Há pouco mais de um mês as coisas estiveram muito agitadas em Alvalade e era de prever que não tinha ficado por ali, mas ninguém imaginaria que chegasse ao ponto a que chegou. Desde o final do campeonato nos Barreiros, pouco mais de 48 horas que dificilmente deixarão de ficar para a história como os tempos mais negros dos 112 anos de vida do Sporting. Desde que terminou o jogo com o Marítimo à sucessão de eventos que redundou num ataque violento a jogadores e treinadores, funcionários detidos e a direção para já a centrar, de novo, o discurso num pedido de uma Assembleia Geral extraordinária, o Maisfutebol procura reconstituir o que se passou e o que está em causa, com muitas consequências ainda por vir.

Depois daqueles dias de abril, marcados pela posição dos jogadores em reação a críticas do presidente, pelas ameaças de retaliação e processos de Bruno de Carvalho e a pedidos para Assembleia Geral, tanto da direção como de um presidente da AG que chegou a dizer que o presidente não tinha condições para continuar, mas que ficaram pelas palavras, entrou-se num período de tréguas aparentes. O Sporting chegou à última jornada, em casa do Marítimo, em igualdade pontual mas com vantagem sobre o Benfica na luta pelo segundo lugar. Na véspera do jogo o presidente voltou a falar sobre o litígio com a equipa, em duas entrevistas, com referências também à forma como o treinador lidou com o caso.

A derrota nos Barreiros e os primeiros sinais críticos

No domingo, ao final da tarde, o Sporting sofreu um golo, reagiu mas acabaria por perder mesmo nos Barreiros, num lance em que o capitão Rui Patrício falhou. O Sporting terminou a Liga em terceiro e fora do acesso à Liga dos Campeões.

Logo no relvado, os primeiros sinais de mal-estar. Os jogadores dirigiram-se aos adeptos, como de costume, mas Rui Patrício voltou para trás, ao ouvir insultos. E Acuña fez menção de reagir às críticas, tendo sido acalmado por Montero. Ainda no estádio a equipa enfrentou protestos de adeptos, que voltaram a repetir-se no aeroporto. E depois em Alvalade, à saída dos jogadores e treinador do estádio no exterior, enquanto alguns indivíduos entravam mesmo na garagem e confrontavam os jogadores.

Reuniões em Alvalade e futuro sentenciado para Jesus

Na segunda-feira Bruno de Carvalho chamou jogadores e treinador para reuniões em Alvalade. As primeiras informações deram conta de que Jorge Jesus foi informado que estava suspenso, algo que Bruno de Carvalho desmentiu à saída. O Maisfutebol escreveu que o treinador tinha sido informado que não fazia parte dos planos para a próxima época e que ficou no ar a hipótese de um processo disciplinar. Há três anos, o então treinador Marco Silva, antecessor de Jesus, foi alvo de um processo disciplinar precisamente depois de vencer a Taça de Portugal.

Agora, a época do Sporting não tinha terminado, havia a final da Taça de Portugal para jogar no domingo. Para terça-feira estava agendado aquele que seria o primeiro treino de preparação da decisão do Jamor, às 16 horas.

Suspeitas de manipulação de resultados, primeiro no andebol

Mas o dia de segunda-feira começou com notícias de teor bem diferente. O Correio da Manhã noticiou uma investigação a alegada compra de resultados do campeonato nacional de andebol da época passada, 2016/17. A denúncia partiu de um empresário «arrependido» que teria feito parte do processo e que envolvia André Geraldes, «team manager» do Sporting e uma das figuras mais presentes esta época no futebol leonino.

A Procuradoria-Geral da República confirmou a investigação, o Sporting adiou uma reação, mas informou mais tarde que abriu um processo de inquérito ao outro funcionário envolvido nas denúncias, Gonçalo Rodrigues. André Geraldes recorreu a uma rede social para dizer que estava «de consciência tranquila».

O terror em Alcochete

E nisto, a equipa e o treino marcado. Jorge Jesus chegou a Alcochete cedo, pela hora de almoço. Hora e meia mais tarde, depois de a CMVM ter pedido esclarecimentos sobre as notícias em torno do clube, o Sporting emitiu um comunicado sobre Jorge Jesus, que se limitava a dizer que o treinador iria orientar a equipa na final da Taça de Portugal, sem falar no futuro de um técnico que tem ainda mais um ano de contrato.

E a meio da tarde, o impensável. Passava pouco das 17 horas quando um grupo de quatro dezenas de homens encapuzados invadiu a academia de Alcochete, depois de intimidar os jornalistas que se encontravam no exterior, invadiu o balneário e agrediu o treinador e vários jogadores. As imagens mostram a violência e o terror, a mais impactante de todas a mostrar as feridas na cabeça de Bas Dost, o goleador dos «leões» nas últimas duas épocas. Leia aqui o relato do que se passou em Alcochete

O Sporting emitiu um comunicado a confirmar e a repudiar as agressões e nas horas que se seguiram ao ataque foram detidos vários indivíduos. Um total de 23, informaram as autoridades. A GNR explicou todos os passos desde o primeiro contacto a partir de Alcochete.

Seguiram-se muitas reações de choque e, ao início da noite, uma conferência conjunta dos secretários de Estado do Desporto e da Administração Interna com foco na final da Taça de Portugal, a prometer todas as condições de segurança no Jamor e a garantir a chamada dos responsáveis pela violência de Alcochete à justiça, sem uma posição clara sobre uma eventual associação dos indivíduos a uma claque organizada do Sporting, a Juve Leo. Pela madrugada, a claque demarcou-se dos incidentes, numa publicação numa rede social.

O presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, que chegou a Alcochete depois dos incidentes, falou ao canal do clube e lamentou o que se passou, dizendo que se tratou de um crime, que foi tudo «chato» mas as pessoas têm de se habituar a que o crime «faz parte do dia a dia».

Pela noite, já com uma vigília de algumas centenas de pessoas em Alvalade numa manifestação de solidariedade com a equipa, jogadores e treinador do Sporting, bem como outros funcionários que se encontravam na Academia na altura do ataque, dirigiram-se pelos seus próprios meios à esquadra da GNR do Montijo, para apresentar queixa e prestar depoimentos. Os últimos a deixar o local sairam já depois da meia-noite. Poucas palavras, a não ser a expressão do choque.

Buscas em Alvalade e suspeitas também no futebol

Ainda sob o choque do que aconteceu em Alcochete, a quarta-feira amanheceu com novos desenvolvimentos em relação às suspeitas de corrupção da véspera. Buscas da Polícia Judiciária, em Alvalade e não só, confirmadas pela PGR. E a informação de que não estão em causa na investigação apenas jogos de andebol, mas também de futebol, partidas do campeonato que agora terminou.

Jogadores no Sindicato e disponíveis para jogar no Jamor

Quanto à equipa, não treinou, naturalmente, nem havia ao início do dia previsão de quando ou se iria voltar ao trabalho em breve. Os jogadores reuniram-se de manhã com o Sindicato dos jogadores. E no final emitiram um comunicado em que, frisando a gravidade dos acontecimentos, anunciaram que estavam apesar de tudo disponíveis para jogar no domingo a final da Taça de Portugal.

Cashball, operação com nome e André Geraldes entre quatro detidos

Ao final da manhã, a confirmação de que havia quatro detidos por suspeitas de «corrupção ativa» no âmbito da investigação a manipulação de resultados que foi batizada como «Cashball». E depois o Sporting a confirmar, após novo pedido de esclarecimento da CMVM, que entre eles estão dois funcionários do clube, André Geraldes e Gonçalo Rodrigues.

No que diz respeito às suspeitas concretas, são citados entre outros os jogos com V. Guimarães e Feirense da primeira volta. Ambos os clubes reagiram com estupefação. Também João Aurélio, jogador do V. Guimarães que foi envolvido nas notícias sobre o processo, já reagiu, garantindo-se «completamente inocente» e revelando que nunca foi chamado sequer para prestar declarações sobre o assunto,

Os detidos estão nas instalações da Polícia Judiciária do Porto.

Terrorismo, ameaça agravada e sequestro para os agressores de Alcochete

Ao final da tarde, o Ministério Público emitiu um comunicado a explicar que pretende enquadrar o que se passou em Alcochete nos «crimes de introdução em lugar vedado ao público, ameaça agravada, ofensa à integridade física qualificada, sequestro, dano com violência, detenção de arma proibida agravado, incêndio florestal, resistência e coação sobre funcionário e também de um crime de terrorismo». Começarão a ser ouvidos nesta quinta-feira.

E no meio disto o Jamor

Em todo este processo nunca houve sinais de que tivesse sido posta em causa a realização da final da Taça de Portugal. Ela está prevista, com reforço de segurança no treino oficial do Sporting marcado para sexta-feira no Jamor e com as autoridades a garantirem foco num evento em segurança. Mas sem a garantia da presença do Presidente da República - Marcelo Rebelo de Sousa, que se disse «vexado» pelo que se passou em Alcochete, não confirmou se vai estar - e desde já com a informação, garantida pelo presidente da Câmara de Lisboa, que o Sporting não irá aos Paços do Concelho se vencer, dadas as circunstâncias.

Houve algumas vozes a questionar a normal realização do jogo, entre elas Ferro Rodrigues. O presidente da Assembleia da República, que é adepto do Sporting, disse mesmo que não o chocaria se o jogo se realizasse à porta fechada.

Ferro Rodrigues também defendeu, como muitos antes dele, que a questão vai para lá dos agressores e apontou o dedo aos «dirigentes desportivos e aqueles que fazem do futebol português esta desgraça».

O primeiro-ministro, António Costa, deixou por seu lado no ar a ideia de um impedimento legal para atuar nestas circunstâncias e anunciou a criação de uma «autoridade nacional contra a violência no desporto, que permita agir nestas situações».

Direção volta a pedir AG extraordinária

Para lá das reações, a quarta-feira não terminou sem novo comunicado do Sporting. Dois, na verdade. Um deles trazia mais esclarecimentos em resposta à CMVM. Neste caso sobre os contratos do jogadores e a garantir que não houve pedidos de rescisão e não há suspensões em vigor.

O outro foi um comunicado da direção a reiterar a condenação dos acontecimentos de Alcochete, a reafirmar a dispnibilidade para colaborar com as investigações judiciais e a solicitar a marcação de uma Assembleia Geral Extraordinária «para analisar a situação actual do clube, auscultar os sócios e dar todas as explicações que estes entendam necessárias». Ao qual se seguiu uma nota da mesa da Assembleia Geral a reforçar uma informação que o seu presidente, Jaime Marta Soares, já tinha dado na noite de terça-feira em Alcochete, a de que promoverá na segunda-feira uma reunião dos orgãos sociais do clube.

O próprio futuro imediato é uma incógnita, em circunstâncias absolutamente anormais. E o fim continua sem estar à vista.

Acompanhe aqui todos os desenvolvimentos