Imagino Lionel Messi com a camisola desfraldada como uma bandeira, o 10 ao sabor dos movimentos do corpo, contra outros «10» com a mesma cor e o mesmo NOME, tatuado para sempre nas costas. Ainda pibe, não sente o peso dessa sentença chamada Maradona.

Tem as meias em baixo, brancas mas também negras, pintadas com a cor das canchas de pó, com a ferrugem de um futebol feito de sonhos e pobreza. Imagino o baixinho Messi, de braços paralelos ao corpo, talvez com um boné virado para as costas, troçando de quem deixa pelo caminho no seu futebol endiabrado e conduzindo a bola como se jogasse ao pé-coxinho. Reconhece-se nele o futebol poético de Maradona e Pelé, a pureza do jogo antes de ser corrompido pelo tempo e pela insinuação sedutora das televisões. É o último dos eleitos.

Cristiano Ronaldo está algures entre uma máquina de musculação e vinte metros à frente da baliza. Treina, treina, treina. Cada vez melhor, cada vez mais rápido. Um truque repetido dez vezes, uma recepção vezes trinta. Mais um remate, dois, dez. Meias para cima, cabelo bem penteado e firme, camisola justa ao corpo dentro dos calções. Dois passos para trás e um para o lado para o livre directo. É dali! Ele, nada português na sua sede, não resiste à busca constante pela perfeição. Pelo reconhecimento. Pela equipa. Por si. O 7 de Best, Beckham e, agora, Figo é apenas uma herança como qualquer outra, sem fantasmas.

Ambos enormes, ambos fantásticos. Tão diferentes! Messi nunca será capaz de aperfeiçoar até à exaustão um movimento, Ronaldo não conseguirá imitar a naturalidade daquelas vírgulas canhotas do argentino. Tudo no português é parte de uma coreografia, inserida numa peça de teatro. Tudo no miúdo que o Barcelona descobriu ainda juvenil no país de El Diez faz parte da vida, do simples acto de inspirar e expirar. Como se a bola fosse, literalmente, um prolongamento do próprio corpo.

Da tese e da antítese nasceu a síntese. A síntese seria o jogador perfeito. A velocidade, a força, a ambição e a capacidade de superação de Cristiano; a técnica, a magia e a simplicidade de Lionel. Se um presidente de uma empresa de clonagem esteve a ler este texto, acabou de largar o rato nesta frase, deslocando-se apressado para registar a patente. Mas, para mim, os génios têm de ser imperfeitos, Maradona tinha de ser rebelde e consumir cocaína; Garrincha não poderia ser Garrincha sem as mulheres e a bebida; Pelé fez bem em estar lesionado em 1962 e 1966; Zidane demorou tempo a mais a acertar em Materazzi...

Cristiano só é Cristiano se não for tão puro quanto Messi, Messi só será Messi se desistir do Santo Graal da perfeição. E nós ficaremos felizes da vida por podermos assistir a dois dos maiores talentos do futebol, coexistindo, brilhando intensamente, e dividindo, acredito eu, os próximos prémios de melhor do mundo. Que o futebol não os estrague!

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião da autoria de Luís Mateus, editor do Maisfutebol, que escreverá aqui todas as terças-feiras