No longínquo Cazaquistão, o Benfica jogava o futuro na Liga dos Campeões a 25 de novembro. Uma vitória dava o apuramento aos encarnados, que em caso de qualquer outro resultado teriam de ficar atentos ao Atlético Madrid-Galatasaray, que só se jogava umas horas depois.

O jogo não era de tudo ou nada mas não deixava de ter responsabilidade acrescida. Era para homens de barba rija, imunes à pressão das alturas das grandes decisões. Era coisa para gente batida.

Mas Rui Vitória surpreendeu. Entre dez nomes mais ou menos previsíveis estava um outro: Renato Sanches, produto da formação do Seixal sobre quem o Maisfutebol já tinha escrito em outubro de 2014, poucos dias depois de se estrear pela equipa B das águias.

«Solta-se da marcação facilmente, com uma gama de recursos técnicos ampla, notória também no último passe. Mas no plano defensivo é também influente, relevando agressividade e boa capacidade para recuperar bolas. (…) Se a confiança que exibe em campo não se tornar excessiva, se a fama que vai conquistando não lhe subir à cabeça, Renato Sanches tem tudo para se tornar um médio de grande dimensão no futebol português», escreveu o jornalista Nuno Travassos na rubrica «P.S. – para seguir».

A mais de 6 mil quilómetros de Astana, havia alguém que estava a torcer como poucos pelo menino. António Quadros, presidente do Águias da Musgueira, modesto clube da Alta de Lisboa onde Renato deu os primeiros pontapés na bola antes de seguir, com 11 anos, para o Benfica.

«Senti-me muito feliz porque foi um miúdo que sempre apoiei, que sempre tentei que as coisas corressem bem. Não há dinheiro que pague a felicidade que nos deu», conta ao Maisfutebol.

António Quadros não se mostra muito surpreendido com o percurso de Renato Sanches, que já leva quatro jogos pela equipa de Rui Vitória, todos no espaço de um mês após a estreia com o Tondela em Aveiro (0-4), onde esteve em campo nos últimos 15 minutos. «Está a trabalhar bem e a mostrar que tem valor. A nossa esperança é que ele vá por aí fora. Já em miúdo era muito esforçado, era uma seta… Sempre acreditei que podia ser uma vedeta», acrescenta sem hesitar.

Depois da estreia convincente contra o Astana, Renato voltou a merecer a confiança de Vitória contra o Sp. Braga, na «pedreira», uma partida que os encarnados venceram por 2-0. O jovem médio foi escolhido pelo Maisfutebol para figura do jogo. «Claramente uma unidade que fez o jogo encarnado fluir no miolo. Encheu o campo encarnado com uma presença fortíssima», foi o veredicto do nosso jornal.



«Não me surpreendeu. Não entrou na equipa só porque gosto de jogadores de cabelo com tranças, mas sim porque tem qualidade. Teve um bom desempenho e é representativo daquilo que é a nossa visão sobre o futuro do Benfica», disse o técnico do Benfica na conferência de imprensa após o jogo no Minho.

Esta sexta-feira, Renato Sanches pode somar o terceiro jogo (consecutivo) como titular pelo Benfica. A acontecer, será o primeiro em que entra de início no Estádio da Luz.

Diamantino Miranda, antigo jogador do Benfica e com passagem pela formação encarnada, assina por baixo a continuidade do jogador no onze, não obstante a idade precoce e a pouca experiência nestes patamares. Para isso, Diamantino lembra o exemplo dele próprio, quando se estreou ainda nos anos 70 no campeonato nacional.

«Se Vitória deve geri-lo com cuidado? Não! Eu comecei a jogar nos seniores com 16 anos, nas grandes equipas do V. Setúbal, e o Chalana começou no Benfica com 16 ou 17. Quando os treinadores reconhecem potencial nos jogadores, não há idade. E a experiência só se ganha a jogar. Tem de jogar», reforça Diamantino ao Maisfutebol.

Álvaro Magalhães, antigo jogador do Benfica nos anos 80 e campeão nacional como adjunto de Trapattoni em 2004/05, subscreve: «Deve continuar a ser aposta para continuar a ter ritmo competitivo, porque entrosamento com os colegas ele até já tem. Até parece que já joga há muito tempo na equipa. Com Samaris, o meio-campo do Benfica vai ser diferente daqui para a frente», projeta o treinador em conversa com o Maisfutebol.

Nem ele nem Diamantino se mostram surpreendidos com a ascensão de Renato Sanches. «Já o conhecia de alguns jogos da equipa B. Sabia que era um jogador com potencial enorme para integrar o plantel sénior a curto prazo. As prestações dele estiveram dentro do que eu esperava. O que esperava dele? Muito! Sempre me pareceu um jogador com grande personalidade», explica Diamantino Miranda.

Ainda assim, o treinador e atual comentador do programa Campeonato Nacional, da TVI24, admite que não esperava que o jovem médio se tornasse opção regular tão cedo na equipa de Rui Vitória. «As coisas aconteceram mais rápido do que eu julgava, até por necessidade.»

Uma necessidade que não é de agora e que, acredita Diamantino, pode vir a ser colmatada por Renato Sanches. «Ele deu à equipa aquilo que alguns jogadores não estavam a conseguir dar. Não tem receio de assumir na primeira fase de construção. Tem poder de explosão, resistência e uma técnica excecional. Além disso, preenche outra lacuna que o Benfica tinha na fase de pressão sobre a primeira zona de construção da equipa adversária», acrescenta.

Diamantino Miranda compara a nova pérola da formação encarnada a Enzo Pérez, que saiu a meio da época passada para o Valência e que criou, no entender do antigo jogador, a tal necessidade que ainda não estava suprimida. «Era uma lacuna que falta preencher. Considero-o parecido com Enzo, mas parece-me ainda mais resistente», observa.



Álvaro Magalhães opta por comparar Renato a outro jogador, figura fulcral na campanha dos encarnados em 2004/05, que culminou com o título nacional e o fim de um jejum de mais de uma década: Manuel Fernandes, jogador que ajudou a lançar na época anterior, altura em que a equipa era orientada pelo espanhol José Antonio Camacho.

«No fundo fui eu que lancei o Manuel Fernandes», diz como que a reclamar propriedade no discurso. «Conheço o Renato Sanches desde os juvenis e há parecenças entre os dois ao nível da recuperação de bola, do posicionamento, do remate fortíssimo e da qualidade de passe, mas penso que o Renato é mais agressivo na pressão sobre os adversários. Não tenho dúvidas de que estamos perante um futuro talento do futebol português», vaticina.

Álvaro Magalhães elogia a nova política desportiva do Benfica. Desinvestimento? O antigo jogador opta por outra visão: «Está a ser feito um investimento na formação e tem de haver rentabilidade. E temos visto que há jogadores com qualidade que aos pouco vão sendo introduzidos na equipa principal», aponta.

Produtos da formação do Seixal, mérito do trabalho coletivo e do talento individual. Disso tudo mas não só, atira António Quadros num remate cheio de confiança para fim de história.  «O Benfica lapida a pedra, mas quem a descobriu fui eu! Essa pérola negra.»