Rui Vitória rendeu-se às evidências das derrotas nos dois primeiros dérbis e aproveitou a as limitações físicas de Jonas para reforçar o meio-campo em Alvalade. Fez bem porque com isso conseguiu, em especial durante a primeira parte, atenuar a superioridade do Sporting, nivelando o jogo por baixo. Depois do que tinha acontecido nos jogos anteriores, era-lhe difícil acreditar – e ainda mais difícil fazer a equipa acreditar - que era possível fazer o mesmo nivelando-o por cima. Assim, não surpreende que este tenha sido, simultaneamente, o mais equilibrado dos últimos três dérbis, e também, o dérbi de Taça mais amarrado e menos interessante dos últimos anos – com uma ajuda importante da condição física precária de vários jogadores, dos dois lados.

A ausência de Jonas permitiu a Rui Vitória montar um Benfica mais coerente com as suas ideias – mas nunca é um bom sinal que a coerência de uma equipa se afirme com a subtração de talento. O problema, até agora, era que o contraste evidente das suas ideias «históricas» (postas em prática no V. Guimarães que venceu a Taça diante do Benfica de Jorge Jesus, por exemplo) com o património herdado da equipa bicampeã tinha transformado o Benfica num híbrido, a meio caminho entre duas concepções opostas. Sem Jonas, o Benfica de Alvalade tornou-se mais distante do que nunca dessa herança, assentando na procura de jogo direto para Mitroglou, nas linhas agrupadas e na renúncia à pressão subida – aposta naturalmente reforçada pelo golo marcado cedo.

Só que, em parte por estar numa fase incipiente dessa mudança de identidade e em parte por não ter ainda encontrado soluções consistentes para o meio campo, o Benfica foi encolhendo no jogo, não tirando partido dos espaços que obrigou a abrir na estrutura de um Sporting que, note-se, ainda não tinha estado em desvantagem nos jogos domésticos. Aí, faltou competência na exploração das saídas rápidas – e critério na alimentação de Gonçalo Guedes, para validar o resto do Benfica à Rui Vitória.

Sem dúvidas existenciais – conceito desconhecido nas equipas de Jesus – e sem problemas defensivos para resolver, o Sporting pôde, então, centrar os ajustes necessários – e nenhum mais importante do que a entrada de Gelson e a mudança de João Mário – nos processos ofensivos, sempre com a mesma ideia de jogo, mas com as peças mais adaptadas às exigências. Ao contrário do Benfica que, com o passar do tempo, e o inevitável desgaste de Mitroglou, voltou a ficar perdido naquele meio caminho entre um passado que já não volta e um futuro demasiado indefinido para ser convincente.

PS: As queixas do Benfica sobre a arbitragem de Jorge Sousa são tão válidas como as do Sporting em dérbis anteriores. O limpinho, limpinho de Jorge Jesus, a verde e branco, tem tanta graça, ou falta dela, como a que teve há mais de dois anos, quando foi dito em tons de vermelho. Qualquer jogo, dissecado frame a frame, conta uma história diferente daquela que testemunhámos no estádio, em tempo real. Não reconhecer essa evidência é iniciar uma discussão deliberadamente enviesada. Se há coisa que os dérbis e os clássicos ajudam lembrar, a cada nova edição, é que a superioridade moral é transitória - e daltónica.