Impondo a primeira derrota nesta Liga Europa à favorita Juventus, o Benfica parte para a segunda mão, em Turim, com uma ténue vantagem (2-1), idêntica à que não conseguiu segurar há 21 anos, diante do mesmo adversário. Mas a reação final ao golo de Tevez e a uma fase prolongada de domínio italiano foi a melhor demonstração de que o estado de graça pela conquista do título tem peso, e pode voltar a baralhar as contas aos italianos, dentro de uma semana.

Quando, ainda no segundo minuto, Garay cabeceou o canto de Sulejmani para fora do alcance de Buffon, aproveitando a passividade de Bonucci, muita gente na Luz deve ter perguntado ao parceiro do lado se tudo não passava de um sonho ininterrupto, de domingo a quinta-feira. Foi como se não tivesse havido interrupção entre os festejos do título e o início do jogo: ganhando canto no primeiro ataque e marcando no primeiro remate, o Benfica entrou na 14ª meia-final da sua história sobre uma nuvem de boas sensações.

Sem Salvio e Gaitán, Jesus recorreu aos aceleras sérvios para os flancos e manteve André Gomes no eixo, pelo terceiro jogo consecutivo, para aproveitar os restos da injeção de moral com o golaço ao FC Porto. Mais importante do que o onze era, porém, o plano destinado a retirar Pirlo do jogo, anulando a primeira arma de construção da Juventus.

Sempre que a bola chegava aos centrais, Rodrigo e Cardozo pressionavam de forma intensa, sendo ajudados por um dos extremos. A cortina de três obrigava Cáceres, Bonucci e Chiellini a pensar rápido e a executar com precisão – algo que definivamente não lhes está nos genes. Como prémio, a Juve perdia muitas bolas no seu meio-campo ou, em alternativa, procurava um futebol mais direto, saltando por cima do seu maestro. Durante 20 a 25 minutos, o plano foi perfeito e o Benfica manteve o jogo onde quis.

Aquele momento de Enzo

Altura de constatar uma evidência, que até aí tinha passado despercebida: a Juventus é uma grande equipa e, como tal, tem várias soluções alternativas. Habituada a decidir jogos nos pormenores – na Série A é um modo de vida – sentiu o cheiro a sangue nas primeiras hesitações encarnadas, quase todas protagonizadas por um André Gomes algo lento nas decisões.

Com Pogba a dar intensidade física e profundidade ao flanco direito, e com Tevez a recuar para pegar no jogo, pontuando todas as suas ações com pormenores de classe, tudo o que aconteceu até ao intervalo servir para moralizar a Juventus e para obrigar o Benfica a transformar-se numa equipa de contenção e paciência – tudo aquilo que não estamos habituados a associar às equipas Jorge Jesus.

O técnico não mexeu ao intervalo, mantendo confiança no já amarelado André Gomes, e acreditando que o Benfica tinha argumentos para sair do buraco para que a Juventus o empurrava, passe a passe. Mas, à parte uma ou outra aceleração de Markovic ou Siqueira, a sensação de que o jogo se inclinava para a baliza de Artur transformava-se em certeza com o passar do tempo.

É verdade que, já depois da primeira grande defesa de Artur, após grande cabeçada de Pogba (55 minutos), aconteceu um lance determinante na história do jogo, quando Enzo foi derrubado na área por Cáceres, com o turco Çakir a mandar jogar. Era a melhor hipótese que o Benfica tinha de consumar um guião de sonho. A partir daí, com as mexidas dos técnicos, as coisas iam ganhar um ritmo alucinante.

Os suplentes agitam

Jesus foi o primeiro a mexer, trocando Sulejmani – visivelmente a perder gás depois de uma boa primeira parte - por André Almeida e, depois, Cardozo por Lima, para dar mais mobilidade ao ataque. O problema é que a bola raramente lá chegava e as coisas pioraram com a entrada de Giovinco na Juventus, a ligar melhor o jogo com nas imediações da área. Asamoah, invisível na primeira parte, era agora uma fonte de problemas para Maxi, e foi de uma aceleração sua que nasceu um empate que se adivinhava há alguns minutos: Tevez, com uma simulação de classe, recolheu o passe atrasado, tirou dois defesas do lance e bateu Artur com um remate rasteiro.

Depois de ter estado vários minutos na frente do jogo, a Juventus estava pela primeira vez no comando da eliminatória, e parecia difícil que o perdesse. Mas a saúde dos campeões recém-consagrados vê-se também na forma como se motivam com pequenas coisas. A terceira substituição de Jesus, com Ivan Cavaleiro no lugar de um desinspirado André Gomes, deu um pequeno balão de oxigénio ao Benfica, que o aproveitou da melhor maneira. Aos 83 minutos, num lance cozinhado por dois suplentes, Lima apareceu embalado para concluir de primeira o espaço aberto por Cavaleiro. Um golaço, sem hipótese para Buffon, que embalava o jogo para uns frenéticos minutos finais.

Aí, Artur voltou a ser decisivo, negando golos a Marchisio e Chiellini, enquanto do outro lado Markovic passou a centímetros da glória, após grande trabalho de um Lima demolidor. O jogo acabava pouco depois, com o Benfica a recuperar, sobre a meta, uma ligeira vantagem, atenuada pelo facto de ter sofrido o «tal» golo que importava evitar. Um desfecho idêntico ao de há 21 anos e, como tal, nada tranquilizador para o desfecho da eliminatória. Mas, dadas as circunstâncias, acaba por não ser um mau negócio até porque, para lá das suas forças, a Juventus mostrou também ser estranhamente vulnerável em termos defensivos. E esse é um bom indício para um jogo com previsível inversão de papéis em Turim.