Ainda não são 11 da manhã e jogadores e staff do Mineiro Aljustrelense começam a chegar a conta-gotas ao ponto de encontro da equipa. O local escolhido é a pizzaria Rafaello, situada a algumas centenas de metros do Estádio Municipal de Aljustrel, onde dentro de poucas horas o clube da terra vai viver um dos momentos mais importantes dos seus 83 anos de história.

Durante a semana que antecedeu o jogo, o Maisfutebol fez-se de convidado e pediu para a acompanhar o dia do único emblema do Alentejo que ainda resistia na 4.ª eliminatória da Taça de Portugal.

Antes do almoço ser servido, a quatro horas do apito inicial da partida com o Tondela, o treinador Vítor Rodrigues aproxima-se do centro de uma das mesas do restaurante e transmite uma má notícia ao plantel. Valdir e Diogo Gandarês tiveram um acidente de viação em Sines e vão chegar atrasados.

Vítor Rodrigues é treinador desde os 22 anos. Começou na formação do Despertar de Beja. Daí seguiu para o Ferreirense, onde teve a primeira experiência como treinador. Aos 36, já vai na segunda passagem pelo comando técnico do Mineiro Aljustrelense e contabiliza duas subidas de divisão: em 2013/14 e na última temporada. A vida dele é um corre-corre constante. «Sou professor de educação física em Beja e tenho esta paixão que tenho levado em frente e que me priva de muita coisa», desabafa.

Quando fala em muita coisa, Vítor refere-se essencialmente aos dois filhos, ainda no infantário. Sai de casa às 9 da manhã e regressa às 10 da noite. «Quando chego eles já estão deitados. O meu momento com eles é prepará-los e levá-los à escolinha. É o tempo de os vestir, pô-los no infantário, dar-lhes um beijinho e dizer-lhes: ‘Até amanhã, filhos’.»

Vítor Rodrigues diz que treina o Mineiro pelas pessoas. Conta que só isso o mantém no barco. «Há clubes na zona com mais dinheiro e com melhores condições, mas não é a mesma coisa. Não me puxam...»

Mesa da equipa técnica e staff: Vítor Rodrigues, Duarte Patrício, António Zacarias e José Seromenho Pinto (da direita para a esquerda

A maioria dos jogadores do plantel que milita na Série H do Campeonato de Portugal têm outra profissão, tal como o treinador. Três deles trabalham nas minas. Da equipa, apenas sete se dedicam exclusivamente ao futebol. Recebem (pouco), dividem-se em duas habitações providenciadas pelo clube e recebem alimentação gratuita dos vários restaurantes com os quais o clube estabeleceu protocolos.

Carolice, loucura, amor ao futebol, é talvez um pouco de tudo isso que os move para subirem ao relvado todos os fins-de-semana.

Carlos Estebaínha, 38 anos e capitão da equipa, trabalha nas minas em Castro Verde. É trabalhador de fundo, ar rarefeito a 600 metros de profundidade: uma hora para descer, outra para subir. O trabalho é duro mas compensa, diz. Carrega com ele a mística da alma mineira, indissociável do clube.

Carlos Estebaínha, capitão do Mineiro Aljustrelense, à saída do jogo

O tempo passa e, depois da sopa, serve-se a carne grelhada acompanhada por massa e arroz. Os jogadores bebem apenas água. Na mesa do staff e equipa técnica, onde o Maisfutebol se senta, há leitão, vinho e direito a café com cheirinho no fim.

«Vai um medronho?»

Obrigadinho, fica para a próxima.

Entretanto, os dois jogadores em falta já chegaram ao restaurante. «Conhece Sines? Foi na rotunda grande para São Torpes. O piso estava molhado e perdemos o controlo. Mas está tudo bem!», garante Diogo Gandarês, que diz estar suficientemente tranquilo para ir a jogo.

Diogo vai ser titular ao lado de Carlos Estebaínha, 18 anos mais velho do que ele. Vítor Rodrigues conta que tem tido uma evolução muito interessante desde que chegou ao Aljustrelense. Antes do início do almoço, o técnico desabafa que, por causa daquele susto matinal, talvez vá deixá-lo no banco. Receia que não esteja emocionalmente estável, mas o que observa no restaurante transmite-lhe sensações positivas. «Vai lá para dentro», diz com um sorriso que contrasta por um momento com o nervosismo: «Estou sempre assim antes dos jogos.»

Do onze que antecipou, um dos jornais desportivos que se folheiam à mesa da pizzaria só falhou o nome de um jogador: Marcos, possante central brasileiro de 26 anos, vai a jogo para o lugar de Valdir. Há ainda outro pormenor, observa um jogador: «Nós não jogamos em 4x4x2. É em 4x3x3.»

Pouco depois das 12h00, a equipa deixa o restaurante e dirige-se para a sede do clube. «Vamos jogar um snooker e umas cartas», diz Fábio Reis, guarda-redes do Mineiro que fez quase toda a formação no Benfica, onde se sagrou campeão de juvenis de 2.º ano. «Inaugurei o Seixal», sublinha, enquanto recorda os craques com quem jogou nos encarnados: Ederson, Roderick, Rúben Pinto, Ivan Cavaleiro e Diogo Figueiras, padrinho de baptismo do filho.

A vida levou-o para a planície alentejana em 2011, com apenas 19 anos, mas não foi ela que o manteve por lá. «Conheci uma pessoa, arranjei trabalho, fiquei por cá e já tenho um menino.»

Fábio arranjou trabalho na mina em 2012. «Estou na superfície, mas pontualmente vou ao fundo. Como é o meu dia-a-dia? Acordo às 7 da manhã, entrou às 8, saio e depois temos treino à noite. É puxado. Ainda tenho a ambição de chegar a profissional mas, enquanto isso não chega, não posso ficar parado à espera. Corro o risco de chegar aos 30 sem nada e isso não pode acontecer», vinca.

Um dos caminhos possíveis para a sede do clube passa pelo hotel onde ficou hospedada equipa do Tondela, que está em Aljustrel desde o dia anterior. Quando chegou à vila, por volta das 09h30, o Maisfutebol fez uma paragem num café.

«O Petit esteve aqui ontem. Veio comprar tabaco e beber uma minizinha», dispara o senhor Luís, do café Arco Iris. «Eu também os encontrei ali em baixo no jardim, quando fui lá dar um passeio com a minha filha. Estavam a jogar à apanhada, a correr atrás uns dos outros», conta um cliente que entra na conversa para dar aval positivo à escolha de hotel do Tondela. «Se é o melhor hotel da vila? É o melhor e o único [risos]. O resto é pensões. Mas é muito bom e recente, tem para aí uns três anos.»

Curiosamente, a unidade hoteleira que a equipa de Petit escolheu para pernoitar tem o nome inscrito nos casacos dos jogadores do Mineiro Aljustrelense.

De volta à sede do Mineiro.

Os jogadores dividem-se em grupos. Uns jogam snooker, outros reúnem-se a uma mesa redonda com revistas, há quem se refugie num canto a ouvir música e há outros, como Tino, que ficam à esquerda da sala a conversar enquanto olham de esguelha para o Sampdoria-Sassuolo, que passa na televisão.

Tino (Cesaltino na certidão) é o goleador da equipa. A maioria dos registos atribuíam-lhe 11 golos em 13 jogos até antes do jogo com o Tondela. O jogador cabo-verdiano corrige de pronto o nosso jornal. «É 12 em 13! Não contam um golo que eu marquei na 2.ª eliminatória da Taça», diz. «A média está boa. Mas pode melhorar, pode melhorar», diz a sorrir.

Aos 28 anos, Tino tem passado ao lado de uma boa carreira. Em 2012 chegou a fazer um estágio com o Sindicato dos Jogadores, mas acredita que em breve vai ajustar contas com a sorte. «Vêm aí coisas boas. A seu tempo vai-se saber.»

«Bora pessoal! Vamos embora!»

À uma da tarde é hora de ir para o estádio. Os jogadores levantam-se e abandonam a sede nos carros pessoais.

Fábio Reis, guarda-redes à esquerda

«Quando entrarem nos balneários, os jogadores vão ter uma surpresa», diz ao Maisfutebol o vice-presidente do clube, Rui Nunes. «Há muitas coisas diferentes hoje. Esperemos que gostem.»

O que os jogadores encontram é um balneário forrado com, cacifos personalizados, frases motivacionais e os verbos «vencer», «acreditar», «conseguir» e «ganhar» conjugados no presente do indicativo.

Dois dias antes do jogo, numa conversa telefónica, Vítor Rodrigues confiava-nos o ângulo da palestra. «Vou tentar mudar um pouco o meu discurso porque este é um momento para eles desfrutarem. Vou apelar mais à serenidade porque a emoção está inerente ao jogo.» Neste domingo, enquanto percorria sozinho os 40 quilómetros que ligam Beja a Aljustrel, continuava a pensar na palestra. «Tenho de pensar numa forma de os agarrar», disse, lembrando o acidente dos jogadores em Sines.

O treinador autorizou o Maisfutebol a assistir à palestra. Às 14 horas em ponto, Vítor Rodrigues deu início ao discurso. Começou-o num registo tranquilo; terminou-o com as emoções nos píncaros, assertivo. «Esta merda não se compra! Este vai ser um dos momentos das vossas vidas. Eu acredito muito em vocês e disse-vos, no primeiro dia em que estivemos aqui sentados, que ainda iam ouvir muito de nós. Mas não vai ser hoje. Vai ser um bocadinho mais à frente!»

Foram 11 minutos que o nosso jornal registou por completo. Aproveite!

A palestra de Vítor Rodrigues também é testemunhada por uma equipa de reportagem da Sport TV. Já com o microfone de lapela colocado, o técnico recorda que não vai poder sentar-se no banco de suplentes por ter sido expulso no jogo anterior. «O que é que eu disse? Não disse nada! No final do jogo fui falar com o árbitro e ele disse-me que gesticulei demasiado», justifica-se.

No banco vai estar Duarte Patrício, um histórico do Mineiro Aljustrelense, antigo defesa esquerdo que fez parte da equipa que conseguiu subir de divisão em dois anos consecutivos: dos distritais em 2006 até à 2.ª divisão em 2008.

Ao lado dele estará António Zacarias, antigo guarda-redes da equipa e que em tempos chegou a ameaçar o recorde nacional de tempo sem sofrer golos (1.192 minutos), que foi de Vítor Baía entre 1991/92 e 2015. «Fiquei a uns 40 minutos», recorda enquanto nos mostra um recorte de um jornal da época.

Lá fora, nas bancadas, a chuva dá tréguas e faz, para já, a vontade a jogadores e treinador do Mineiro. Querem o terreno (um velhinho sintético) seco para tornar o jogo mais lento, o que diz desfavorecer as equipas mais tecnicistas. O Estádio Municipal começa a compor-se. Um espectador vê o Maisfutebol de bloco e caneta em punho e mete conversa.

Apresenta-se: Hélio Gonçalves, algarvio, sapateiro e adoptado por Aljustrel há três anos. «O meu sogro é quem vende as quotas do Mineiro! Venho sempre ver os jogos», dispara.

Se dúvidas houvesse, apresenta-nos uma prova. Um vídeo (gravado por ele) do final do jogo com o Farense no início do mês. «Houve porradaria, ‘tá a ver? Ainda houve um adepto do Farense que saltou da bancada e que pregou uma cabeçada num guarda.»

Na Taça de Portugal, o Aljustrelense já tinha apanhado pelo caminho primodivisionários (aconteceu em 2009/10 com o Paços de Ferreira e em 1978/79 com o V. Guimarães), mas nunca na história o clube alentejano havia recebido, até agora, uma equipa do primeiro escalão em jogos oficiais. Não é de espantar que o jogo tenha sido assunto principal das conversas de café na vila durante a semana.

Prova de que o jogo mexeu com a gentes da terra é que na sexta-feira, no último treino da equipa antes da partida, um grupo de adeptos entrou pelo estádio com tochas e petardos para prestar apoio aos jogadores, que não estavam à espera da surpresa. «Nós sabíamos, mas eles não. O Vítor até deu um salto», conta um membro da direção.

A bancada do Estádio Municipal não está lotada, mas a assistência é assinalável. Estão seguramente mais de mil pessoas no momento em que Nuno Almeida apita, às 15h00 para o início da partida. Dizem-nos que, não fosse a chuva, a assistência não andaria longe das 2 mil.

O jogo começa com um grupo de adeptos a entoar o Hino dos Mineiros de Aljustrel junto à tribuna. Sentado ao lado do Maisfutebol, o vice-presidente Rui Nunes diz que não é comum aquilo acontecer durante os jogos, mas recorda que a prática foi recuperada há poucos anos por Francisco Agatão (agora treinador do Praiense), que cantava o hino com os jogadores no balneário antes dos encontros.

É a única vez durante o jogo que o cante alentejano se faz ouvir. Três minutos, mais coisa menos coisa, já que a prestação musical é subitamente interrompida pelo golo madrugador do Tondela, apontado por Miguel Cardoso, que surge solto de marcação ao segundo poste.

O Mineiro reagiu e empatou por Tino após lance brilhante de Pedro Banana na direita. Uma hora antes do início da partida, o extremo definia-se como um jogador rápido e tecnicista. Provou-o!

O Tondela volta à vantagem ainda na primeira parte num lance infeliz de Marcos, que acabou por introduzir a bola na própria baliza. Na segunda parte a entrada de Nando, a cumprir o primeiro ano de sénior, reanima a alma dos mineiros. Quase marca e nos últimos minutos cai na área, num lance em que se pede grande penalidade. Após o final do jogo, Vítor Rodrigues sai em defesa do menino e Fábio Reis garante ao nosso jornal que o colega tem nas pernas as marcas do crime cometido pelo jogador do Tondela.

O Mineiro Aljustrelense bate-se bem e jogadores, equipa técnica e adeptos consideram que mereciam mais. Talvez tenham razão.

Vítor Rodrigues é um homem orgulhoso nos jogadores e, depois de cumprido o protocolo com os jornalistas, transmite isso mesmo aos jogadores no balneário.

António Gonçalves, presidente do Mineiro no quinto mandato, fala num «amargo de boca grande» já com as luzes dos holofotes desligadas. «Peço desculpa pela minha falta de humildade, mas o que pareceu no final é que estiveram em campo duas equipas do mesmo escalão. Valentes mineiros.»