Se tem mais de 25 anos e uma paixão assolapada por futebol, esta reportagem é para si. O leitor faz, com certeza, parte dos afortunados que viram os jogos da selecção da Argentina, campeã do mundo em 1986.
Recuemos, então, mais de duas décadas. Recordemos Jorge Burruchaga, Jorge Valdano, Diego Maradona, Oscar Ruggeri e¿ Nery Pumpido. Nery Pumpido? Sim, os conquistadores do Estádio Azteca também tinham um guarda-redes. Dos melhores de sempre na Argentina. O último dono indiscutível da baliza alvi-celeste.
Pumpido: um dedo solto, uma perna partida e uma galinha morta
Numa formação tão forte, dominada pela genialidade déspota de El Pibe, Pumpido estaria sempre condenado a um papel secundário, quase de mero figurante. Como todos os outros, de resto.
Mas a história e o tempo encarregaram-se de colocar as coisas nos devidos lugares. Depois de Pato Fillol, Pumpido é talvez o nome mais importante de entre todos os guarda-redes argentinos. Aos 52 anos, aceita o repto do Maisfutebol e conduz-nos numa viagem à intimidade dos heróis de 86.
Atenção, se não é apaixonado por futebol, o melhor mesmo é parar por aqui. Está avisado.
«Ninguém se apercebeu da mão de Deus»
Naquele ano, o México estava mais quente do que nunca. Abrasador. Irrespirável. A selecção da Argentina tinha o melhor dos melhores. Diego Armando Maradona, D10S. No primeiro jogo, Jorge Valdano fazia dois golos e era o melhor em campo. 3-1 à Coreia do Sul.
Pumpido: «A selecção de Portugal lembra-me a Argentina de 86»
Seguia-se um empate frente à Itália (1-1) e o primeiro golo de Maradona. No final da primeira fase, 2-0 à Bulgária. «Fazer parte dessa equipa é tudo o que eu um dia podia ter desejado. Não há comparação possível com qualquer outro momento da minha carreira», diz-nos Nery Pumpido, que acabou o Mundial com cinco golos sofridos em sete partidas.
Nos oitavos-de-final caía o Uruguai (golo de Pasculli), nos quartos seria a Inglaterra a sucumbir à perfeição de Maradona. 22 de Junho de 1986, dia da mão de Deus. «Garanto que quase nenhum de nós se apercebeu da ilegalidade. Eu estava na baliza, longe, e o lance pareceu-me normal. Mas depois cheguei ao balneário e o Diego não parava de rir. Perguntei aos outros o que se passava. Começaram a gritar la mano de Dios, la mano de Dios
«Você tem ideia do que o Maradona fazia com a bola?»
Na conversa com Nery Pumpido o nome de Maradona é incontornável. O antigo guarda-redes fala de un chico estupendo e chega a comover-se. « Hombre, desfrutávamos mais nos treinos do que nos jogos. Você tem ideia do que ele fazia com a bola? Encostava-me a um poste, de braços cruzados e pensava para mim: isto não é humanamente possível. Nos jogos estava mais tenso, mais concentrado e não o podia apreciar da mesma forma.»
Nos treinos e nos jogos, Maradona era sempre Maradona. 2-0 à Bélgica nas meias-finais, mais dois golos de Diego. 3-2 na final contra a Alemanha e uma exibição de sonho. Lágrimas escorriam e confundiam-se com o suor. Nery Pumpido subia à tribuna presidencial e erguia a Taça FIFA.
«Em 1986 ganhei quase tudo, mas era impossível sentir-me o melhor. Ainda hoje falo com o Ruggeri e o Enrique e fartamo-nos de rir. No fundo, limitámo-nos a aproveitar o talento excessivo que o Maradona tinha. Eu era apenas um bom guarda-redes.»