O sonho de singrar no futebol estava ainda a anos de se tornar numa realidade, mas Alfa Semedo deu logo nas vistas assim que chegou a uma recém-criada academia de Bissau. Meses depois de ter passado com distinção nas captações, o jogador, então com 15 anos, participou num torneio em abril de 2013 onde estiveram presentes representantes do Benfica, da Gestifute e de outras empresas de agenciamento.

Quem o conheceu na Guiné diz que já se destacava da maioria dos restantes companheiros. Dotado de boas capacidades físicas e técnicas, à semelhança do ‘jogador-tipo’ africano, distinguia-se por algo mais: apresentava boas noções táticas e, jogasse a médio ou no eixo defensivo, assimilava com facilidade os conceitos que lhe eram passados pelos treinadores.

Alfa vivia com um tio em Bissau. Era um miúdo envergonhado, educado e com uma aparente boa estrutura familiar. Sem grandes luxos mas com a estabilidade que faltava a muitos colegas da mesma idade e com os quais seguia numa carrinha para os treinos que começavam às 7 e que terminavam às 9 da manhã. Havia quem comesse só uma vez por dia; duas a contar com a refeição que lhes era entregue no final de cada sessão: pão, ovo e garrafas de água ou sumos.

Ainda com 16 anos, e como parte do processo de crescimento, foi colocado na equipa sénior do então campeão nacional Balantas de Mansoa, filial do Belenenses.

Alfa Semedo (terceiro em cima a contar da direita) na academia Fidjus di Bideiras

Dos juniores do Benfica ao resgate do Moreirense no Campeonato de Portugal

Em fevereiro de 2015, depois de alguns meses em Portugal e ultrapassadas burocracias, Alfa Semedo assinou finalmente pelas águias e começou a treinar nos juniores sob a orientação de João Tralhão, numa equipa onde já se destacavam nomes como Rúben Dias, Renato Sanches e José Gomes.

Alfa, que segundo foi possível saber também chegou a despertar o interesse do Liverpool antes de se mudar para os encarnados, ficou um ano e meio no Seixal, acabando por ser emprestado depois ao Vilafranquense.

Filipe Coelho, que o treinou entre novembro e o final da época 2016/17, já o tinha debaixo de olho desde que o vira jogar no ano anterior. «Observei-o e chamou-me à atenção na fase final do campeonato de juniores. Ele jogou a avançado e creio que até foi o melhor marcador do Benfica nessa fase», recorda ao Maisfutebol o atual treinador adjunto de Paulo Bento nos chineses do Chongqing Lifan.

Depois de uma passagem curta pelo Leixões em 2016, Filipe Coelho regressou ao Vilafranquense, onde tinha estado até seguir para o Casa Pia. A estreia aconteceu a 20 de novembro, na receção ao Paços de Ferreira para a 4.ª eliminatória da Taça de Portugal. A equipa ribatejana venceu por 1-0 com o jogador guineense a titular.

Até ao final da época, Alfa Semedo foi titular indiscutível no conjunto da Série F do Campeonato de Portugal. «Creio que só falhou um jogo. Começou a jogar a ‘8’ comigo e algumas vezes a ‘6’, mas mais vezes na posição ‘8’. O que saltava logo à vista? Já tinha uma capacidade física acima da média, era um jogador muito focado no treino e com níveis competitivos muito elevados. Via-se que tinha uma margem de progressão enorme e potencial para estar ao nível de uma I divisão, mas talvez não esperasse que ele tivesse uma ascensão tão rápida. Confesso que me surpreendeu o facto de o professor Manuel Machado ter apostado tão cedo num miúdo com 19 anos.»

Filipe Coelho recorda um rapaz pacato e de ideias fixas: apesar de não ficado no Benfica, estava determinado em provar que o lugar dele era outro.

«Ele podia estar no CNS, mas sabia que queria sair dali rapidamente. Cheguei a conversar com ele porque podia ter ficado abalado pela forma como saiu do Benfica. Depois de ser o melhor marcador da equipa de juniores, era normal que achasse que podia ficar na equipa B. Mas ele não se deixou abalar minimamente, até porque confiava muitos nas próprias capacidades e sabia que tinha mais do que potencial para chegar à Liga. Fora do treino era um miúdo introvertido, com alguma capacidade de diálogo mas que não se dirigia muito a nós se não interagíssemos com ele. Lembro-me que ele estava a viver no Benfica, no Seixal, e que depois foi para Vila Franca morar sozinho, com a família na Guiné. Parece-me ter bons princípios e nunca criou problemas disciplinares», conta o treinador.

Nessa época, o Vilafranquense, recém-promovido aos nacionais, fez um campeonato seguro e igualou a melhor prestação da história na Taça de Portugal: só caiu nos oitavos de final diante do V. Guimarães de Pedro Martins, que chegaria ao Jamor. «Ele já não era um desconhecido. Estava muito referenciado e houve muita gente que o observou.»

«Ainda o vamos aplaudir na seleção portuguesa»

O salto aconteceu no verão seguinte. Em julho de 2017 chegou a oficialização no Moreirense com contrato válido até 2021 mas com o Benfica a manter parte do passe. Alfa Semedo foi titular em 27 dos 28 jogos realizados na Liga sob o comando de Manuel Machado, Sérgio Vieira e Petit, os três treinadores com quem trabalhou.

«Não tenho dúvidas de que o Alfa Semedo vai ser jogador de clube grande. Ainda o vamos aplaudir na seleção portuguesa, é essa a minha convicção, mas não nos podemos esquecer que tem 20 anos e veio do CNS. Ainda não tem maturidade na tomada de decisão. Naquelas ocasiões para limpar a jogada e jogar feio, quis ganhar com o corpo e ficar com a bola», chegou a dizer Sérgio Vieira em janeiro deste ano após um empate com o V. Setúbal, no qual o médio se estreou a marcar na Liga.

Alfa terminou a época de estreia no primeiro escalão como o quinto jogador com mais tempo de jogo em Moreira de Cónegos e foi considerado pelo Maisfutebol a revelação da equipa minhota em 2017/18. «Nunca perdeu o estatuto de imprescindível, pese embora as trocas no banco. Tanto a central como a médio defensivo provou que não foi por acaso que passou pela formação do Benfica», escreveu o jornalista Vítor Maia acerca do jogador que começou a jogar na Guiné como central, posição que o levou a receber a alcunha de Carvalho, numa referência ao defesa internacional português que foi campeão europeu no FC Porto.

Diferente de Fejsa. Mais box-to-box, menos de equilíbrios

O regresso de Alfa Semedo ao Benfica foi consumado nesta terça-feira. Em declarações à televisão do clube, o jovem médio deixou elogios a Fejsa, dono da posição ‘6’ desde que Nemanja Matic rumou ao Chelsea em janeiro de 2014. «É um grande jogador. Espero aprender com ele e chegar ao patamar dele», disse.

Para Filipe Coelho, Alfa tem características diferentes do trinco sérvio.

«É um jogador muito mais vertical, box-to-box, que tem capacidade para progredir com bola e para chegar a zonas de finalização. Não era e, pelo que vi nesta época, continua a não ser um jogador de equilíbrios. Acredito que tem capacidade para vir a afirmar-se no Benfica, mas é preciso tempo e tudo depende da capacidade de se adaptar a uma nova realidade e depois, com trabalho, ganhar espaço e esperar por uma oportunidade», sintetiza.