«Eu sou o padrinho de Eusébio. Fui eu que o orientei este miúdo»

As declarações de Mário Coluna na gala do 105º aniversário do Benfica, em que recebeu a águia de ouro (2009), são manifesto da relação entre as duas grandes figuras do futebol nacional e do clube encarnado. O «senhor» Coluna e o «king» Eusébio partilharam uma vida dentro de campo, mantiveram a amizade ao longo das décadas e até na hora de partir estiveram juntos, morrendo com uma diferença de menos de dois meses. São duas más notícias num curtíssimo espaço de tempo.

Nascido na ilha da Inhaca, Moçambique, há 78 anos (6 de agosto de 1935), Mário Esteves Coluna era filho de mãe moçambicana e pai português. Começou a dar nas vistas em jogos de futebol no Alto-Mahé e no João Albasini (o primeiro onde jogou calçado), mas depressa chegou ao Desportivo, filial laurentina do Benfica, que não teve problemas em ir buscá-lo, ainda júnior. Chegou a jogar basquetebol, a praticar pugilismo e foi recordista nacional do salto em altura (com 185cm), mas o seu destino era o futebol.

Chegou ao Benfica em 1954 com apenas 19 anos e o rótulo de goleador, mas Otto Glória cedo percebeu que aquele poderia ser um médio ofensivo de eleição. A sua influência em campo fez-se sentir durante as décadas de 50 e 60. Era um «monstro» no relvado, um «senhor», o «capitão». Enfim, como todos gostam de o recordar: um «monstro sagrado». Ao serviço da Seleção fez 57 jogos, marcou oito golos e foi um dos jogadores fundamentais no Mundial de 1966.

Na primeira época de encarnado, em 1954/55, marcou 17 golos em 32 jogos (26 no campeonato e 6 na Taça), naquela que seria a temporada mais produtiva em termos ofensivos. A partir daí passou a assumir novas funções e deixou os golos para outros, o que não o impediu de marcar em momentos decisivos, como nas duas conquistas europeias, de 1961 e 1962. Na primeira, em Berna, fez o 3-1 ao Barcelona; na segunda, em Amesterdão, fez o 3-3 ao Real Madrid (a meio da caminhada triunfal para a vitória por 5-3).

Depois da retirada de José Águas passou a ser o «capitão». Ao todo conquistou 19 títulos no Benfica, tornando-se no jogador com mais conquistas no historial do clube. Aos 34 anos, fechou a sua última época na Luz (1969-1970) com um jogo de despedida contra uma seleção de grandes jogadores vindos do estrangeiro. Representou ainda o Desportivo Lourenço Marques (antes de ir para Lisboa), cumpriu uma época no Lyon (1970/71) e terminou a carreira no Estrela de Portalegre (1971/72), como treinador-jogador. Viria a ser ainda técnico nos juniores do Benfica, no Benfica de Nova Lisboa (onde estava, quando aconteceu o 25 de abril de 1974) e foi o primeiro campeão nacional moçambicano, quando orientava o Textáfrica de Chimoio (1976).

No tempo em que esteve ligado ao departamento juvenil dos encarnados teve uma das ações mais importantes para o clube: descobriu Chalana no Barreirense. Em 1974, por indicação de Bento, foi à outra margem observar um jovem de 14 anos que começava a dar nas vistas e logo avisou a direção que era preciso contratá-lo. Genial.



Fortes raízes moçambicanas

A história é conhecida e foi contada repetidamente em janeiro, por altura da morte de Eusébio. Quando o avançado chegou a Lisboa, trazia uma carta de recomendação da mãe para ser entregue a Mário Coluna, para que este olhasse pelo jovem que ia para o Benfica. Sete anos mais velho e também nascido em Moçambique, tinha a responsabilidade de acompanhar o percurso do pantera negra. As famílias Coluna e Ferreira conheciam-se de Lourenço Marques e o «senhor Mário» não teve problemas em acolher o jovem em 1960. Quando Eusébio chegou, Coluna já tinha oito épocas no Benfica e quatro títulos de campeão.

Depois da independência de Moçambique não demorou muito a aceitar o convite de Samora Machel e regressou. Primeiro foi deputado, depois responsável pela área de transportes do governo e finalmente presidente da Federação Moçambicana de Futebol, em dois mandatos (para além de também ter sido selecionador). Tornou-se um dos mais respeitados símbolos do desporto nacional moçambicano,

Entre os vários méritos recebidos ao longo dos anos depois de terminar a carreira destacam-se o Colar de Honra ao Mérito Desportivo entregue pelo Governo português e a presença na lista dos 100 melhores jogadores de futebol do séc. XX, elaborada pela FIFA. Ainda antes de assumir a presidência da Federação Moçambicana de Futebol conseguiu que a FIFA apoiasse a criação da Academia Mário Coluna, que foi instalada em Namaacha.

É águia de ouro pelo Benfica e esse seria um dos seus maiores orgulhos recentes. Na gala em que recebeu a distinção agradeceu ajoelhando-se. Esse momento foi agora recordado por Luisão como forma de o homenagear.


Ao contrário de Eusébio e outros naturais de Moçambique, Coluna foi dos poucos que regressaram ao país de origem após a independência (juntamente com Armando Manhiça, que jogou no Sporting e no FC Porto). Por cá ficaram figuras do passado como Mário Wilson, Juca, Eusébio e Hilário, entre muitos outros. Matateu radicou-se no Canadá e Abel nos Estados Unidos.

O respeito no seu país é enorme, também na hora da despedida. «Mário Coluna foi sempre embaixador do desporto de Moçambique», disse o antigo ministro da Juventude e Desporto Joel Libombo, destacou a parte «humana e patriótica» do ex-presidente. O biógrafo do «monstro sagrado», o jornalista Renato Caldeira, assinalou que Coluna «era um indivíduo com um cariz muito próprio, que teve vários dissabores ao longo da vida» e recordou uma «ovação de 10 minutos» num estádio açoriano durante um jogo Portugal-Moçambique.

TODOS OS DADOS DE MÁRIO COLUNA

Nome: Mário Esteves Coluna.
Data de nascimento: 6 de agosto de 1935 (78 anos).
Naturalidade: Inhaca, Moçambique.
Nacionalidade: Portuguesa, Moçambicana.
Posição: Médio.
Alcunha: Monstro, Monstro Sagrado, Capitão, Senhor Coluna.

Percurso como jogador: Desportivo Lourenço Marques - atual Desportivo de Maputo (1952 a 1954), Benfica (1954/55 a 1969/70), Olympique de Lyon (1970/71), Estrela de Portalegre (1971/72, treinador-jogador).
Percurso como treinador: Juniores do Benfica e Estrela de Portalegre e Benfica de Huambo (Angola).

57 vezes internacional A pela seleção portuguesa (oito golos).
Estreia: Escócia-Portugal (3-0), particular a 4 de maio de 1955 (com 19 anos).
Último jogo: Grécia-Portugal (4-2), de qualificação para o Mundial1970, a 11 de novembro de 1968.

Palmarés:
2 vezes campeão europeu pelo Benfica (1960/61 e 1961/62).
10 vezes campeão nacional pelo Benfica (1954/55, 1956/57, 1959/60, 1960/61, 1962/63, 1963/64, 1964/65, 1966/67, 1967/68, 1968/69).
7 taças de Portugal pelo Benfica (1954/55, 1956/57, 1958/59, 1961/62, 1963/64, 1968/69, 1969/1970).
Terceiro classificado no Campeonato do Mundo de 1966.

127 golos em 525 jogos oficiais pelo Benfica.
Regressou a Moçambique, após a independência, e foi, nomeadamente, deputado e presidente da Federação Moçambicana de Futebol.
Em Namaacha, província de Maputo, funciona a Academia Mário Coluna.
Agraciado com o Colar de Honra ao Mérito Desportivo do Governo português.