Kayseri, altar islâmico no coração da Turquia, elo fraterno para o misticismo das montanhas de Capadócia. Religião e turismo, mais de um milhão de habitantes, um permanente rufar atávico a anunciar o passado. Há história, sim, mas outra vida para além do rigor muçulmano.

Há futebol e há portugueses. O Kayserispor, maior emblema da urbe, é treinado por Domingos Paciência. No plantel está Henrique Sereno. O toque lusitano é o instrumento de fuga, o clamor exclamado na luta pela permanência. Duro e explícito, sofredor e esperançado.

A vitória na penúltima jornada realizada estreou Domingos nos festejos. No último domingo, porém, o clube perdeu no terreno do Trabzonspor, de José Bosingwa, e manteve-se nos 16 pontos. Está a seis dos lugares de manutenção.

Sereno, internacional português, cumpre quatro jogos de castigo e regressa à competição só no próximo fim-de-semana. Ao Maisfutebol, o defesa central fala de uma aventura em território «estranho».

«Temos passado o ano lá em baixo e para mim isso é anormal. Estou certo de que esse triunfo [1-0 ao Gençlerbirligi] será o primeiro de muitos. Está tudo em aberto, apesar da derrota em Trabzon».



Uma cotovelada a um adversário afastou Sereno da competição. De fora, «e a sofrer», o antigo defesa do FC Porto elogia os primeiros tempos de Domingos Paciência na Turquia.

«Melhorámos, sem dúvida. Ele é um homem experiente e, acima de tudo, paciente. Para lidar com a realidade turca essa é a maior qualidade. O antecessor dele não teve essa paciência», conta Sereno, referindo-se ao conhecido Robert Prosinecki.

«Teve problemas graves com o diretor desportivo e saiu. Vai ser um grande treinador. A temporada foi muito mal estruturada. Temos excelentes jogadores, mas há juventude a mais. Metade dos elementos do onze inicial ronda os 19/20 anos», explica Sereno.

«Mundial? Se algum dos centrais não puder, cá estarei»

O Elvas, V. Guimarães, Famalicão, Valladolid, FC Porto, Colónia e Kayserispor. Aos 28 anos, Sereno já se pode recostar, puxar pelas memórias e narrar capítulos recheados de boas histórias.

Na Turquia, o volume atual, identifica uma sociedade «um pouco atrasada» em relação à mentalidade vigente em Portugal. Esse vazio cultural está intimamente ligado à rigidez imposta pelos ditames do Islão.

«Estamos na Europa e não podemos beber álcool em sítios públicos, nem comer carne de porco. Temos de nos habituar, pois há outras coisas boas», desabafa o internacional português, falando depois das «boas infraestruturas» existentes em Kayseri, bem como da «simpatia do povo».

Veja um golo de Sereno no Valladolid:



Individualmente, a temporada de Sereno tem sido «boa». 13 jogos a titular e um golo marcado ao Antalyaspor. O cartão vermelho visto a 26 de janeiro interrompeu um ciclo positivo. O regresso está marcado para o primeiro fim-de-semana de março.

Henrique Sereno vai voltar e traz o Mundial do Brasil na cabeça. «Faço parte do grupo, isso eu sei. Se não estiver na lista dos 23 convocados fico com a certeza que ajudei sempre que fui chamado», diz o defesa central.

A esperança de Sereno reside nas muitas chamadas às convocatórias e às duas internacionalizações somadas em 2013: 45 minutos no amigável diante da Croácia e mais 34 frente ao Luxemburgo, a contar para a fase de qualificação do Mundial do Brasil.

«A concorrência é forte, mas se acontecer alguma coisa aos jogadores que são as primeiras opções, cá estarei. Jogar pela Seleção Nacional é uma sensação belíssima e quero repetir essas duas presenças proporcionadas pelo mister Paulo Bento».

«Sinan Bolat vai ser muito útil ao FC Porto»

A ligação entre o FC Porto e Sereno terminou no verão passado. O futebolista alentejano esteve três anos vinculado aos tricampeões nacionais e só com André Villas-Boas teve oportunidades na equipa principal.

Confrontado pelo nosso jornal com os constantes empréstimos (Colónia e Valladolid), Sereno assume que sempre preferiu jogar a treinar. «O Vítor Pereira quis que eu ficasse no grupo, mas iria jogar poucas vezes. Entre treinar com os melhores ou jogar num clube menos grande, preferi a segunda situação».

Sereno não está «desgostoso» pelo desinteresse demonstrado pelo clube azul e branco. E tem um bom motivo para isso. «Repare, estive na temporada 2010/11 e ganhámos tudo. Só faltou a Taça da Liga. Ajudei o clube numa das suas melhores épocas de sempre. Ninguém me tira esse orgulho».

Nesse ano de ouro, Sereno fez 13 jogos oficiais: sete no campeonato (cinco a titular), quatro na Taça de Portugal (três a titular) e dois na Taça da Liga (dois no onze inicial).

Na Turquia, o FC Porto continua a ser um tema de conversa diário. Por culpa de Domingos Paciência, claro, mas também de Sinan Bolat. O guarda-redes foi emprestado pelo Porto ao Kayserispor em janeiro.

«Já fez três jogos e esteve francamente bem. Parece-me ter muita qualidade. Conheci-o ainda no FC Porto, na pré-época, e temos trocado ideias sobre o clube. Ainda vai ser muito útil e feliz em Portugal».