O dia é de nervos. Muitos nervos. Afinal, vestir a camisola da Seleção Nacional encerra uma responsabilidade pesada, talvez demasiado pesada para um menino de 15 anos. Mas também um imenso privilégio.

Luís Frangão, 167 centímetros de gente, toca as quinas, enfia a camisola vermelha e os calções verdes. Nesse 24 de fevereiro de 2001, ele é um dos rookies ao dispor do selecionador Carlos Dinis. Mas não o único.

No balneário da seleção de sub15, mesmo ao lado de Luís, está um miúdo com cara de reguila. Mais alto e mais magro. Chama-se Cristiano, mas todos o tratam por Ronaldo. Ri-se, brinca, está muito mais à vontade do que o miúdo que ali chega proveniente do Grasshopper.

O Torneio Internacional de Rio Maior arranca, Portugal vence a África do Sul por 2-1, Cristiano (claro) faz um dos golos. Luís Frangão entra aos 62 minutos para o lugar de Diogo Andrade (autor do outro golo), deixa boa impressão e três dias depois é premiado com a titularidade frente à Dinamarca.

Luís Frangão na noite da vitória de Portugal no Euro2016

Cristiano e Luís, batizados no mesmo dia com a bênção da FPF. Aprovados no ensaio geral, meninos de 16 anos, acne na cara e tantos sonhos na alma. Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, figurante nesta reportagem, acumula 204 internacionalizações em todas as seleções e é goleador-mor da Juventus na época 2020/21.

E Luís Frangão? Não vai além dessas duas internacionalizações, nesse fevereiro quente de 2001.

O Maisfutebol encontra-o em Zurique, completamente afastado do futebol e a trabalhar numa conceituada empresa de seguros.

«Seria um prazer enorme reencontrar o Cristiano, claro. Não sei se me reconheceria, mas se ouvir o meu apelido [Frangão] acho que chega lá. Nunca o procurei porque não queria que ele pensasse mal de mim. ‘Pronto, agora que tenho sucesso este já quer falar comigo’. Não, não sou assim. Adorava falar outra vez com ele, mas teria de ser uma coisa natural, que se proporcionasse.»

«Durante duas semanas senti-me jogador da Seleção Nacional de Portugal»

Não vamos ao engano. Luís sabe que a sua história se cruza com a de Ronaldo e que os caminhos se tornam, ao longo dos anos, inconciliáveis. Percebe a curiosidade e não se esconde atrás da tristeza ou da frustração. Nada. É um homem de bem com a vida, apesar das muitas partidas por esta pregadas.

«Olhe, sou feliz. Trabalho na área dos seguros, mais concretamente nos seguros de saúde. A empresa chama-se CSS Versicherung e trata-me muito bem. Estou bem, tenho os meus clientes e estou a adorar. Vivo numa pequena cidade perto de Zurique e a minha vida está aqui organizada», conta ao Maisfutebol, no final de mais um dia de trabalho.

Luís está há três anos ligado a esta área profissional. Até 2013 [e aos seus 28 anos] dedica-se por completo ao futebol. As lesões, as desgraçadas lesões, atiram-no seis vezes para a mesa de cirurgia e a paixão esmorece a um ritmo inversamente proporcional ao das dores e da saturação.

O antigo colega de Cristiano Ronaldo só joga entre amigos

Mas antes, quando todos os desejos lhe são permitidos, Luís Frangão chega a acreditar que o seu futebol pode acompanhar o de Cristiano Ronaldo. Vamos ao princípio de tudo. A 2001 e ao momento em que a FPF localiza um talentoso médio de ascendência portuguesa nas escolas do histórico Grasshopper.

«Comecei pequeno a jogar lá e aos 13 anos tive a sorte de ser chamado aos treinos da seleção da Suíça. Nunca pensei ser chamado pela federação portuguesa, sinceramente. Não havia redes sociais, eu nem sequer tinha telemóvel, nunca pensei que me descobrissem», recorda Luís, a uma distância de duas décadas.

«Eu pensava até que ia jogar a qualificação para o Europeu de sub17, que se disputaria em 2002, pela Suíça. A federação helvética pediu-me uma fotografia, tratou-me de toda a burocracia para o meu passaporte e, quando ninguém esperava, recebi o convite da FPF.»

Ali, dividido entre o sangue português e a gratidão pelo país onde nasce e cresce, Luís Frangão não tem dúvidas: Portugal, pois claro.

«Se a seleção do teu coração te chama, tens de ir. Não quis deixar mal as pessoas da federação da Suíça, fiz questão de falar com elas e de lhes explicar a minha opção. Viajei, adorei a experiência, senti-me durante duas semanas um jogador da Seleção Nacional de Portugal.»

«O Cristiano vivia numa pensão e andava chateado, uns miúdos faziam-lhe bullying»

Luís Frangão desconhece, até hoje, a figura da FPF que o sinaliza na Suíça. Não é o mais importante, insiste, mais interessado em falar do prazer de entrar no balneário nacional e de estar entre os melhor portugueses da geração de 1985.

«As pessoas que me conhecem bem vão espalhando a história. ‘Olha, aquele ali jogou com o Cristiano’. Eu sou mais reservado, não falo muito disso, mas quando me perguntam digo que sim, que é verdade. É um orgulho gigantesco», vinca Luís Frangão, já com várias memórias a saltarem para o meio da conversa.

«Fiz só dois jogos, mas foi tudo tão intenso… Lembro-me bastante bem do Cristiano, claro. Dentro da cabeça dele, nessa altura, ele já era um campeão. E também me lembro de acabar um treino, de tirar as chuteiras e de relaxar com os colegas. No campo ainda estava um rapaz a correr e a rematar à baliza. Não parava. Era muito atrevido com a bola, já ia sempre para cima dos adversários, provocava o confronto.»

Nessa equipa treinada por Carlos Dinis, os estreantes não são praxados, mas têm de decorar rapidamente o hino nacional. Palavra por palavra, sem confusões.

«Essa foi a única coisa que nos obrigaram a fazer. Deram-nos um papelinho com o hino e decorámos tudo juntos, eu e o Cristiano. À noite, depois do jantar, jogávamos snooker no barzinho do hotel. Ele já era dos mais divertidos, mas percebi que não tinha uma vida fácil», continua Luís Frangão.

«Teve um desabafo que me marcou muito. Disse-me que vivia numa pensão no centro de Lisboa e que andava a ser chateado por outros miúdos, acho que miúdos que se metiam com os mais pequenos na rua. Faziam aquilo que hoje se chama bullying.»

A ficha de Luís Frangão no site da FPF

Os primeiros dias de Luís são «difíceis», por ser o «o único a jogar fora do país», mas o passar dos dias apressa a integração e a cumplicidade cresce. Luís Frangão só lamenta não ter ficado com os contactos desses «colegas espetaculares».

«Não lhes pedi nada porque nunca pensei que aquela fosse a última vez que estaríamos juntos.»

27 de fevereiro de 2001. Portugal perde com a Dinamarca por 1-0, Luís Frangão despede-se para sempre dos jogos internacionais. Para ele, a vida começa a andar ao contrário logo a seguir. E depressa de mais.

«Os médicos diziam que eu tinha o joelho de um homem de 60 anos»

Dias depois de fazer dois jogos por Portugal, Luís Frangão sofre uma lesão grave ao serviço do Grasshopper. A primeira de muitas no joelho esquerdo. A recuperação corre mal, o médio não volta a ser convocado por Carlos Diniz e fica de fora do Europeu de sub17, em 2002.

«Ainda por cima, o segundo jogo foi logo Suíça-Portugal [1-0]. Podia estar em qualquer uma das seleções e não estava em nenhuma», desabafa Luís que, ainda assim, mantém o talento e a capacidade relativamente intactos.

«Cheguei à equipa sénior do Grasshopper e fiz quatro ou cinco jogos. Não reagi bem à exigência da primeira divisão. Só meço 1,67 metros e tive dificuldades em aparecer a um bom nível num campeonato que é muito, muito físico. Tinha boa técnica, era rápido, mas não chegou», reconhece o antigo futebolista.

VÍDEO: Luís Frangão ao serviço do FC Winterthur

O pior está por vir. Em 2006 muda-se para o Winterthur, na 2ª divisão, e sofre mais um problema físico. Este ainda mais grave. «Levei uma pancada violenta, num jogo contra o Lugano. Novamente no joelho esquerdo. Tive de ser submetido a seis intervenções cirúrgicas e nunca mais voltei a ser o mesmo jogador.»

Dores, sofrimento, recuperação e recaída. Não há nada que o castigado joelho de Luís não sinta e não tenha. «Ganhei uma artrose grave. Os médicos diziam que eu tinha o joelho de um homem de 60 anos. Mesmo assim, o amor pelo futebol fez-me continuar a jogar. O corpo dizia-me ‘não’, mas a paixão dizia-me ‘sim’. E fui aguentando.»

Para suportar a dor, Luís Frangão leva uma injeção de cortisona «de cinco em cinco meses». O milagre tem um limite bem definido e as consequências não tardam em chegar.

«O clube [Winterthur] nada sabia. Se soubesse, o meu contrato não era prolongado. O problema é que a medicação fez-me muito mal. Engordei seis/sete quilos e esse peso extra foi insuportável para o meu joelho. Nessa fase pior», continua Luís Frangão, «eu precisava de 48 horas para recuperar. No mínimo. Era o tempo necessário para o líquido do joelho desaparecer.»

Em 2012, o internacional português abandona o clube da 2ª divisão e assina pelo FC Uster, de um escalão abaixo. Ao segundo jogo, o corpo desaba.

«Sentia-me debilitado, a massa muscular estava afetada pela cortisona e sofri uma rotura gravíssima na coxa. Ia com a bola controlada, a sprintar, e senti a perna direita toda a estalar. O futebol acabou aí, já não aguentava mais.»

Uma história que começa em Évora e no amor de Joaquim e Ana Maria

Os problemas no joelho são tão sérios que o estado helvético atribui em 2013 um subsídio de invalidez a Luís Frangão. Uma junta médica determina uma incapacidade crónica de 15 por cento e um cheque de 700 euros mensais. Luís, hiperativo, não aceita.

«Disse logo na Segurança Social que preferia que investissem em mim para entrar no mercado de trabalho. E assim foi. Voltei a estudar, o estado pagou-me a formação e acumulei esse investimento profissional com algumas experiências enquanto treinador. No Winterthur, no St. Gallen e no Grasshopper, sempre na formação. Cheguei a trabalhar com o Alain Sutter, uma glória do futebol helvético.»

Tudo isto começa antes, muito antes. Em Évora. O senhor Joaquim Frangão conhece a dona Ana Maria Charrua e o casamento acontece antes de o marido emigrar para a Suíça, em 1975. Trabalha nas obras, organiza a vida e uns anos depois chama até si a esposa. Em 1983 nasce o filho Filipe e em 1985 o protagonista da nossa história, Luís.

A família Charrua Frangão sai de Portugal, mas Portugal jamais sairá da família. Nuns dias de fevereiro, em 2001, o menino Luís entra pelo balneário da seleção adentro. E senta-se ao lado de um tal Cristiano. O resto é a vida a fazer das suas.