O Maisfutebol desafiou os treinadores portugueses que trabalham no estrangeiro, em vários pontos do planeta, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:
Leia a apresentação de Manuel Madureira
«Grato por mais uma oportunidade que a vida me proporcionou, lá rumei numa longa viagem, que se iniciou de carro até à estacão dos comboios de Aveiro para tomar o Alfa Pendular.
Duas horas depois, estava em Lisboa. De táxi cheguei ao aeroporto, como mandam as regras, duas horas antes para efectuar o check in. Cerca de três horas depois levantamos voo para Madrid em Espanha e, após uma escala de duas horas, mais sete horas de voo para o
Qatar.
Mais uma escala de duas horas e por fim novo voo para Damam, na Arábia Saudita. Por fim, uma viagem em mini-bus de cerca de 90 km até Al Khobar, cidade que me acolheu no Aparthotel Massara House.
Trabalhei num grupo de trabalho composto por três treinadores portugueses, com o Filipe Azevedo e o João Luís, todos liderados pelo professor Mariano Barreto.
Fui bastante bem acolhido pela estrutura e fiquei como
treinador principal dos Sub/20, prestando o meu auxílio na equipa sénior liderada pelo mister Mariano Barreto.
A primeira grande adaptação foi a mudança radical da nossa
temperatura média em Portugal, dos cerca de 15/20 graus diários para os quase 50 graus, não esquecendo que à noite, a temperatura raramente baixa dos 35 graus.
Após umas horas de descanso e porque estavam no Ramadão, o dia inverte os hábitos regulares e a maioria das coisas que antes se faziam durante o dia, passam a realizar-se durante a noite.
Fui transportado à sede do clube Al Qadisyah FC, onde fui apresentado oficialmente, e ato contínuo fiquei sem o meu passaporte sendo o mesmo substituído por uma declaração do clube em como eu estava a trabalhar como
treinador.
Só voltei a ver o meu passaporte no dia em que fui embora.
Nesse espaço de tempo, sem eu nunca ter ido ao Bahrein, o meu passaporte esteve sete vezes no país vizinho onde foi carimbado como se eu lá estivesse estado, sem contudo ter saído de Al Khobar.
Qual foi o intuito dessa operação? Desconheço. Receber o prémio de assinatura como havia sido acordado, mal assinasse o meu contrato, foi mera utopia. Acabei por receber o meu primeiro ordenado quatro meses após ter chegado e ter começado a trabalhar.
Nesse meio tempo fui recebendo algum dinheiro para ir sobrevivendo e poder quase miseravelmente enviar uma esmola à família. Voltar as costas batendo com a porta era muito complicado.
As coisas só se compuseram quando consegui ter acesso à Embaixada de Portugal em Riade na Arábia Saudita, o que convenhamos, deixou umas azias no ar.
Após ter falado com o Sr Embaixador de Portugal, em menos de 24 horas recebi o dinheiro em débito e um bilhete de avião acompanhado do meu passaporte para regressar de imediato a Portugal.
Foi este o preço que paguei por defender os meus direitos, o direito de ter a minha documentação na minha posse e o direito de ser ressarcido dos meus créditos laborais.
Estava em primeiro lugar no campeonato.
A minha equipa acabou por ganhar o campeonato nacional e desse grupo de trabalho estão três jogadores na equipa sénior sob a orientação do professor Mariano Barreto, sendo que o Sally Ahmeri, é titular indiscutível no posto de ponta de lança e melhor marcador do campeonato, apenas com 19 anos.
Nem me pude defender ou argumentar rigorosamente nada.
Tive de aceitar.
Conclusão: cada país tem regras de conduta muito particulares e o homem que tenha que sair do seu próprio país para trabalhar terá que ter muita sorte,
ser culto e instruído para não se deixar surpreender por essas incongruências aqui citadas.
Por hoje fico por aqui.
Despeço-me com um abraço amigo.
Manuel Madureira»
Made In
18 fev 2013, 11:19
Manuel Madureira: um passaporte e sete carimbos-fantasma
Crónicas Made In Portugal
PJC
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