David Medvedchuk tem 21 anos e chegou a Lisboa há cinco. O pai queria que ele tivesse uma experiência fora da Ucrânia, primeiro passou um ano em Espanha, depois descobriu que Portugal recebia bem os ucranianos e que até havia vários a jogar na União Leiria.

Foi bater à porta de clubes como o Sporting, o Benfica, o V. Setúbal e o Belenenses, até que assinou pelo Oriental. Seguiu-se o Cova da Piedade e está há alguns meses no Alta de Lisboa. Entretanto a mãe e o irmão também vieram para Portugal e vivem com ele.

Na Ucrânia ainda está o pai e é sobretudo nele que pensa por estes dias.

«É muito difícil, muito chocante. Ontem a minha mãe acordou com uma chamada do meu pai, às cinco da manhã, a dizer-lhe que estava a ouvir bombas e sirenes», conta ao Maisfutebol.

«Fiquei das oito da manhã às oito da noite com a televisão ligada a ver as notícias e a falar com toda a gente, com os meus amigos e com a minha família. Passei o dia muito mal e a minha mãe passou ainda pior, constantemente a falar com o meu pai. Ninguém estava à espera que acontecesse. Ou melhor, toda a gente sabia que ia acontecer, mas ninguém sabia quando ia acontecer. Nas duas últimas semanas acordava e a primeira coisa que fazia era ir ver as notícias da Ucrânia. Tudo isto é muito, muito complicado.»

David Medvedchuk conta até que a família tem feito pressão para o pai deixar a Ucrânia e viajar também para Portugal. Mas o pai não quer.

«Ele diz que não vai sair, que tem lá as nossas coisas, o negócio da família e que, para já, vai ficar. Nós sentimos que ele está preparado para pegar numa arma e defender o país. Tem 48 anos, portanto a qualquer momento pode ser chamado pelo exército e está pronto para combater.»

Maxim Lapushenko tem 30 anos, é natural de Kiev e joga no Leça. Tem passado no Dínamo Kiev, no Dacia, da Roménia, no Leixões, no Felgueiras e no Fafe.

«Estou muito triste, muito preocupado, mas ainda bem que a semana passada fiz anos e por isso os meus pais e a minha sogra estão cá em Portugal. Foi uma grande sorte. Felizmente eles estão cá e estão bem. Mas tenho irmãos, sobrinhos e muitos amigos lá. Tenho falado com eles, estão com medo e estão todos a viver na garagem do prédio, debaixo do chão, porque é mais seguro», refere.

«A minha mãe está sempre a chorar, a chorar, a chorar. O meu pai é homem e não pode chorar, mas está muito triste também. Tem sido muito difícil, muito complicado.»

É neste estado de nervos que David Medvedchuk e Max Lapushenko falam com o Maisfutebol e contam o que lhes vai na alma. O primeiro, por exemplo, fala num sentimento de impotência.

«Por um lado, sinto-me um privilegiado por estar longe da guerra. Mas também me sinto mal porque amigos com quem estudei, com quem joguei, vão ser chamados para a guerra e eu sinto que é injusto eu não estar ao lado deles. Sinto que a qualquer momento pode entrar um militar em casa deles e por dentro eu sinto que estar a viver aqui em Portugal é uma injustiça», sublinha.

«Não sei como isto vai acabar. É muito difícil acreditar que a Ucrânia vai conseguir defender-se sozinha, o poder russo é muito maior. Mas estou muito orgulhoso pelas conquistas que a Ucrânia já conseguiu, defendendo algumas cidades e alguns aeroportos. Estou muito orgulhoso pela forma decidida como os amigos da minha idade estão dispostos a defender o país. Ninguém que eu conheça diz que não vai lutar, porque o que está em causa não é o presidente ou o governo, mas sim a independência do país. Ninguém aceita que os russos queiram depor este governo e nomear outro. Eu próprio já pensei em voluntariar-me e ir para a Ucrânia.»

Maxim Lapushenko, o jogador do Leça, subscreve tudo o que David Medvedchuk diz.

«A maior parte da Ucrânia está pronta para defender o país. Foi uma surpresa de mim, uma boa surpresa, aliás, mas até jogadores com contrato abandonaram o futebol e foram pegar numa arma para lutar. Não queremos atacar ninguém, só queremos defender a nossa terra», conta.

«O Anton Dolgyi, que há cinco anos jogou no Desportivo das Aves e que é meu amigo, já recebeu uma arma e está pronto a defender a nossa terra. Sinto muito orgulho nesses amigos.»

O lateral de 30 anos tem até um conhecimento particular da situação geopolítica da Ucrânia. Isto porque a esposa é de Lugansk, um dos territórios, juntamente com Donetsk, tomado há vários anos por independentistas, com o apoio da Rússia.

«A minha sogra ainda vive lá em Lugansk. É médica, tinha o apartamento dela e não quis sair. Mas os jovens saíram todos. Lugansk não tem futuro, é uma região fechada ao mundo, só pode fazer negócios com a Rússia. Ela tem a vida dela lá e não quis sair, mas passou por momentos muito perigosos. Mais no início, quando foi da tomada da cidade», refere.

«Mais tarde a Ucrânia tentou resolver as coisas de forma diplomática. Mas com aquele senhor russo não dá para fazer nada de forma diplomática, só pela força. Por isso é que os meus amigos que não têm nem filhos estão à espera que o telemóvel toque para irem lutar pelo país. Os que têm família e filhos saíram para mais perto da fronteira com a Polónia e continuam lá à espera. Não passam a fronteira porque na Polónia não têm emprego nem casa. Então esperam.»

Oleh Prokopets nasceu em Brodi, perto de Lviv, tem 37 anos e está em Portugal desde os vinte. Joga no Pedrogão e vive cá com a mulher e as duas filhas. Mas tem a mãe na Ucrânia.

«De duas em duas horas falo com a minha mãe e estou sempre a acompanhar as notícias. A minha mãe mora perto de Lviv e a situação lá está menos complicada. Não há tiros, só na primeira noite é que lançaram rockets aos aeroportos e como estava lá instalado um depósito de helicópteros de guerra, houve umas explosões», conta.

«A minha mãe contou-me que os homens das cidades à volta de Lviv juntaram-se hoje e disseram que iam para a guerra. As mulheres estavam a chorar, mas eles insistiam que iam defender o país. Há muita gente a querer defender o governo, mas sobretudo querem defender o país.»

David Medvedchuk, Maxim Lapushenko e Oleh Prokopets não admitem perder a soberania perante a Rússia.

«Ninguém quer um regime russo na Ucrânia. Sem liberdade, sem democracia. Os soldados vão para a guerra e nem sabem para onde estão a ir. Não podem optar por não ir, se não são mortos. As pessoas manifestam-se em Moscovo e em São Petersburgo contra a guerra e vão presas. Os jornalistas que criticam o regime são perseguidos. O Putin quer entrar na história como um segundo Hittler. É a minha opinião. Ele não se importa que as pessoas falem mal, só quer deixar o nome na história como alguém que impôs a força sobre o mundo», diz Oleh Prokopets.

«Acho que no ponto a que as coisas chegaram é impossível acabar com isto através da diplomacia. Temos alguma esperança porque os russos já se manifestaram contra a guerra, o povo russo não quer guerra e até faz vídeos a solidarizar-se connosco», sublinha David Medvedchuk.

«É difícil aceitar que a NATO não faça nada. Um país muito mais pequeno está a tentar defender-se de um país muito maior, com muito mais poder militar e nada acontece. Mas a verdade é que a NATO tem receio. O Putin já ameaçou que se o Ocidente entrar na guerra vai fazer uma coisa nunca vista na história, e toda a gente sabe do que está a falar: da bomba nuclear.»

Max Lapushenko, por outro lado, sente que «a Rússia não vai parar, mas a Ucrânia também não».

«Ninguém quer viver num regime da Rússia e do Putin. Não percebo porque a NATO não nos ajuda. A Rússia tem cem vezes o poder da Ucrânia e o meu país precisa de ajuda. Precisamos que nos ajudem. O Putin não vai parar: agora vence na Ucrânia e a seguir vai para a Polónia ou Moldávia. Nunca pensei que no ano de 2022, em plena Europa, uma coisa destas pudesse acontecer. Ajudem-nos. Só queremos viver em paz na nossa terra.»