátria do futebol. Na Rússia, a detenção dos principais clubes por multimilionários também já se verifica. Da República do Daguestão apareceu em cena (como participante da Primeira Liga russa) o Anzhi comprado em 2011 pelo investidor e político russo Suleyman Kerimov, que levou para o clube da sua terra natal Roberto Carlos, Etoo e Guus Hiddink.

Na Rússia, os casos de associação dos maiores clubes às grandes empresas e a empresários poderosos vão-se somando. O Zenit não é só adversário do Porto na Liga dos Campeões; é dirigido por Aleksander Dyokov, o também presidente de uma das cinco maiores petrolíferas russas – um gigante empresarial que também patrocina a liga milionária.



O Dínamo Moscovo é detido pelo banco VTB e presidido pelo industrial e empresário russo Boris Rotenberg; o Spartak Moscovo é detido pelo antigo militar agora homem de negócios ligado às petrolíferas Leonid Fedun; e o CSKA é presidido por Yevgeny Giner, político (antigo vice-presidente do parlamento russo) e empresário também no ramo da energia (que também já presidiu à Primeira Liga da Rússia).

...e está-se também já em outros pontos da Europa

Aquele que há vários anos tem sido avaliado pela revista «Forbes» como o homem mais rico do mundo, o mexicano Carlos Slim – alternando de quando em vez naquele estatuto com o empresário da informática Bill Gates –, também já chegou à Europa. O empresário mexicano da comunicação social já tinha comprado através das suas empresas uma parte da holding que detém uma percentagem dos clubes do seu país Pachuca e Leon. No ano passado, Slim tornou-se acionista maioritário do Oviedo em Espanha.

2011 foi um marco da entrada em França dos grandes investimentos estrangeiros nos clubes de futebol de um país. O investidor russo Dmitry Rybolovlev comprou o Monaco e para esta época de regresso à Ligue 1 investiu 160 milhões de euros na equipa. A Autoridade de Investimento do Qatar comprou o PSG colocando Nasser Al-Khelaifi como o primeiro presidente não francês do clube a gerir a construção de uma forte equipa europeia que, para esta temporada, investiu mais 85 milhões de euros.

Vários clubes do mesmo dono

O Red Bull Salburg (anterior e regressivamente Wünstenrot, Casino e Áustria Salzburgo) e o New York Red Bulls são os exemplos da aposta no futebol (deste e do outro lado do Atlântico) feita por Dietrich Mateschitz, o homem forte da bebida patrocinadora de várias modalidades – de que é exemplo o domínio avassalador desde há vários anos na Fórmula 1. A bebida energética não tem construído equipas ganhadoras, mas o investimento tem sido mais no sentido de ter um clube com a sua marca em vários campeonatos e mercados: além dos dois já referidos, existem ainda o Red Bull Leipzig, o Red Bull Brasil e o Red Bull Ghana.

Esta concentração de emblemas de vários campeonatos tem na Europa um expoente na família Pozzo. O clã liderado pelo empresário Giampaolo é neste momento dono de clubes em Itália, Espanha e Inglaterra. Após a compra da Udinese em 1986, os Pozzo adquiriram mais recentemente o Granada em 2009 e o Watford em 2012. Em vez de grandes investimentos nas equipas, a estratégia Pozzo tem sido a do scouting criando uma rede de descoberta de jovens talentos aplicada aos três emblemas e que já deu frutos com as confirmações de Muntari (agora no Milan), Quagliarella (Juventus), ou Alexis Sánchez (Barcelona).



Neste âmbito europeu, estas redes de clubes que permitem facilmente a circulação de jogadores entre emblemas do mesmo dono não têm sido bem vistas. Mas há também quem defenda que se permite aos clubes ter o que precisam, os jogadores, e a estes o que necessitam, jogar. A concentração de clubes parece merecer mais atenção quando são europeus, mas as parcerias entre clubes por jogadores, por outro lado, são prática comum assumida.

A regulação destas novas realidades na Europa ainda é um processo em andamento – nos Estados Unidos, por exemplo, Stan Kroenke tem o seu St. Louis Rams em nome do filho porque a liga de futebol americano (NFL) não permite acumulaçãon de equipas mesmo em desportos diferentes. O fair-play financeiro é um dos instrumentos que a UEFA apresenta para impedir que muitos magnatas tenham, também, um clube de futebol que, quando o dono se fartar de investir, fiquem sem condições de sobrevivência.

Mas os investidores defendem-se – além das questões jurídicas que a livre transação de bens pode levantar ao nível da União Europeia com eventuais restrições no plano do futebol – que são também eles quem pode garantir que os clubes têm solidez financeira e são sustentáveis – como foi a entrada de Slim no Oviedo evitando que o clube espanhol entrasse em bancarrota – para que seja garantido esse mesmo fair-play.

Inter dá-se como exemplo para o fair-play financeiro

Este argumento da solidez assegurada pelos investidores foi precisamente um dos utilizados por Erick Tohrir na oficialização da compra do Inter Milão pelo grupo empresarial a que preside. O investidor indonésio é dono de clubes de futebol e basquetebol no seu país e, depois de fazer parte do consórcio que adquiriu os Philadelphia 76ers, entrou no futebol europeu.

Massimo Moratti anunciou as negociações para a venda do Inter em Setembro, em Outubro ficou feito o negócio e já a meio deste mês foi feita a cerimónia de passagem de testemunho, naquele que é o mais recente caso destes que temos vindo a falar. Na ocasião solene, Thohrir justificou o investimento precisamente com as novas regras de fair-play financeiro que a UEFA coloca atualmente em jogo.

«É importante para nós – a nova direção – garantir que o Inter está a ganhar, dá gosto ver jogar, mas é também saudável finaceiramente e pode competir com outros clubes nesta altura. A indústria do futebol mudou», disse o investidor indonésio, cujo grupo aumentou o capital do clube em 10 milhões de euros, pagou 65 milhões pelos 70 por cento das ações da família Moratti e assumiu os 180 milhões de dívidas do Inter. O negócio foi avaliado globalmente em 350 milhões de euros.