Nunca, como hoje, Portugal disse tanto aos jovens desportistas para se sentarem e estudarem. O país parece enfim a nossa mãe, o que é bom: é sinal de que se preocupa com os miúdos.

A questão foi levantada durante uma conferência sobre o futebol jovem, na qual estiveram José Couceiro (diretor técnico das seleções), Paulo Gomes (diretor da Academia Sporting) e Pedro Marques (diretor técnico do Seixal). A formação dos jovens jogadores é essencial nestes tempos.

«Não é fácil para os miúdos crescerem com um sonho que em poucos casos se realiza. A nossa obrigação é também gerir as expetativas dos jovens e dos pais. Temos de às vezes lhes passar indicações de que o melhor é seguir a formação académica», começou por dizer Pedro Marques.

«É um direito que o jovem jogador tem: a formação. E temos de lutar por isso. A ligação à escola é fundamental», adiantou José Couceiro, lembrando que «em cada cinco mil jovens que praticam um desporto federado no mundo inteiro só um deles vai fazer um contrato profissional».

«O Sporting tem sete jogadores, entre os sub-19 e os sub-23, inscritos na universidade. O que é muito bom. Fico contente com este número, mas quero mais», acrescenta Paulo Gomes.

«Temos 60 ou 65 jovens a viver connosco e queremos apostar numa parceria com o Agrupamento de Escolas de Alcochete e com as universidades para termos cada vez mais jovens a estudar.»

José Couceiro lembra que o jovem jogador é muitas vezes encarado como uma mercadoria, como uma forma de toda a gente à sua volta fazer dinheiro, e Pedro Marques acrescenta que convencer um miúdo a manter um plano B é difícil, mas convencer os pais dele é duplamente difícil.

O jovem é rodeado de pressão para ser bom, para se aplicar no futebol, para apostar numa carreira. A pressão vem dele, claro, que tem esse sonho, mas vem também do círculo de família e amigos.

A escola acaba, no meio de toda esta tensão, por ser muitas vezes desvalorizada.

Por isso a ideia é comum a todos: é indispensável oferecer uma formação académica aos jovens que sonham ser futebolistas. Por um lado, porque jogadores mais inteligentes vão ser melhores jogadores. Por outro lado, porque é muito difícil chegar a um nível profissional no futebol, apenas uma pequena minoria o consegue. Que futuro podem ter os outros, se não for pela escola?

Ora exatamente para fomentar o sucesso escolar entre os jovens foi criado o projeto UAARE: Unidade de Apoio ao Atleta de Alto Rendimento na Escola.

«O projeto UAARE no último ano teve uma taxa de sucesso de 92,2 por cento. Isto é fantástico. O trabalho que está a ser feito junto dos jovens merece ser elogiado», refere José Couceiro.

O Maisfutebol foi tentar saber mais sobre este projeto e falou com Victor Pardal, professor universitário que criou o UAARE e que é atualmente o coordenador da iniciativa a nível nacional.

«O projeto nasceu em Montemor-o-Velho, em 2009, e nasceu pela necessidade de enquadrar os atletas do Centro de Alto Rendimento na escola. Passaram por aqui 70 alunos, com um aproveitamento de 90 por cento. O Governo soube deste projeto e convidou-me a implementá-lo a nível nacional», refere Victor Pardal.

«É um projeto que faz a ligação entre a escola e o desporto. Começámos em 2016 com quatro escolas e cerca de 60 alunos. Atualmente temos 16 escolas e 403 alunos.»

Mas afinal que projeto é este?

Basicamente vive de um protocolo entre o Ministério da Educação, as Federações e as escolas, através do qual os alunos de alto rendimento (internacionais ou com um potencial muito alto de o serem) beneficiam de um apoio para não perder a ligação com a escola durante os períodos de ausência forçada. Podem aderir os atletas de todas as modalidades, que estudam entre o quinto e o 12º ano.

«Passámos a ter, por exemplo, a função de professor acompanhante em todas as escolas, que é alguém que conhece a realidade dos alunos desportistas e está por dentro das especificidades, que faz a gestão letiva e desportiva em contacto com o diretor de turma e com o treinador.»

O professor acompanhante tem a obrigação de conhecer todas as necessidades do aluno, de saber os tempos de ausência, de disponibilizar a matéria lecionada durante essa ausência, de responder às necessidades do atleta. É ele, no fundo, que está ao lado do jovem para o ajudar em tudo.

Outra especificidade passa pelo Caderno Diário Digital, no qual o aluno em qualquer parte do mundo pode expor as dúvidas que tem sobre determinada matéria e o professor dessa disciplina, a partir de Portugal, responde para tirar a dúvida através de áudio, vídeo ou escrita.

Há ainda os Planos de Contingência em Termos Pedagógicos, que basicamente são uma ferramenta de Mobile Learning. Permite aos alunos em qualquer parte do mundo terem acesso ao material pedagógico, estudar, fazer exercícios, obter explicações.

O Mobile Learning das UAARE foi até elogiado pela UNESCO, que considerou esta ferramenta uma das seis melhores a nível mundial no ensino à distância.

Há alunos, aliás, que só estudam à distância.

«A Escola Fonseca Benevides, em Lisboa, é nesse sentido exemplar e um caso único. Tem 40 alunos no projeto, a maior parte dos quais vive no estrangeiro: alunos em clubes profissionais de futebol em Inglaterra, em academias de ténis de Espanha, enfim, e estudam à distância.»

Para Victor Pardal, de resto, grande parte do sucesso do projeto passa pelo apoio psicológico. O que no caso de jovens atletas, garante, é absolutamente decisivo para o sucesso.

«Temos também uma rede de psicólogos, porque se há traço comum nestes alunos é a pressão psicológica na procura de objetivos, sejam eles escolares ou desportistas. Temos alunos que andam meses à procura de um segundo, um metro ou um golo», revela Victor Pardal.

«Muitos destes alunos chegam por vezes a situações de ansiedade e até burnout. Por isso trabalhamos com os clubes para perceber os picos de exposição à ansiedade, de forma a criar soluções para eles ultrapassarem essas zonas vermelhas. Essa análise permite-nos fazer um balanceamento entre carga desportiva e carga pedagógica. Se o aluno está ansioso com uma competição ou treinos intensivos para uma competição, reduzimos na carga pedagógica. Se, por outro lado, a ansiedade competitiva está mais baixa, aumentamos a carga a pedagógica.»

Como já se disse, são 403 alunos que neste momento estão a estudar ao abrigo do projeto UAARE, sendo que cerca de 70 deles jogam futebol. Clubes como o Sp. Braga, a Académica, o V. Guimarães, o Boavista ou o Sporting aderiram ao programa.

O V. Guimarães é até considerado um exemplo: a sala dos UAARE, que as escolas com alunos destes têm, tem ligação direta com a Academia do clube.

No futuro, mais clubes se devem associar ao projeto. Até porque esta é uma iniciativa de sucesso.

«A percentagem de alunos atletas de alto rendimento que desistem da escola, a nível mundial, é cerca de 30 por cento. Na Alemanha a taxa de desistência dos alunos atletas é de 11 por cento. O país que tem uma percentagem de desistência mais baixa é a Bélgica, com 6 por cento. A taxa de desistência nos UAARE no ano passado foi de 2 por cento.»

Razões para acreditar que há cada vez mais jovens atletas na escola, e mais jovens atletas com sucesso na escola. Agora, acabou o texto: vão estudar.