António Sousa teve um daqueles pontapés largos, longos, marca registada. Fechou a eliminatória e lá foi, tranquilo, como chegara a Alvalade nessa noite. Para trás, tinham ficado o Ath. Bilbao, um café e um cigarro, numa noite europeia sem TV e que vive apenas nos livros e na memória de quem esteve no antigo recinto do Sporting, há 27 anos. Foi a última visita do Ath. Bilbao a Alvalade, situação que se repete nesta quinta-feira. Na altura, para a Taça UEFA, agora, para a Liga Europa.

A história de Sousa foi contada por um jornalista do El País. Em 1985, o médio leonino espantou o repórter espanhol. Momentos antes de equipar-se, Sousa apareceu na zona social junto aos balneários. Cumprimentou quem estava, pediu um café e fumou um cigarro.

«É muito provável que tenha sido assim, era normal, antes dos jogos, eu esconder-me e tentar tomar um café e fumar um cigarrinho», conta o antigo médio dos leões ao Maisfutebol. «A experiência já era muita, estava habituado a estes grandes jogos e eu e os outros encarámos o encontro com muita naturalidade», continuou Sousa.

Depois de deixar um jornalista espanhol espantado pela cena, Sousa vestiu o verde e branco e encarou os bascos, nessa noite todos de azul. Aos 74 minutos, acabou de vez com a história: «São coisas que ficam. Houve uma falta descaída para a direita. O Jaime Pacheco bateu o livre, deu para mim, que estava a dois metros. Peguei na bola, passei por dois adversários e, aí a uns sete metros da área, rematei. A bola entrou no ângulo superior esquerdo. Foi o 3-0 e garantiu a qualificação para a ronda seguinte.»

Podia ter sido um desses golos que correm mundo. Mas, na verdade, só os que encheram Alvalade nessa noite o conseguem visualizar. Os outros, apenas imaginam. Porém, quem viu Sousa, sabe que nem é assim tão difícil desenhar o lance na cabeça.

«Foi um dos bons golos da minha carreira, lembro-me que não houve imagens, porque havia um conflito com as televisões», esclarece ao nosso jornal. «É daquelas situações de "quem viu, viu, quem não viu, que visse"», continuou Sousa, ao Maisfutebol.

Os dois Bilbaos

Quase três décadas passadas dessa noite de dezembro de 1985, o Bilbao regressa e, tal como naquela altura, é provável que os sportinguistas acorram ao estádio em massa. «O José Alvalade estava superlotado, campo cheio, eram os oitavos de final e estávamos a fazer uma grande prova», recorda António Sousa. «Tínhamos perdido 2-1 em Bilbau, mas tínhamos possibilidades de passar. Por isso Alvalade ficou repleto de adeptos, o que foi importante para nós», explica.

«O Ath. Bilbao tinha o grande Zubizarreta na baliza, mas nós marcámos pelo Manuel Fernandes, depois o Meade e por fim eu», lembra mais uma vez o antigo internacional português, que analisa assim o Bilbao de Javier Clemente e o de Marcelo Bielsa: «É difícil comparar, são 27 anos de diferença, mas há um grande equilíbrio na qualidade entre as duas equipas, a de antes e a de agora.»

Sousa vê, porém, uma diferença em relação a esses oitavos de final da Taça UEFA e as meias-finais deste Abril. «O Ath. Bilbao é muito forte, para mim, é favorito», atira, para depois acrescentar: «Mas apenas no papel, vai ter de o provar em campo.»

Antes de desligar o telefone, uma última recordação: «Em relação há 27 anos, o Ath. Bilbao era uma grande equipa, mas o Sporting também. Havia muita igualdade. Eles, como nós, tinham jogadores de seleção.»

Sim, é verdade. Clemente treinava, Zubizarreta era o guarda-redes, Goikoetxea o central temível e havia ainda Julio Salinas. Só que, nessa noite, as estrelas bascas desapareceram por entre o fumo de um cigarro e o vapor de um café quente.