Inquietado pelos dilemas da inacção, Oscar Pereiro decidiu voltar a ser menino. «Sou um tipo que faz aquilo que lhe apetece. Tenho essa sorte.» Farto da «desacreditação» para onde resvala o mundo do ciclismo, cansado da visão negra do doping e dos estilhaços da polémica, encostou a bicicleta na garagem e reflectiu.

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Para chegar a uma conclusão inabalável: «Amo o futebol e quero apostar nesta modalidade.» Se bem o pensou, melhor o fez. A 300 metros de sua casa, o estádio do Coruxo F.C. revelou-se um chamamento irresistível, uma verdadeira Flauta de Hamelin. O som vibrante do golo, da celebração, tudo dissipou: a timidez inicial, a inverosimilhança de ver um ciclista campeão calçar as chuteiras e o medo de ser apenas mais um no balneário do clube galego.

O feitiço do Tourmalet é agora a baliza contrária; a tortura do Alpe d'Huez veste a pele de defesa cabotino; a canícula do Mont Ventoux não é mais do que um passe falhado ou um drible perdido no pior instante. A estreia do ex-camisola amarela nos relvados teve lugar no domingo. 25 minutos na derrota do Coruxo B diante do Louro.

«Tive boas sensações», diz ao Maisfutebol, ainda num léxico que lhe era grato no planeta velocipédico. «Quis jogar como se nada mais houvesse na vida. Não quis ser o Pereiro campeão do Tour, apenas um tipo normal que adora o futebol. Estranhei ver o estádio cheio, claro, mas estive concentrado e dei tudo. Sei que nunca vou ser o Cristiano Ronaldo. Só quero melhorar e ser útil ao Coruxo.»

«Um ídolo do desporto é um homem de carne e osso»

Camisola verde, número 15, barba por fazer. Sobre a direita do ataque, jeito de sprinter que nunca foi, desvelo surpreendente no contacto com a bola.

«Na verdade, os meus colegas pensaram que eu sou maluco. Vim para um clube semi-profissional, da II Divisão B, sem qualquer luxo. O que ganhei no ciclismo permite-me fazer isto. Permite-me cumprir um sonho de menino. Acho que tenho direito a isso.»

O primeiro treino inundou o sintético do Coruxo F.C. de jornalistas e câmaras de televisão. Oscar aceitou a curiosidade inicial, agora só quer ser igual aos demais. «Os meus colegas ficaram surpreendidos ao ver que um ídolo do desporto é também um homem de carne e osso. Sinceramente, acho que estava na hora de fazer isto. Sempre disse que aos 32 anos deixava o ciclismo. Aguentei até aos 33. Agora quero desfrutar do futebol.»

O tipo de esforço das duas modalidades é «incomparável». No futebol há «muito contacto físico», «exigência técnica» e «inteligência táctica». «O ciclismo é apenas resistência. É a habituação ao sofrimento, aguentar e aguentar. Creio que não é possível encontrar pontos em comum entre os dois mundos.»

«O desporto é uma doença, um vício»

Oscar Pereiro é um dos nomes mais relevantes do ciclismo no século XXI. Passou dois anos na portuguesa Porta da Ravessa, representou a Caisse d'Epargne e a Astana, duas das mais relevantes equipas do pelotão profissional. «O desporto é uma doença, um vício. Os jogos com os amigos não me chegam. Preciso de mais. O Coruxo F.C. dá-me o que preciso.»

Definitivamente de lado fica o ciclismo. Oscar olha para trás e arrepia-se ao recordar o momento em que subiu ao pódio nos Campos Elísios. «Senti-me vivo!» A morte, porém, também o rondou «uma ou outra vez», mas nunca como naquele Tour de 2008. «Caí por uma ribanceira abaixo, oito metros, na descida do Col d'Agnel. Fui parar ao hospital, foi terrível.»

Adeus descidas vertiginosas, subidas de tortura, etapas escritas em odisseias de 200 kms. O vencedor do Tour 2006 encarnou a pele de jogador de futebol.

A estreia de Pereiro no mundo do futebol: